É hora de vender? O que avaliar para definir o momento certo para se desfazer de um fundo

Gestoras de patrimônio dão pesos mais significativos a fatores qualitativos do que quantitativos ao avaliar a gestão de um fundo

Beatriz Cutait

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SÃO PAULO – Baixa rentabilidade no ano, recomendação de amigos e profissionais, notícias na imprensa, relatórios de mercado. Diferentes fatores levam os investidores a reavaliar suas aplicações. Mas o que realmente faz sentido? Qual é o momento adequado de resgatar o dinheiro aplicado em um fundo?

Diante de um ciclo de mais de três anos e meio de alta da Bolsa, muitos investidores têm ficado mal-acostumados com os altos rendimentos obtidos por alguns dos fundos mais populares do mercado, ainda que carreguem riscos para lá de elevados.

Dentre as carteiras mais rentáveis de 2019, é possível encontrar ganhos acima de 20% em fundos multimercados e de 30% nos de ações até o último dia 23 de agosto, bem acima, portanto, da alta de 11% do Ibovespa e da variação de 4,1% do CDI no mesmo período.

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Quem não tem dinheiro em um fundo desses pode ficar tentado a sacar recursos de outros investimentos e colocá-los nas estrelas dos últimos três ou seis meses. No entanto, será que analisar o retorno passado deveria ser o critério mais importante a ser levado em consideração na decisão?

Na visão das principais gestoras de patrimônio brasileiras, a resposta é negativa. Como diz uma das regras mais básicas do mercado financeiro, rentabilidade passada não é garantia de retorno futuro, e isso vale tanto na hora de escolher um novo fundo quanto no momento de decidir se é melhor resgatar os recursos aplicados no produto.

Um estudo feito pela XP neste ano com um grupo de 15 dos maiores fundos multimercados brasileiros mostrou que o número de estratégias que superam o CDI aumenta conforme o tempo de permanência do investidor. Um exemplo: quando é analisado um período de seis meses, apenas 47% da amostra de fundos do estudo rende 140% do CDI. O percentual aumenta, contudo, para quase 60% quando o tempo de análise sobe para 36 meses.

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Ou seja, os afobados podem perder ciclos mais longos de ganhos – e acabar pagando taxas e impostos mais elevados ao fazer transações de curto prazo.

Com a responsabilidade de gerir recursos milionários (e bilionários) de pessoas físicas, empresas e fundos de pensão, gestoras de patrimônio têm um critério de análise rigoroso para selecionar os ativos que devem compor ou deixar os portfólios de seus clientes.

Em entrevistas ao InfoMoney, casas como Azimut, G5, TAG e Taler, e a XP Advisory, braço de gestão de recursos de terceiros do grupo XP, deixaram claro que dão pesos mais significativos a fatores qualitativos, como os mencionados a seguir:

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Mudança relevante na equipe

A equipe de uma gestora faz enorme diferença no resultado de longo prazo de seus fundos. Por isso, a composição do time, sua experiência no mercado e o tempo de casa estão entre os principais aspectos que devem ser analisados.

Na XP Advisory, desde 2015, foram feitos apenas seis desinvestimentos, conta Guilherme Anversa, sócio e gestor da casa. Desses, cinco foram causados pelo chamado turnover (giro) de equipe, com a saída de pessoas tidas como essenciais para tocar os fundos. “Se há a saída da pessoa principal, já no dia eu desinvisto, mas nada impede de voltarmos a investir no fundo no futuro”, conta.

Michael Gagliardi, sócio da G5 Partners, concorda. “Se teve uma troca relevante na equipe, vende-se primeiro e pergunta-se depois.”

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No passado, casas como a gestora do Safra estiveram no centro das atenções, em meio a sucessivas trocas na equipe, com a saída de Marcio Appel (atual Adam Capital), em 2015, seguido por Fabiano Godoi, que também deixou a instituição em 2018 para fundar a Kairós Capital.

Quebra de mandato

Nem sempre os fundos têm seu dia a dia afetado pela mudança no time. Em alguns casos, os profissionais da casa promovem alterações relevantes nas estratégias, que ficam desalinhadas daquelas defendidas em mandato. Pode ser uma volatilidade diferente ou um risco a ser assumido em tamanho desproporcional, diz Gagliardi.

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Há uma quebra de mandato se o gestor não obedecer a regras presentes na diretriz do fundo, não respeitar limites de exposição máxima por ativo ou setor ou o nível de alavancagem, complementa Alexandre Hishi, responsável pela área de gestão de investimentos da Azimut Brasil Wealth Management. A casa fica atenta a mudanças que podem alterar o rumo dos investimentos.

“Temos um controle de liquidez do fundo para ver se é compatível com a carência de resgate ou se o fundo tem agilidade suficiente para sair de uma posição caso esteja errado”, explica.

A mudança de estilo, de característica do fundo, de uma hora para outra preocupa, assinala Anversa, da XP. Nessa seara, além de volatilidade e risco, fica em xeque a política de “stop de perdas”, isto é, o mecanismo a ser adotado por uma gestora para limitar prejuízos.

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Modelo organizacional

Não basta uma gestora ter uma equipe competente: é preciso que os profissionais estejam de fato envolvidos com o modelo de negócios, comprometidos pessoalmente com o trabalho. Quantos dos gestores são ou viraram sócios da casa, qual a rotatividade da equipe e como funciona o modelo de remuneração estão entre as questões levantadas para analisar o modelo organizacional de uma instituição.

“O investidor pessoa física toma muita decisão baseado na cota, enquanto o profissional olha a cota, mas tem que entender diversas outras coisas. Precisa estar em contato com o gestor, visitar fisicamente para ver se tem algo acontecendo por lá, ver o clima, entender como é a remuneração dos analistas, se tem turnover no time”, destaca Gagliardi, da G5.

Anversa, da XP, diz analisar a estrutura de sociedade das gestoras para saber como cada uma funciona e os respectivos modelos de retenção. “Quero que o coração da empresa tenha o mínimo de alinhamento.”

Retorno do fundo

Até aqui, o foco principal da análise foi qualitativo. Mas qual o peso do (mau) desempenho de um fundo na hora de decidir se é melhor resgatar? E qual deve ser o período mínimo de tempo levado em conta?

Todos os entrevistados enfatizaram que não estão atentos ao curto prazo, mas, sim, a ciclos maiores para a maturação das teses de investimento. Portanto, se seu fundo não está atendendo as expectativas neste ano, não há razão para se desesperar e vendê-lo, a menos que outros eventos, como os mencionados anteriormente, tenham ocorrido. E há diferenças entre os tipos de fundos.

“Quanto maior o risco, maior é o prazo que você deve olhar para o investimento”, diz Hishi, da Azimut. No caso de fundos de ações, a gestora costuma observar a rentabilidade em um período mínimo de três a cinco anos, enquanto, nos multimercados, o intervalo não é inferior a dois anos.

“É na parte quantitativa que pode estar o risco de sair no momento errado do produto, que pode estar com uma performance aquém do esperado porque determinada tese de investimento ainda não se concretizou”, ressalta Hishi.

Os entrevistados inclusive alertam sobre a importância de analisar o desempenho de um fundo por meio de janelas móveis de retorno, não apenas em um calendário fechado a cada ano, olhando para a rentabilidade de 2017, 2018 ou 2019, por exemplo.

No estudo feito neste ano, a XP analisou o comportamento em um período fechado de três anos do fundo Nimitz, da gestora SPX, em janelas móveis diárias desde sua abertura, em dezembro de 2010, até o fim de julho de 2019. Em todas as 2.070 medições feitas ao longo do intervalo mencionado o fundo superou o CDI. O mesmo foi feito para analisar a trajetória do fundo em períodos menores, de um ano, em distintos momentos, também a partir de sua criação. Nesse caso, o Nimitz superou o CDI apenas em 80% das vezes.

Se tivesse analisado isoladamente a trajetória do fundo em 2018, com retorno de 3,7%, ante um CDI de 6,4%, o investidor poderia ter tomado a decisão de se desfazer das cotas. Em 2019, inclusive, o Nimitz acumula ganho acima de 7%.

Otávio Vieira, sócio da Taler, ressalta que é importante distinguir os tipos de fundos analisados. Se for de crédito, por exemplo, é fundamental analisar a carteira e os eventos de crédito para entender o desempenho. “Uma única marcação a mercado é diferente de um evento que maculou o histórico do fundo”, observa.

A gestora ainda costuma comparar a trajetória de fundos multimercados com a de seus pares para tomar decisões. O primeiro corte é feito com base no retorno em 14 meses, que pode levar a uma diminuição da exposição. O segundo, a partir de 24 meses, pode ser mais definitivo e provocar a exclusão do portfólio.

No caso de ações, o período cresce para 24 e 36 meses, nas duas análises. “Às vezes um fundo não está indo muito bem, mas está agregando por estar com uma correlação baixa, por diminuir a volatilidade da carteira”, observa Vieira.

Diversificação como proteção

Todos os gestores ressaltaram a importância da diversificação dos fundos em carteira para amenizar riscos e, por consequência, evitar decisões precipitadas por parte dos investidores. E essa preocupação vale tanto para o número de fundos no portfólio quanto para a correlação entre eles, para que não haja uma superalocação em carteiras com estratégias semelhantes.

“Pensando nos multimercados, gostamos de ter uma carteira de pelo menos quatro ou cinco fundos que não sejam tão correlacionados entre si. Quando olhamos a performance, vemos as árvores individualmente, mas o mais importante é a floresta”, diz Marco Bismarchi, sócio gestor da TAG Investimentos.

Fundamental se atentar ainda para a liquidez dos fundos, que tende a diminuir conforme o risco aumenta, assim como tomar cuidado com um excesso de diversificação, que pode onerar o investidor por conta dos custos e dos impostos cobrados, e diminuir a eficiência da carteira.

Anversa, da XP, recomenda ao investidor fazer uma análise de rebalanceamento do portfólio pelo menos uma vez por ano, mas enfatiza: “Não tome decisões baseado na rentabilidade.”

Para evitar erros, é recomendável ao investidor pessoa física, que dispõe de menos tempo, conhecimento e acesso a informações que os profissionais, ficar de olho nas cartas divulgadas pelos gestores do fundos, nos dados disponíveis em seus sites, nos canais de comunicações estabelecidos via redes sociais e nas notícias divulgadas por meio da imprensa.

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Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.