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Datado de muitas décadas atrás, o arcabouço regulatório que rege o mercado de câmbio no Brasil vai mudar no último dia do ano. Um conjunto de regras, batizado de novo marco cambial, entra em vigor no dia 31 com a promessa de facilitar as transações em moeda estrangeira – com reflexos inclusive para os investidores pessoas físicas.
A Lei 14.286/21, sancionada no apagar das luzes de 2021, dispõe sobre o mercado de câmbio nacional, o capital brasileiro no exterior, os recursos que entram no País e a prestação de informações ao Banco Central. Seu objetivo, segundo agentes do mercado, é adequar o mercado de câmbio à nova realidade brasileira.
“A regulamentação do câmbio vigente no Brasil vem do século XX e sempre foi pautada pelas restrições do Brasil com seu balanço de pagamentos”, diz Thiago Gama, head de câmbio da XP. Com a estabilização da economia após o Plano Real e a formação de uma reserva internacional hoje com um caixa de US$ 326 bilhões, o constante receio de que faltem dólares para o País honrar as transações dos setores público e privado ficou para trás.
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• Novo marco cambial: o que muda no seu cotidiano e nos investimentos
Entre as mudanças que afetarão diretamente as pessoas físicas, as mais conhecidas dizem respeito à posse de moeda física. A nova lei aumentou, por exemplo, o limite de dinheiro em espécie que cada pessoa pode portar nas viagens internacionais – dos atuais R$ 10 mil para US$ 10 mil. O marco cambial também permitiu a negociação de moeda entre pessoas físicas, até o limite de US$ 500 por operação.
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No universo dos investimentos, as mudanças são, principalmente, de ordem burocrática. A tendência é de que facilitem tanto a vida dos investidores quanto das corretoras por meio das quais eles operam nos mercados.
Gama explica que, ao longo de 2022, o Banco Central realizou três consultas públicas junto aos participantes do mercado, coletando insumos para redigir resoluções que regulamentassem os dispositivos da lei. Duas delas – as consultas de número 90 e 91 – já foram finalizadas e deram origem a uma série de resoluções que tratam do funcionamento geral do mercado de câmbio e do capital estrangeiro no País. A terceira consulta, de número 93, foi finalizada no início de dezembro.
De acordo com o executivo, uma das mudanças diz respeito ao volume de documentos e comprovações que precisam ser apresentados por quem deseja realizar uma operação de câmbio – como enviar dinheiro para uma conta internacional para fazer investimentos, por exemplo. Gama explica que, atualmente, as instituições precisam requisitar uma série de documentos que comprovem desde o objetivo real da remessa até a existência de fato de uma conta em outro país.
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“É preciso fazer uma análise da fundamentação econômica de cada operação para registrá-la e classificá-la e então mandar o dinheiro para fora”, afirma. Segundo ele, a partir do novo marco cambial, o processo será mais simples. As resoluções do Banco Central preveem agora que as instituições financeiras possam adotar critérios para classificar cada cliente dentro de um score de risco. Assim, quem se enquadra em um nível de risco considerado baixo poderá realizar a contratação do câmbio sem precisar apresentar toda a documentação a cada operação.
Gama explica que cada instituição adotará uma modelagem própria, a partir dos critérios estabelecidos nas resoluções do Banco Central. E risco, nesse caso, não é apenas análise da capacidade financeira dos clientes. “É uma análise mais ampla. Verificamos, por exemplo, se a pessoa é politicamente exposta, se sofreu algum processo, entre diversas outras variáveis”, diz.
Outra mudança se refere à classificação das operações de câmbio de até US$ 50 mil. Atualmente, quando alguém solicita uma remessa de recursos para o exterior, são as corretoras e os bancos autorizados a operar nesse mercado que precisam classificar a operação conforme a sua finalidade, escolhendo um entre cerca de 200 códigos existentes.
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“Se a instituição classificar a operação com um código errado, pode tomar uma multa de valor equivalente a até 100% da operação”, diz Bruno Balduccini, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados. “O medo delas é de que o cliente minta sobre a finalidade da remessa”.
Isso importa, entre outras razões, por questões tributárias. A alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pode variar segundo a finalidade da operação de câmbio. “Remessas para disponibilidade, por exemplo, pagam 1,1%, enquanto remessas para investimentos são tributadas em 0,38%”, explica Baduccini.
Com a entrada em vigor do novo marco cambial, a responsabilidade pela classificação das operações até US$ 50 mil sairá das mãos das instituições financeiras. Quem escolherá o código em que a remessa será enquadrada será o próprio cliente. Para tanto, o Banco Central resumiu a dez a lista de finalidades possíveis.
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“O arcabouço foi reduzido para que a pessoa física ou jurídica consiga identificar o seu caso com facilidade. O objetivo é permitir que essa operação seja acessível para as pessoas e menos burocrático para as instituições”, diz Gama.
Ainda na linha da desburocratização, o executivo da XP lembra que outra mudança diz respeito aos contratos que hoje são necessários para fechar qualquer operação de câmbio acima de US$ 10 mil. “É um contrato pré-formatado pelo Banco Central que precisa ser assinado para todas as remessas desse valor”, explica.
Segundo ele, o novo marco cambial prevê que, no lugar da assinatura de um contrato, o cliente apenas precise consentir com a operação e que o registro do consentimento seja mantido por dez anos pela instituição financeira. A maneira como o consentimento será recolhido – se por meio de um e-mail ou um formulário específico – será definida por elas. “É uma evolução do mercado para que uma operação de câmbio se torne mais uma transferência, como um Pix, nada mais do que um modelo de pagamento internacional”, diz Gama.
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De modo geral, os especialistas acreditam que os caminhos para que brasileiros invistam no exterior serão facilitados pelo novo marco cambial. Entre outras razões, pela queda da chamada Circular 24 do Banco Central que, conforme explica Balduccini, do Pinheiro Neto, impedia instituições financeiras de aplicar no exterior recursos captados no Brasil. “Com o fim da Circular 24, os bancos brasileiros poderão expressamente sugerir para os clientes investirem lá fora. Até agora, isso tinha de ser feito por meio de filiais ou subsidiárias no exterior”, diz.
Balduccini lembra ainda que, atualmente, para operar no mercado de câmbio, é preciso solicitar uma autorização específica do Banco Central e, naturalmente, o serviço é bastante concentrado nos grandes bancos. “Mas a partir da metade de 2023, as instituições de pagamento [conhecidas como IPs] também poderão operar messe mercado, ampliando muito a competição”, avalia.
Essa série de mudanças, se não terão poder de fogo para mudar os rumos das cotações do dólar e outras moedas no Brasil, poderão provocar uma redução nos spreads – ou seja, a diferença entre o preço pelo qual as instituições financeiras adquirem moeda para o que cobram quando vendem. “O novo marco cambial reduz os custos de observância e aumenta a competitividade, o que acaba sendo melhor para os clientes”, diz Gama, da XP.