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A manutenção dos juros em patamar elevado no Brasil aumentou o custo da dívida das empresas e elevou o percentual de inadimplência entre as companhias. O reflexo disso também pôde ser sentido em fundos que investem em direitos creditórios – os FIDCs, ou fundos de recebíveis.
Levantamento feito pela Uqbar a pedido do InfoMoney mostra que o percentual de ativos vencidos e não pagos em relação ao total nas carteiras de FIDCs passou de 11,6% para 12,8% entre dezembro de 2022 e janeiro deste ano, considerando os fundos do tipo multicedente multissacado.
Esses tipos de fundos são especializados em adquirir duplicatas – títulos representativos de uma transação comercial – em que uma parte vende produtos ou serviços e a outra parte se compromete a pagar dentro de um prazo. Na prática, eles antecipam o pagamento das duplicatas ao fornecedor (cedente) e assumem o risco de crédito do cliente (sacado).
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Na prática, esses FIDCs costumam envolver direitos creditórios de baixo valor e prazo mais curto, de 30 a 60 dias, como explica o analista sênior de informação da Uqbar, Alfredo Marrucho.
“Dentro do multicedente multissacado, há uma das mais importantes formas de financiamento para micro e pequenas empresas fora do sistema bancário. Tende a ser mais barato pegar crédito via FIDCs do que em bancos”, observa Marrucho.
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Proteções aos investidores
O especialista avalia que os indicadores dão uma ideia da conjuntura atual no mercado de crédito, considerada mais complicada. Mas reforça que os dados não necessariamente são negativos para os FIDCs, já que há diversos mecanismos para garantir e reforçar esses créditos, como o fundo de reserva e a subordinação, por exemplo.
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Perdas de crédito são esperadas, especialmente quando se trata de cedentes e sacados de porte pequeno e médio, que são o público-alvo da maioria dos FIDCs do tipo.
Para proteger os investidores, tais fundos dispõem de alguns mecanismos de reforço de crédito, sendo o mais comum deles a subordinação.
Normalmente, o fundo emite diferentes classes de cotas, com níveis distintos de senioridade. Os investidores externos costumam adquirir as cotas sêniores, com prioridade no pagamento. O gestor ou consultor de crédito fica com a cota subordinada, a primeira a ser afetada pelos atrasos ou perdas da carteira de crédito.
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Desse modo, quanto maior a subordinação, maior a segurança para os investidores.
“Os atrasos chegaram a quase 30% de inadimplência na pandemia, mas não conheço FIDC que tenha dado default [calote] por causa da crise sanitária”, diz. “Houve uma época de vacas magras com elevada inadimplência e poucos direitos creditórios originados”.
Os dados do estudo levam em conta números disponíveis nos informes mensais divulgados por fundos que investem em direitos creditórios. “Estamos olhando para uma fração do mercado de crédito brasileiro pela via dos FIDCs. É uma parte crescente, mas ainda pequena considerando todo o mercado”, acrescenta o profissional.
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Provisões para devedores duvidosos
Os dados de provisões para devedores duvidosos (PDD) dentro do setor costumam dar um indicativo de que o nível de preocupação está maior daqui para frente. “Se alguém já me sinaliza que não vai pagar, isso é um indicador sobre o futuro da carteira”, destaca Marrucho.
Segundo o estudo, o percentual de ativos provisionados para devedores duvidosos entre FIDCs multicedentes multissacados cresceu de 7,3% em dezembro para 7,9%, em janeiro.
“Aumentou, mas não chegou ao nível da pandemia, que alcançou mais de 18% em alguns meses”, diz. Durante a crise sanitária, havia uma incerteza sobre mudanças de paradigma econômico, lembra o especialista da Uqbar.
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Agora, diz, a sociedade está se deparando com outro tipo de incerteza, que é menos relacionada à pandemia e mais ligada às condições econômicas e conjunturais no Brasil e no exterior. Ou seja, de aperto monetário e níveis mais elevados de juros.
FIDCs de pessoas jurídicas
A situação também é delicada para os créditos que envolvem pessoas jurídicas. Na prática, os FIDCs podem comprar debêntures e contratos de financiamento, por exemplo, de prazo mais longo.
Segundo o estudo, os atrasos de pagamento em relação ao total da carteira de FIDCs voltados para pessoas jurídicas chegaram a 14,8% em janeiro, contra 14,6% em dezembro.
“Como são carteiras de prazo mais longo, as coisas não acontecem tão rápido. Não vai refletir uma deterioração maior como no caso dos multicedentes multissacados”, pondera o profissional da Uqbar.
Por ser focado em créditos de empresas médias e grandes, a capacidade de pagamento tende a ser maior, reforça Marrucho. O especialista destaca que o percentual de atrasos em relação ao total da carteira estava, em média, próximo de 13% na pandemia e agora está perto de 14%, entre setembro de 2022 e janeiro deste ano.
“Uma hipótese é que a duração da pandemia e a taxa de juros elevada possa ter criado um cenário para deteriorar as condições de pagamento e agora isso está reverberando no mercado”, avalia.
Ele cita o exemplo de algumas varejistas que conseguiram passar pela pandemia e que, agora, com a possibilidade de crescimento mais baixo do País e nível elevado de juros, estão com maior dificuldade para sustentar um percentual menor de atraso nos pagamentos.
Já ao olhar para o percentual provisionado para devedores duvidosos (PDD), é possível ver que houve um leve crescimento com o nível passando de 15,3%, em dezembro de 2022, para 15,4% em janeiro de 2023.
Marrucho explica que, no caso de PDDs de pessoa jurídica, o percentual costuma ser mais elevado do que nos FIDCs multicedente multissacado.
Pegando o exemplo da Americanas, o especialista observa que a companhia não irá deixar de pagar apenas uma debênture e, sim, todo um mercado por trás. “Os administradores são obrigados a se manter alertas”, diz. “Se deixou de pagar [para um FIDC], todos deveriam provisionar”, avalia.
Como há um conjunto menor de médias e grandes empresas no Brasil na comparação com micro e pequenas, o universo de informações é mais disseminado e o nível de provisão tende a ser maior, reforça o especialista.