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A subida registrada por índices americanos neste ano tem causado surpresa em parcela dos investidores, em meio a um ciclo de aperto firme das condições financeiras nos Estados Unidos – com a chegada dos juros a patamares considerados muito elevados para os padrões, entre 5% e 5,25% ao ano.
Na visão de Gabriela Santos, estrategista para mercados globais do J.P. Morgan Asset Management, a alta das bolsas americanas representa uma liderança de setores defensivos, e não do índice como um todo, além de estar concentrada em grandes empresas de tecnologia.
Em entrevista ao InfoMoney, Gabriela disse que acredita que será cada vez mais difícil “fazer generalizações no setor de tecnologia americano”, já que o crescimento de lucro melhor do que o esperado tem sido mais frequentes nas grandes empresas – e não nas pequenas, as startups. “Isso é bem diferente do que foi visto nos últimos anos”.
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Sem detalhar nomes, a estrategista avalia que tais empresas escutaram a mensagem dos investidores no ano passado e reduziram custos. Agora em 2023, as grandes companhias de tecnologia presentes no índice S&P 500 registram alta de cerca de 22%, enquanto as pequenas do índice Russell 2000 sobem menos de 2% no mesmo período.
A título de comparação, em 2020, não havia diferença nenhuma de retorno em relação ao tamanho das companhias – os dois segmentos subiram 42,5% nesse período.
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Para ela, o cenário é de aperto monetário, mas o Federal Reserve (Fed, banco central americano) terá condições de cortar os juros ainda neste ano com a continuação do processo de desinflação e a desaceleração da economia americana, que deve entrar em recessão nos próximos 12 meses.
Sobre o Brasil, a executiva acredita que, mesmo com a aprovação de um arcabouço fiscal neste ano, o foco dos investidores estrangeiros seguirá na China. Sua visão é de que não haverá fluxo de capital para o País. Segundo ela, a reabertura do gigante asiático terá como referência – pela primeira vez – o consumo de serviços e de bens discricionários, o que deverá beneficiar outros países da Ásia, além da Europa.
Confira os principais trechos da entrevista:
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InfoMoney: Vimos um rali nas Bolsas americanas nos últimos meses. Ao mesmo tempo, o mercado de juros segue com a curva invertida, o que tende a indicar a aproximação de uma recessão. O que explica a conjunção desses dois fenômenos nos EUA?
Gabriela Santos: Ano passado, os dois caíram juntos. Neste ano, estamos vivendo o oposto. Um tema em comum agora são os preços, que ficaram mais interessantes tanto na renda fixa quanto no mercado acionário, já refletindo muita incerteza e dando vontade de aumentar as posições.
Um segundo fator em comum é a expectativa de corte de juros pelo banco central americano, que está levando a uma queda dos yields [rendimentos] da curva americana, e que também tem beneficiado companhias que sofreram muito quando o custo do dinheiro aumentou, especialmente as empresas de tech.
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O terceiro ponto é que essa alta da Bolsa representa uma liderança mais defensiva dos setores, e não do índice como um todo.
IM: Como assim?
Gabriela: A alta está extremamente concentrada nas grandes empresas de tech. Ou seja, companhias que são vistas como mais defensivas pelos investidores porque têm crescimento de lucro. Não sinaliza que há um grande otimismo com relação à economia americana.
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IM: Grandes empresas de tech, como a Meta, foram destaque nos balanços que vimos nos Estados Unidos. Como tem visto essas ações?
Gabriela: Os resultados delas no primeiro trimestre mostraram três coisas. Primeiro, que há uma diferença entre companhias de tech. Não é tudo a mesma coisa. Onde estamos vendo crescimento de lucro melhor do que o esperado é nas grandes, nas que dominam o mercado, e não nas pequenas, as startups. Isso é bem diferente do que foi visto nos últimos anos. Não é uma onda levando todos os botes. É bem específico sobre as companhias grandes.
Segundo ponto é que todas têm áreas em seus negócios que são mais defensivas. Por exemplo, cloud computing [computação em nuvem] e software são temas que outras companhias vão seguir precisando, independentemente do ciclo econômico. Tem outras que são mais cíclicas.
O terceiro ponto é que elas escutaram a mensagem dos investidores no ano passado e reduziram custos. Agora que o juro está alto e tem competição por dinheiro, é fundamental cortar custos.
IM: Há espaço para novas altas?
Gabriela: Vai depender de cada uma das empresas. Se elas são defensivas ou não, se estão cortando custos e reorientando os negócios. Se o preço está apropriado ou não. Daqui pra frente, não vai dar pra fazer mais generalizações sobre o setor de tecnologia americano. Tem grandes diferenças e a gente já vê isso refletido no preço e vai continuar sendo assim agora que os juros estão positivos, e não negativos.
IM: O mercado tem precificado cortes de juros pelo Fed neste ano. Isso será possível?
Gabriela: Acreditamos que eles comunicaram uma pausa na reunião do último dia 3, ou seja, aumentaram os juros, mas sinalizaram que daqui para frente vão ver o que acontece. Não é pré-determinado o movimento de nenhum dos dois lados, seja para cima ou para baixo. Tudo vai depender da inflação e da economia.
Nossa avaliação é de que a inflação não vai voltar à meta neste ano, e sim ano que vem. Mas é fato que o país está num caminho consistente de desinflação. Vimos isso com o CPI, que trouxe menos pressão dos preços de serviços. O que é um bom sinal, especialmente depois de termos visto menos pressão em bens e preços de energia desde o ano passado. Nossa avaliação é mais favorável para a direção da inflação em relação ao que pensa o Federal Reserve hoje.
A segunda avaliação envolve a perspectiva econômica. Vemos que a probabilidade continua bem elevada de ter uma recessão nos Estados Unidos nos próximos 12 meses. O timing foi antecipado depois do estresse dos bancos regionais. Apesar disso, o pânico das saídas de depósito diminuiu muito. Estabilizaram os depósitos e temos novos mecanismos de liquidez do Fed.
Agora, a discussão é mais sobre rentabilidade desses bancos, o que vai acontecer com o financiamento de crédito. É provável que as condições apertem. Já vimos isso na pesquisa publicada duas semanas antes e isso é algo que deve continuar a frear a economia americana junto com os juros. Na nossa avaliação, a continuação da desinflação junto com a desaceleração da economia deve abrir espaço para um começo de corte de juros neste ano.
IM: Quando poderia ser esse corte?
Gabriela: Será que é agosto, setembro, novembro? O timing exato não sabemos. Não importa. O ponto chave é que agora estamos do outro lado da montanha. Os investidores estão focados no corte de juros, o que indica que já vimos as máximas dos yields [rendimentos] da curva americana e é um ambiente muito favorável para a renda fixa americana.
IM: O pior do estresse bancário parece que já passou? Esses dados mostram certo alívio, mas ainda é um cenário que inspira certo cuidado?
Gabriela: Nos parece que o pior momento foi entre 8 e 27 de março, quando a gente estava vendo saída de depósitos muito rápido dos bancos regionais e havia possibilidade de termos muitas falências de bancos. Agora, estamos num ambiente em que a saída de depósitos estabilizou e foi criado um mecanismo de liquidez e resolução dos bancos, Tesouro, Fed e dos reguladores. Podemos dizer que o pior passou nesse sentido, mas não quer dizer que não continua tendo um impacto. Não é que está tudo horrível ou tudo ótimo. Estamos num meio termo.
A preocupação é que alguns bancos regionais vão ter pressão de lucro, porque têm que pagar mais depósito, têm que aumentar a capitalização e as reservas. Logo, irão fornecer menos crédito e ganhar menos dinheiro. Isso freia a economia e o preço das ações dos bancos regionais. Dizer que o pior já passou não quer dizer que não tem um impacto contínuo na economia e em como pensamos em investir no setor financeiro americano.
IM: Como assim?
Gabriela: A nossa preferência seria investir nos maiores bancos americanos, que estão ganhando com essa dinâmica de entradas de depósitos, ao contrário dos bancos regionais, que estão com um modelo mais pressionado em termos de crescimento de lucro. Já vemos uma grande divergência de retornos. Desde 8 de março, eles estão pra baixo cerca de 10% versus os bancos regionais que caem 40%. Isso mostra uma divergência no modelo de negócios e no crescimento de lucro.
IM: Mudaram algo em termos de alocação recentemente?
Gabriela: Mudamos bastante depois do fim do ano passado com a melhora nos preços. Não fazia muito sentido estar fora do mercado, já que o preço tinha se ajustado muito. O preço reflete incertezas e sugere retornos melhores daqui para frente. O cenário global está incerto, mas o ponto de partida para investir no mercado internacional está muito mais forte hoje do que estava no começo de 2021.
Antes, esperávamos retornos anualizados numa carteira balanceada global de 4,2% ao longo de dez ou 15 anos. Depois da queda dos valuations, aumentamos essa expectativa para 7,2%. É importante separar a realidade da economia real atual do preço e do que sugerem os retornos futuros.
Ainda vemos muito oportunidade no mercado acionário americano, mas com gestão ativa. O foco deve ser nos valuations, na qualidade e no quão defensivo ou resiliente é o crescimento de lucro de uma empresa. Existem oportunidades dentro do setor de tecnologia, saúde, indústria, energia e alguns bancos seletivos.
Fora disso, o que está mais interessante é a renda fixa americana. É o mercado mais seguro do mundo, com menos volatilidade na comparação com outros mercados de renda fixa e agora oferece juros de 4% ou 5%, a depender do tipo de renda fixa. Agora, é importante focar em aumentar a duration [duração do papel] e olhar com atenção o risco de crédito, priorizando os de maior qualidade por causa da perspectiva mais difícil em termos de crescimento econômico.
IM: A alocação em ações deve priorizar outras regiões agora?
Gabriela: Cada vez mais esse é um tema de outras regiões, e não só dos Estados Unidos. Onde a perspectiva melhorou mais e os preços estão mais descontados é na Europa, China, Ásia e emergentes. Seriam as nossas preferências regionais dentro do lado de ações.
IM: Alguns dados recentes sinalizaram que a reabertura chinesa pode não ser tão forte como era esperado. Será que ela será mais focada em consumo desta vez?
Gabriela: Esse ano é de aceleração econômica e de recuperação no gigante asiático. Achamos que a China pode crescer o dobro do ano passado, ou seja, 6%, contra 3% em 2022. A recuperação vem do consumo das famílias, do setor de serviços e bens discricionários. Não devemos ver isso refletido nos preços de minério de ferro ou do setor manufatureiro.
É a primeira vez que vemos esse tipo de recuperação no país, focada em consumo e serviços. Isso beneficia mais a China internamente e quem oferece bens e serviços discricionários para o país. Quem mais faz isso é Europa e Ásia. O tema é a volta dos turistas chineses para a Tailândia, Singapura, Reino Unido, Itália etc e a volta do consumo de bens de luxo. Não é surpresa vermos as companhias de luxo europeias com retornos de 50% desde as mínimas em outubro, refletindo essa recuperação da China.
IM: Como vê os dados chineses divulgados até agora?
Gabriela: Os dados de serviços, onde deveríamos ver recuperação, têm vindo fortes. A preocupação é quão sustentável vai ser essa recuperação na segunda metade do ano. Será que vai perder o gás? Ou vai continuar? A surpresa tem sido os mercados chineses, que estão com retorno negativo neste ano. Para vermos uma recuperação dos mercados chineses, vai ser importante ver um aumento da confiança da indústria privada da China e dos consumidores, além de uma melhora na expectativa de crescimento de lucro das empresas.
Achamos que esses ingredientes vão aparecer e estamos otimistas com uma segunda pernada de aceleração do mercado acionário chinês, que ocorreria depois da primeira que foi entre outubro do ano passado e janeiro deste ano.
IM: Como está vendo o Brasil agora, com boa parte dos agentes precificando corte de juros neste ano e a apresentação de um novo arcabouço fiscal?
Gabriela: A representação do Brasil nos mercados globais é muito pequena, e isso é muito triste. O País representa menos de 1% do mercado acionário. Perdemos muito espaço na última década. A discussão hoje está mais focada em Ásia, China e emergentes. Apenas quando o tema é mais específico sobre emergentes, o Brasil aparece.
A perspectiva é de que a renda fixa brasileira em moeda local seguirá mais interessante para o estrangeiro, dado o diferencial de juros e as taxas reais positivas. Agora, mais e mais, a atenção está voltando para os mercados chineses e asiáticos, infelizmente.
O Brasil sempre teve as suas incertezas domésticas. Por isso, é importante lembrar do benefício que o brasileiro possui em ter uma alocação internacional para capturar oportunidades fora e diversificar o risco do País.
IM: Mesmo que o País aprove um arcabouço fiscal, acredita que o Brasil deverá ficar de lado e não atrair fluxo de capital vindo de fora?
Gabriela: A questão é o espaço na mente do investidor estrangeiro, que é muito limitado por causa do nosso peso nos índices. Para o investidor global que olha o mundo todo, olhar o detalhe da situação fiscal no Brasil para montar uma posição é mais difícil. O peso do País é muito pequeno para merecer essa atenção na comparação com China, em que há maior interesse em buscar entender sua dinâmica. Nesse caso, valeria mais a pena olhar para a China dado o seu peso nos mercados asiáticos e nos índices.