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A persistência da dinâmica inflacionária e a resiliência da atividade econômica americana voltaram a levantar dúvidas entre agentes financeiros sobre a extensão do aperto monetário no País. Os principais pontos de interrogação são até quanto os juros vão subir nos Estados Unidos e por quanto tempo permanecerão elevados para driblar a escalada de preços.
De olho nos efeitos de curto prazo das decisões do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), gestores de fundos que investem em renda fixa tanto local quanto internacional têm visto mais valor no mercado brasileiro – especialmente após o caso envolvendo a Americanas (AMER3) e outras empresas, como Light (LIGT3), CVC (CVCB3) e Marisa (AMAR3).
Desde a descoberta do rombo contábil da varejista, o mercado secundário viu uma elevação dos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação aos títulos públicos, considerados de baixo risco), o que levou a uma reprecificação de vários ativos de crédito.
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Em relatório mensal divulgado ontem (6), a gestora JGP informou que, excluindo o efeito da nova precificação de ativos da Americanas e da Light, os spreads médios ponderados das debêntures atreladas ao CDI saíram de 2,03% em janeiro para 2,62% em fevereiro. Os números são do Idex-CDI, índice desenvolvido pela casa para acompanhar o mercado de debêntures com retorno indexado ao CDI.
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“Voltou a parecer que há retorno e risco melhor aqui dentro. A reprecificação deve continuar, e voltamos a comprar”, afirma o co-CIO e gestor da estratégia de crédito da Ibiuna Investimentos, Eduardo Alhadeff.
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O executivo cita casos como os da debênture da Hidrovias do Brasil (HBSA3), que passaram a oferecer uma remuneração equivalente à taxa do CDI (referência de rendimento da renda fixa) mais 4,5% ao ano. Antes da reprecificação, os retornos eram próximos de CDI acrescido de 2,30%.
O movimento ocorreu ao mesmo tempo em que alguns títulos de dívida de empresas americanas (corporate bonds) com proteção cambial passaram a entregar cerca de CDI mais 3,90% ao ano, observa Alhadeff.
Virada nas carteiras
O olhar mais direcionado a oportunidades no mercado local representa uma mudança em relação a meses anteriores, quando a Ibiuna tinha aumentado a posição em renda fixa internacional.
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Alhadeff explica que, em novembro do ano passado, havia muito prêmio no mercado de crédito americano e otimismo com a possibilidade de o Fed encerrar o ciclo de alta já na reunião de março.
A visão mudou radicalmente após a divulgação dos últimos dados de inflação e do mercado de trabalho americano. O executivo afirma que o payroll (relatório de emprego) de janeiro veio forte e os núcleos de índices de inflação estão com uma média móvel perto de 6%, considerada elevada. Por isso, a casa reduziu a posição externa.
Já os dados do payroll de fevereiro serão divulgados nesta sexta-feira (10). O consenso Refinitiv prevê que 200 mil vagas de emprego tenham sido criadas fora do setor agrícola em fevereiro.
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De olho nos números de inflação em janeiro e na expressiva abertura de postos de trabalho no mesmo mês, o presidente do Fed, Jerome Powell, ajudou a jogar mais “água no chope” do mercado nesta terça-feira (7).
Ao Congresso americano, ele afirmou que a autoridade monetária precisa elevar os juros mais do que o esperado em resposta aos recentes dados econômicos mais fortes dos Estados Unidos. “Se a totalidade dos dados indicar que um aperto mais rápido se justifica, estaremos preparados para aumentar o ritmo das altas de juros”, disse Powell.
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Com mais incertezas na mesa e uma possível extensão do ciclo de aperto, há menos prêmio do que existia em novembro, avalia o gestor – que tem aproveitado os papéis mais atraentes no mercado local. Entre as últimas compras da casa, a preferência tem sido por companhias do setor elétrico e de saneamento. “Tem que ter conforto no caixa. Começamos a olhar e a comprar devagar”, resume.
Outra casa menos otimista com as alocações em renda fixa americana é a Legacy Capital. Leonardo Ono, gestor de renda fixa, explica que a cautela aumentou porque a avaliação é de que não impossível que os juros cheguem a 5,75% nos EUA, com o Fed voltando a acelerar o aumento para 50 pontos-base (0,50 ponto percentual) na reunião deste mês.
No encontro anterior, a autoridade monetária havia diminuído o ritmo de aperto ao elevar os juros em 25 pontos-base (0,25 ponto percentual). O movimento ocorreu após quatro aumentos seguidos de 0,75 ponto percentual e outro de 0,50 ponto percentual – o último.
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“Achamos cedo para projetar corte de juros para este ano [nos EUA], pois ainda estamos discutindo quando vai parar de subir”, afirma Ono. “Estamos muito ao sabor dos próximos dados”.
O gestor explica que os bonds – corporativos e soberanos (emitidos pelo Tesouro americano) – possuem uma componente prefixada. Logo, se houver abertura da curva de juros futuros americanos – com as taxas esperadas subindo – o retorno será prejudicado.
A explicação está na marcação a mercado. Quando as taxas sobem, o preço dos papéis recua – em outras palavras, os títulos desvalorizam.
Outro detalhe está nos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação aos dos títulos públicos, considerados de baixo risco). Segundo Ono, eles estão diminuindo desde que o mercado passou a cogitar uma extensão do aperto monetário.
Nos fundos multimercados da casa, Ono explica que a Legacy reduziu a posição em bonds. Já nos produtos voltados unicamente para crédito, a gestora zerou a alocação recentemente.
Olho no local, mas “sem pressa”
Com o olhar mais cauteloso para a renda fixa americana, o executivo da Legacy afirma que tem aproveitado para comprar no mercado local de crédito, mas “sem pressa” e “bem pouco”.
“As empresas estão sofrendo muito com os juros altos. Não tem cara de que vai melhorar rapidamente”, observa. “A grande dúvida é se Americanas e Light foram casos isolados ou se são sintomas que mostram que as empresas estão com dificuldade de pagar juros e rolar dívidas”.
A cautela é reflexo de uma preocupação com a dinâmica de resgates, com o avanço das discussões que envolvem o novo arcabouço fiscal e com os resultados das empresas. O executivo chama atenção que Light e CVC divulgarão os balanços em meados deste mês. A primeira deve apresentar os números no dia 16 e a segunda, no dia 14.
Sem querer citar casos específicos, Ono diz que tem privilegiado setores menos cíclicos como o de concessão de rodovias, saneamento e energia elétrica. Outro destaque da carteira de crédito tem sido a alocação em empresas de commodities.
Ao mesmo tempo, o executivo da Legacy pondera que tem evitado títulos ligados à construção civil, que possuem dívida atrelada ao CDI e podem sofrer com a menor demanda por crédito imobiliário. Além disso, ele lembra que a inflação pode atrapalhar o orçamento das empresas que compraram terrenos, projetaram as construções e depois viram o custo encarecer.
O cuidado do gestor também é maior com fornecedoras de cimento e empresas de educação, porque ainda não é possível saber os próximos passos do governo com programas de financiamento educacional, como o Fies.
Ao ser questionado sobre nova possibilidade de abertura dos spreads de ativos de crédito no Brasil, Ono afirma que, se não houver nenhuma notícia ruim nova envolvendo alguma empresa, é possível que o mercado tenda a se equilibrar.
O executivo, no entanto, disse que não é possível descartar uma “nova pernada” nos spreads, se houver mais notícias ruins no curto prazo.
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Investidores pessoas físicas: vale a pena alocar?
Embora gestores não vejam grandes oportunidades no curto prazo para alocar em renda fixa internacional, casas mais voltadas para o médio e longo prazos afirmam que o momento é adequado para iniciar uma posição na renda fixa fora do País.
O chefe de alocação e fundos da XP, Rodrigo Sgavioli, recomenda que a exposição seja feita com cautela em meio a uma série de incertezas sobre o período em que o Fed manterá o juro elevado.
“Quanto mais ficar sedimentada a ideia de que os juros vão parar de subir, o risco de abertura [alta] da curva diminui. Isso é favorável”, destaca Sgavioli, que sugere ao investidor esperar um pouco para aumentar a posição, se já tiver alguma.
Quem tiver apetite a risco, deve mesclar a compra direta de ativos com o investimento em fundos multiestratégia, ou seja, que conseguem fazer arbitragem de bonds e outras estratégias, na visão do especialista da XP.
Se optar por adquirir um fundo, a sugestão de Sgavioli é que o investidor prefira produtos com hedge cambial (que evitam expor a pessoa à variação do câmbio). A razão é que o fundo poderia ter o resultado distorcido caso seja mais conservador.
Na hora de escolher entre ativos high grade (de menor risco e menor retorno) e high yield (de maior risco e maior retorno), o especialista defende que gestores teriam maior agilidade e expertise para montar posições e vendê-las, se necessário.
“Não sei quanto o investidor comum teria de conhecimento sobre o mercado americano. Ele poderia ir comprando papéis high grade diretamente e privilegiar gestores para escolher ativos high yield“, avalia Sgavioli.
Mesmo que o Fed prolongue o aperto monetário nos EUA, o chefe de operações internacionais da Blue3, Fernando Bueno, defende que a alocação em renda fixa americana é importante para a diversificação do investidor e que o brasileiro é geralmente “subalocado” lá fora.
Para dar o pontapé inicial, a sugestão do especialista é iniciar com os Treasuries (títulos do Tesouro americano). A preferência é por papéis com vencimento mais curto – de até três anos – para começar a se acostumar com o mercado, se o investidor for mais conservador.
Já para quem entende melhor a dinâmica do mercado americano, Bueno diz que pode buscar oportunidades em títulos do setor bancário e de telecomunicação, dando prioridade para ativos high grade.
“O brasileiro despertou para o mercado americano por causa do nosso cenário interno de maior instabilidade e maior dúvida na parte política, com a dificuldade em avançar com reformas importantes. Há uma baita janela de oportunidade na renda fixa americana”, conclui o especialista da Blue3.