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O início do tão esperado ciclo de cortes dos juros finalmente chegou – na quarta-feira (2), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central baixou a taxa Selic para 13,25% ao ano. Agora, muitos investidores se perguntam: ainda vale a pena alocar na renda fixa? Onde encontrar oportunidades? Como saber se as taxas mais atrativas são boas opções de investimento?
As debêntures estão entre as alternativas da renda fixa com rendimentos considerados vantajosos. No mercado secundário – ou seja, nas compras e vendas realizadas entre os investidores – era possível encontrar, nesta quinta-feira (3), papéis da mais alta classificação de crédito (AAA) com remuneração de mais de 3% ao ano além da taxa do CDI (principal referência de retorno da renda fixa), segundo dados levantados pelo Bradesco BBI.
Debêntures com nota AAA são consideradas as de menor risco de crédito – ou seja, risco de calote pelo emissor. Veja alguns exemplos na tabela abaixo:
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Ticker | Emissor | Vencimento | Taxa indicativa (% ao ano) |
JSMLA5 | SIMPAR S.A. | 15/01/2031 | CDI + 3,87 |
SIMH16 | SIMPAR S.A. | 20/12/2029 | CDI + 3,72 |
CSNAA1 | COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL | 10/11/2028 | CDI + 3,69 |
CSNAA2 | COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL | 20/12/2027 | CDI + 3,64 |
QUAL16 | QUALICORP S/A | 03/06/2027 | CDI + 3,54 |
MOVI27 | MOVIDA PARTICIPACOES S/A | 15/09/2029 | CDI + 3,5 |
MVLVA1 | MOVIDA LOCACAO DE VEICULOS S.A. | 22/12/2027 | CDI + 3,21 |
DASAC5 | DIAGNÓSTICOS DA AMÉRICA S/A | 30/10/2031 | CDI + 3,19 |
MOVI34 | MOVIDA PARTICIPACOES S/A | 27/07/2027 | CDI + 3,19 |
MOVI16 | MOVIDA PARTICIPACOES S/A | 15/04/2027 | CDI + 3,14 |
Fonte: Bradesco BBI. Dados em 03/08/23.
Como risco e retorno caminham juntos, debêntures com notas mais baixas oferecem remuneração maior. Entre as classificadas como AA+, primeiro degrau abaixo do AAA, as taxas chegavam a superar 8% ao ano, mais CDI.
Nas que ficam ainda um degrau abaixo na classificação de risco, com nota AA-, as opções com retorno de CDI mais 4% a 6% eram variadas. Mas havia papéis pagando spreads de 10%, 20% e até mais de 30% acima da taxa de referência da renda fixa.
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Se à primeira vista taxas desse tamanho parecem uma grande oportunidade, vale a pena atentar para as particularidades das debêntures com esses níveis de remuneração. Em comum, alguns “pontos fora da curva” compartilham o segmento de atuação das empresas emissoras: varejo.
Trata-se de um setor que sofre com os juros elevados, que afastam os consumidores, encarecem o crédito e aumentam a inadimplência.
“O mercado está avesso ao varejo, tentando encontrar o preço justo de mercado para os ativos”, diz um operador de mesa que preferiu não se identificar.
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Victoria Cardoso, especialista em renda fixa da Acqua Vero, destaca que taxas elevadas como essas podem ser um sinal de venda dos papéis por parte de fundos de investimentos.
“No começo do ano, os gestores venderam papéis mais líquidos e como os fundos precisam estar enquadrados, de acordo com os seus regulamentos, agora podem estar tentando vender títulos menos líquidos”, observa.
Pontos fora da curva
É preciso ponderar que as empresas emissoras das debêntures com as taxas mais elevadas não estão tomando dívida a esse custo. Na verdade, investidores que já possuem os papéis na carteira é que estão tentando vendê-los oferecendo um preço mais atraente diante do aumento do risco percebido pelo mercado no papel.
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As debêntures da Via Varejo estão entre as marcadas com taxas mais altas. O papel, VVAR27, com vencimento em 2026, era precificado na marcação a mercado a CDI mais 35%, taxa muito superior à que foi oferecida pela empresa na época da emissão do papel, de CDI mais 1,70%.
No caso da debênture VVAR16, que possui vencimento em 2024, os papéis estavam marcados a uma taxa de venda de CDI mais 17%, mostram dados do Anbima Data, contra CDI mais 1,90% registrado no momento da oferta primária dos títulos. Já VVAR26, com vencimento em 2026, a taxa de venda no mercado era de CDI mais 23,5%, pelos dados do Bradesco BBI, contra CDI mais 2,10% na emissão.
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Não são casos isolados. Nesta quinta-feira (3), houve negócio com debêntures da Magazine Luiza com vencimento em 2026 (MGLUA0) com taxa de venda em torno de CDI mais 9%, contra taxa de emissão de CDI mais 1,25%.
“Magalu e Via Varejo se prejudicaram com o aumento de juros e pelo fato de terem uma avalancagem [nível de endividamento] maior. Isso pode ter puxado esse prêmio”, diz Cardoso, da Acqua Vero.
Mauricio Valadares, CIO da Nau Capital, acrescenta que debêntures ligadas ao varejo possuem algumas particularidades do próprio setor, que costuma ter margens mais apertadas – o que oferece menos “massa de manobra” para as empresas.
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Via e Magazine Luiza devem reportar os balanços do segundo semestre deste ano entre os dias 10 e 14 de agosto.
Analistas do J.P Morgan destacaram, em relatório de junho, que a queda nos juros deve ajudar as companhias, mas ambas podem ter prejuízos no curto prazo, diante de um nível elevado de alavancagem.
Nos cálculos do banco, a Magalu deve fechar 2023 com uma relação entre a dívida líquida ajustada e o Ebitda em cerca de seis vezes, enquanto o mesmo múltiplo deve fechar perto de 11 vezes, no caso da Via.
“No geral, a alavancagem ainda alta deve continuar a pressionar os resultados, apesar do alívio esperado com a Selic mais baixa. Vemos Magalu e Via imprimindo perdas líquidas em 2023, passando a ter lucro apenas em 2024 e 2025, respectivamente”, resumem os especialistas do J.P Morgan.
Além de Via e Magalu, os dados do Bradesco BBI mostravam debêntures do Pão de Açúcar (CBRDA8) e da Aeris (AERI12 e AERI11) com taxas elevadas – de CDI mais 10,89%, 15,57% e 14,45%, respectivamente.
No primeiro caso, a empresa têm sido prejudicada pela expectativa de conclusão do spin-off (cisão) do Éxito pelo GPA, controlador do Pão de Açúcar, até meados de agosto – prazo estimado pelo CEO do grupo, Marcelo Pimentel. Isso, na visão de um operador de mercado, pode atrapalhar o processo de desalavancagem da GPA, o que pesa sobre os papéis.
Investir ou não investir?
Apesar das taxas altas de venda, operadores relatam que as operações com essas debêntures muitas vezes não encontram comprador.
“É um produto mais voltado para investidores de risco de renda variável. Se der certo, pode-se ganhar muito, mas também pode-se perder tudo, se der errado”, alerta a chefe de alocação da Braúna Investimentos, Catherine Cruz.
Para Catherine, aplicar num papel como esse é diferente de investir em um título do tipo high yield (maior retorno e maior risco) – em que a empresa oferece um spread maior ao vir a mercado, porque está endividada, por exemplo.
Títulos de dívida do varejo ou da construção civil, no geral, não têm sido o foco de fundos que alocam em debêntures, explica o chefe da área de crédito da Absolute Investimentos, Paulo Bokel. Para ele, muitas empresas do setor possuem financeiras que trabalham com pessoa física e ainda poderiam sofrer no cenário de juros elevados.
Embora o BC tenha iniciado o ciclo de cortes, as projeções para a Selic no fim deste ano foram revisadas por algumas casas – como Itaú e Bradesco BBI – para 11,75%, um patamar ainda considerado alto.
A maior cautela é reflexo da recuperação do mercado após o baque com as recuperações judiciais de Americanas e Light, que causaram um aumento da percepção de risco do crédito privado. “Não queremos gerar volatilidade, diante de um momento em que o cliente ainda está inseguro”, afirma o executivo da Absolute.
Há oportunidades?
Embora especialistas vejam com cautela a alocação em determinados papéis, Catherine, da Braúna, diz que, por outro lado, há oportunidades em debêntures atreladas à inflação de emissores resilientes, em setores como saneamento e energia – com destaque para títulos com vencimento entre 2030 e 2035.
A alocadora destaca que o mercado primário tem aparecido com algumas ofertas atrativas, que também estão com prêmio em relação ao mercado secundário.
A chave para uma boa alocação agora está na pulverização da carteira, segundo Catherine. “Vá entrando de pouco em pouco. Mesmo que haja algum default, você estaria seguro”, pondera.