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A avalanche de notícias negativas sobre empresas como Americanas (AMER3) e Light (LIGT3) nos primeiros meses do ano foi acompanhada por fortes movimentos de resgate e queda expressiva nos retornos dos fundos de renda fixa de crédito privado, que investem em títulos de dívida.
Cerca de três meses após o baque, a rentabilidade de boa parte deles melhorou, embora ainda esteja abaixo da taxa do CDI – indicador de referência para o retorno da renda fixa. É o que mostra um levantamento feito pela plataforma TradeMap a pedido do InfoMoney.
Neste mês, até dia 19, os fundos de renda fixa de crédito privado rendiam 89,25% do CDI, considerando a mediana dos resultados das carteiras. Os dados levam em conta fundos com 100 cotistas ou mais, não exclusivos e que permitem a entrada de todo tipo de investidor.
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Confira a mediana dos retornos mensais dos fundos de renda fixa de crédito privado nos últimos 12 meses:
Mês | Rentabilidade (% ao mês) | Prêmio em relação ao CDI (%) |
abr/22 | 0,9 | 108,45 |
mai/22 | 1,14 | 109,9 |
jun/22 | 1,08 | 106,73 |
jul/22 | 1,09 | 104,98 |
ago/22 | 1,25 | 107,11 |
set/22 | 1,15 | 107,34 |
out/22 | 1,09 | 106,67 |
nov/22 | 1,07 | 104,79 |
dez/22 | 1,18 | 104,96 |
jan/23 | 0,7 | 62,55 |
fev/23 | 0,38 | 41,08 |
mar/23 | 1,03 | 87,56 |
abr/23 | 0,55 | 89,25 |
Fonte: Trademap
Embora o retorno em muitos casos siga abaixo do CDI, há indícios de que o momento de virada está próximo, na avaliação de gestores ouvidos pelo InfoMoney.
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Parte da visão mais construtiva é explicada pela estabilização dos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação ao dos títulos públicos, considerados de baixo risco) oferecidos por debêntures com retorno atrelado ao CDI, observa o sócio-gestor da JGP, Alexandre Muller.
“Entramos nesse platô nos últimos 40 dias. Ainda não dá pra dizer que vai começar uma contração do spread, mas nos deixa mais confiantes de que podemos ter mudado de uma abertura para uma estabilidade”, avalia o executivo. Os spreads médios ponderados se mantiveram em torno de CDI mais 2,85% a 2,90% ao ano nos últimos dias.
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A JGP é uma das gestoras que já observam, inclusive, a volta dos retornos de fundos de crédito para patamares acima da taxa de referência da classe. A visão tem como base números retirados do Idex-CDI – índice desenvolvido pela própria JGP para acompanhar as negociações de debêntures com retorno indexado ao CDI.
A situação tem se mostrado diferente da vista nos meses anteriores. Muller lembra que, assim que foi descoberto o escândalo da Americanas e os problemas com a Light, houve um “pulo” muito rápido dos spreads médios ponderados de debêntures, ou seja, uma subida muito intensa de cerca de 100 pontos-base (1 ponto percentual) entre janeiro e março, com os números saindo de CDI acrescido de 1,86% para algo em torno de CDI mais 2,85% ou 2,90% recentemente.
A razão é que o risco envolvendo a compra de tais dívidas por investidores se tornou muito maior e investidores passaram a pedir mais taxas mais elevadas para alocar nos papéis. Aliado a isso, gestores temerosos com o aumento de resgates nos fundos e a necessidade de fazer caixa se viram obrigados a realizar a venda de vários papéis, o que ajudou a puxar para baixo os preços e a elevar as taxas no mercado secundário.
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Grosso dos resgates já ocorreu?
Além da estabilização dos spreads, outro movimento que ajuda a dar força à ideia de que uma virada se aproxima é a diminuição do volume de resgates dos fundos, defende Marcelo Guterman, especialista em investimentos da Western Asset.
Monitoramento feito pela JGP com fundos de todas as classes que possuem 50% ou mais da carteira em ativos de crédito mostra que a média diária de resgates líquidos neste mês, até dia 20, tinha baixado para R$ 942,60 milhões, contra R$ 1 bilhão por dia em março. Em fevereiro, o valor diário foi de R$ 841,9 milhões.
Considerando os resgates nos fundos de crédito apenas das gestoras independentes (não vinculadas a bancos de varejo), a redução é ainda mais visível. Em abril, os saques líquidos diários somaram R$ 418,18 milhões por dia, em média – abaixo dos números de março (R$ 466,22 milhões) e fevereiro (R$ 452,36 milhões).
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Para o especialista da Western Asset, os números indicam que o “grosso” dos resgates parece ter ficado para trás depois de uma certa “calmaria” de notícias ruins. “Quando o gestor vê que os resgates estão normalizando e já fez uma provisão antes, pode parar de vender títulos. Vender papéis nesses níveis [de preço], só se houver necessidade”, pondera.
A diminuição das vendas de gestores colabora para que os spreads de debêntures e outros títulos parem de subir. Com isso, o chamado “carrego” dos papéis (quanto um ativo de renda fixa gera de rendimentos até o vencimento) passa a trabalhar a favor do fundo, já que as rentabilidades estão elevadas, lembra Guterman.
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Não são apenas os retornos dos papéis que estão altos. Há também mais títulos de dívida de empresas com as melhores classificações de risco de crédito (rating), como AAA, com rentabilidades elevadas – perto de CDI mais 2%, explica o head de crédito da Absolute Investimentos, Paulo Bokel. “Não conseguíamos ver esse patamar de taxa [para esse tipo de emissor] lá atrás”, destaca.
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Com taxas tão elevadas em papéis considerados de menor risco, Bokel conta que tem evitado embarcar em setores mais sensíveis à taxa de juros, como o varejo. “Precisa de renda e envolve o uso do cartão de crédito. Não é o momento para tomar esse risco”.
A mesma postura tem sido adotada pelo gestor de crédito da Legacy Capital, Leonardo Ono. Mesmo com retornos elevados em alguns títulos de dívida de varejistas, beirando CDI mais 5% ao ano, a escolha tem sido por setores resilientes, como as empresas de energia. Algumas delas estão pagando CDI mais 2,5% ao ano. Recentemente, a casa comprou títulos de Cosan (CSAN3), Comerc Energia e Eletrobras (ELET6).
Temporada de balanços e “micro” preocupam
Embora reconheça que há oportunidades no mercado, Ono prefere adotar uma postura mais cautelosa do que as demais casas sobre o comportamento dos spreads e resgates na indústria. “Acho que parou de piorar. Não vejo uma melhora muito grande ainda. Quando ela existir, os fundos vão poder entregar acima do seu carrego”, diz. “Primeiro, precisa parar de ter notícia ruim. Depois, precisa parar de ter resgate”.
Um dos fatores que causam preocupação ao gestor é a chegada da temporada de balanços das empresas brasileiras. Ele explica que o intervalo entre a janela de divulgação dos resultados do quarto trimestre de 2022 e os do primeiro trimestre de 2023 é curta.
Assim como alguns resultados fizeram preço na temporada passada, Ono não descarta a possibilidade de novos abalos agora. Ele cita o caso da Hapvida (HAPV3), que reportou um balanço pior do que o esperado em fevereiro, o que afetou as ações da companhia – e, na sequência, suas debêntures.
“O mercado estará com uma lupa nos balanços. Se vierem piores, poderão fazer preço. Mas acho que será uma análise caso a caso”, pondera Ono.
O aspecto microeconômico também chama atenção. Segundo o gestor, a inflação elevada dificulta o repasse de preços das empresas, o consumidor está mais endividado e o juro está elevado.
Além disso, há uma série de ruídos, como o de que pode ser estabelecido um teto para a taxa de juros do cartão de crédito – uma discussão que, segundo o diretor de regulação financeira do Banco Central, Otávio Damaso, não existe dentro da autoridade monetária.
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Enquanto isso, do lado macro, o gestor reconhece que o arcabouço fiscal tem alguns defeitos, mas acredita que ele deve ser aprovado no Congresso. O executivo também avalia que a atividade teve apenas uma leve desaceleração, mesmo diante de uma taxa de juros bastante elevada, e destaca que o País tem visto uma apreciação cambial mais forte nas últimas semanas.
“O micro tem mais ruído e mais riscos que afetam as empresas do que a fotografia macro”, pondera Ono.
A boa notícia, diz o gestor da Legacy, é que algumas empresas optaram por realizar follow-ons (ofertas subsequentes de ações) para levantar dinheiro novo e diminuir o endividamento.
É caso da Hapvida, que captou mais de R$ 1 bilhão no começo do mês. Na ocasião, a demanda pelos papéis foi forte, o que permitiu que o preço fosse colocado sem desconto em relação ao fechamento do dia anterior à oferta.
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Outro exemplo recente foi o da Dasa (DASA3), que embolsou R$ 1,673 bilhão no caixa em uma oferta subsequente neste mês. Com o dinheiro, a companhia ganhou fôlego para aplacar o custo da dívida e melhorar o perfil de endividamento.
Muller, da JGP, também chama atenção para outro movimento recente de resgate antecipado facultativo de debêntures feito pela Movida (MOVI3), em janeiro deste ano, e pelo Instituto Hermes Pardini (PARD3), agora em abril. Na prática, ao realizar esse tipo de medida, a empresa emissora adquire maior autonomia para gerir o passivo financeiro.
Com o spread mais baixo lá fora, as empresas estão atrás de ganhar mais fôlego por meio de empréstimos em moeda estrangeira concedido por bancos no exterior, afirma o gestor da JGP. “A empresa prefere captar em outros mercados e usar esse recurso para recomprar debêntures porque aqui o spread ainda está muito elevado”, observa Muller.
Mercado primário: volume maior só deve voltar no segundo semestre
A tentativa de buscar dinheiro fora do mercado de capitais não é à toa. O início do ano tem sido de ofertas minguadas no mercado primário. Dados da Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) mostram que as ofertas de debêntures somaram R$ 36,6 bilhões no primeiro trimestre deste ano, o que representa uma queda de 34,5% na comparação com o mesmo período do ano passado.
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“Com esse nível de taxa no [mercado] secundário, as empresas ficam com o pé atrás de fazer uma emissão [no primário]. Se emitem, preferem emissões mais curtas e pequenas, ou optam pelo banco”, alerta. “O que vemos é um mercado que não está voltando”, completa Bokel, da Absolute.
Para ele, como o momento é mais difícil para captar no primário, uma solução encontrada pelas empresas é postergar investimentos.
Ono, da Legacy, vai na mesma linha e reconhece que emissões mensais em grande volume só devem voltar no segundo semestre. Em compensação, o gestor chama atenção para a volta do mercado internacional de bonds (títulos de dívida emitidos por empresas no exterior) após meses fechado.
O executivo da Legacy, porém, lembra que emitir lá fora é bem mais desafiador do que no Brasil, já que é preciso encontrar demanda e a situação é mais difícil quando são nomes menos conhecidos.
Nesse caso, diz Ono, empresas mais ligadas à commodities metálicas, agrícolas e companhias de papel e celulose tendem a sair na frente na comparação com companhias mais ligadas à economia local e em relação a nomes pouco conhecidos.