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O mundo de pouca inflação e com juros baixos que prevaleceu na última década foi propício para que empresas de tecnologia nascessem e levantassem muitos recursos no mercado de capitais. Agora que elas chegaram às bolsas, no entanto, o que se vê é um descasamento entre expectativas e realidade.
Para Alexandre Sant’Anna, gestor de ações da ARX Investimentos, as empresas de tecnologia aproveitaram enquanto puderam o ambiente de liquidez global elevada. “Mas agora, com a taxa de juros no Brasil em dois dígitos e subindo lá fora, a exigência passa a ser de geração de caixa, pagamento de dividendos ou recompras de ações”, disse em entrevista ao InfoMoney.
Os investidores, segundo Sant’Anna, querem retorno rápido, porque o custo de oportunidade é alto – ao passo que a tese de investimento das novas empresas de tecnologia é de muito longo prazo.
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Nos últimos dias, empresas do segmento ficaram em evidência no mercado em função da perda de valor de suas ações diante da nova conjuntura da economia global. Para o gestor da ARX, a situação não deve mudar pelo menos nos próximos dois anos.
Na sua visão, o cenário mais provável é de que as novas empresas se consolidem entre si, sejam adquiridas por outras companhias com os quais haja sinergias possíveis ou fechem o capital. “Não temos investimento nessas empresas de tecnologia hoje por isso. Preferimos nos concentrar no que é economia real, value, que gera caixa e está descontado também”, afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista:
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InfoMoney: Quais são os principais aspectos que a ARX observa atualmente no cenário para Bolsa?
Alexandre Sant’Anna: O que temos observado nesse ano foi um início muito marcado pelo fluxo de estrangeiro, correndo mais para essa parte temática. A ideia é a prevalência de commodities na Bolsa brasileira, que atraiu o estrangeiro, já que esse tipo de tema, além de proteger contra inflação, também envolve a questão da guerra entre Rússia e Ucrânia, que gerou uma ruptura na oferta.
Se pegar as bolsas mundiais, no passado tinha associação de países emergentes com commodities. Só que hoje, os principais índices emergentes são dominados por ações asiáticas de tecnologia. O que sobrou com participação de commodities relevante foi Rússia, África do Sul e Brasil – que, como tem mais liquidez, atraiu o fluxo.
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Estamos numa espécie de divisor de águas nesses últimos dois anos. Houve uma aceleração da corrida para fintechs, para o e-commerce e as startups, com muitos recursos alocados. Houve muitas aberturas de capital nesse segmento, pois havia um mundo de taxas de juros muito baixas, liquidez abundante, sem inflação, em que o interesse estava no que era disruptivo.
Agora estamos passando para um ambiente em que a inflação no mundo desenvolvido é a mais alta dos últimos 40 anos, em que as taxas de juros começam a ter importância, em que os bancos centrais mais relevantes estão atrasados no processo de normalização das suas políticas monetárias, de modo geral, e em que todos sabem que os BCs precisarão se desfazer dos seus balanços, que foram muito expandidos.
Quais são as consequências disso?
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Isso gera um reequilíbrio em que o dinheiro começa a ter valor, as empresas que têm geração de caixa e retorno começam a ser as mais relevantes e a inflação, além de ter impacto na renda da população, tem também nas empresas. Tentativas de repasse não são automáticas.
Dentro desse cenário que já é bem difícil e incerto, ainda temos uma guerra. Temos ideia do impacto estrutural sobre commodities e o banimento da Rússia do mundo financeiro, mas não temos ideia de como isso vai escalar. E como ponta do iceberg, há a política de “Covid zero” da China. Em tese, conhecemos repertório, dado que o país fez o mesmo recentemente, só que nesse interim afeta as cadeias de produção.
Olhamos para a Bolsa brasileira hoje com algumas ações e setores apresentando bastante interesse. O Brasil já estava bem descontado em relação ao mundo, e com a queda recente, esse desconto ainda existe. Achamos que algumas ações e setores, olhando para horizonte mais longo, apresentarão bons retornos.
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Que ações e setores, e em que horizonte de tempo?
Pelo menos dois anos. O novo ponto de equilíbrio vai levar um tempo a acontecer. Haverá uma mudança de preço relativo muito grande, mas nesse horizonte achamos interessantes os setores de commodities, como siderurgia, mineração e petróleo; de bancos, focados nos incumbentes; de saúde; e o setor elétrico. Toda essa economia real, por estar tão descontada, oferece boas perspectivas.
Em outros países, empresas de tecnologia ganharam espaço nos índices de ações. No Brasil, os setores tradicionais permanecem dominantes no Ibovespa. Por quê?
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A Bolsa não reflete de maneira correta o PIB. O Brasil é pujante em novas empresas de tecnologia, no agronegócio, mas esses dois setores não têm um peso tão grande na Bolsa.
A nova onda de aberturas de capital do ano passado incluiu muitas empresas desses setores, mas é um fenômeno muito recente. Elas aproveitaram o ambiente de liquidez elevada, mas agora, com a taxa de juros aqui em dois dígitos e subindo lá fora, a exigência passa a ser de geração de caixa, pagamento de dividendos ou recompras de ações. É retorno mais rápido, porque o custo de oportunidade é alto – enquanto a tese de investimento dessas novas empresas é de muito longo prazo. Houve um descasamento entre o período que foi propício para que elas aparecessem no mercado e o ambiente de juros mudando.
Mas o índice é mutável. Em 2001 e 2002, 45% do Ibovespa era composto por empresas de telecomunicações. Em 2014 e 2015, bancos representavam quase 40%. Commodities tinham caído para menos de 20%. O índice se reequilibrou. Mas como as grandes empresas são consolidadas, em alguns casos oligopólios ou quase monopólios, elas têm uma participação relevante mesmo.
Empresas de IPOs recentes estão em evidência nos últimos dias, pela desvalorização das ações. Se os setores tradicionais têm oportunidades, o que se pode esperar desse outro grupo de empresas?
O cenário mais provável é de que ou se consolidem, com junções entre elas justamente porque o valor de mercado estará tão abaixo do que os acionistas imaginavam que a consolidação passará a ser vista como um caminho interessante; ou fechem o capital; ou sejam adquiridas por outros negócios com os quais haja sinergia. Um exemplo é Itaú e Totvs [o banco anunciou em abril a aquisição de 50% do braço de techfin da empresa de tecnologia].
Esses são os movimentos mais esperados. Com custo de oportunidade que vai continuar alto pelo menos pelos próximos dois anos, a situação fica muito difícil para as empresas que só vão gerar caixa lá na frente, e que precisam reinvestir todo o caixa gerado. O retorno do acionista é algo muito distante, se acontecer. É difícil que tenham um fluxo de investidores interessados.
Não temos investimento nessas empresas de tecnologia hoje por isso. Preferimos nos concentrar no que é economia real, value, que gera caixa e está descontado também. É mais simples fazer a conta do valuation dessas empresas. Basicamente, é produção e preço do que elas produzem.
Chegaram a entrar nos IPOs? Compraram ações de empresas de tecnologia?
Muito esporadicamente, um caso ou outro. E também muito rapidamente. Na estratégia de ações, não vamos investir por ora.
Houve uma reversão do fluxo estrangeiro para a B3 em abril. O brilho acabou?
Parece que secou. Como tem ambiente de mudanças de juros lá fora e resquícios de outros fenômenos que complicam o cenário, como a guerra e a Covid na China, o investidor está mais cauteloso e migrando para ativos mais conservadores lá fora.
A não ser que o tema commodities volte muito rápido. Por exemplo, com a China estimulando a economia via formação bruta de capital fixo, com os setores de construção e infraestrutura impulsionando a demanda por commodities imediatamente. Pode ser que o fluxo retorne.
Mas vendo que os bancos centrais americano e europeu estão atrás da curva, tendo de referendar o que o mercado precifica de juros, o investidor vai ficar mais comedido e receoso. Pois a inflação está se mostrando bem mais elevada e sistemática do que o projetado.
E mesmo sem esse fluxo, as oportunidades se mantêm?
Sim. Não é que o fluxo não vai voltar nunca. Mas nos próximos seis meses, o investidor estará mais receoso, está esperando para ver qual é o cenário mais provável de reequilíbrio.
Qual é a visão da ARX para o câmbio?
Somos mais otimistas com câmbio. Por achar que os preços das commodities mudaram de patamar, acreditamos que o Brasil se beneficia disso e, de maneira geral, vai ter entrada de dólares, como está ocorrendo. Apesar de os juros subirem lá fora, o diferencial para a Selic é muito grande. Aqui, o investidor estrangeiro de renda fixa observa um país exportador, com juros muito altos e em que, mal ou bem, os contratos são respeitados.
Por isso, existe a chance de o real ficar mais apreciado, mesmo em um ambiente em que o banco central americano sobe os juros. A projeção do nosso time de macroeconomia para dólar é de R$ 5, mas minha visão é mais otimista, abaixo de R$ 5.
O cenário eleitoral no Brasil perdeu relevância diante dos desafios globais?
O fator global se tornou preponderante. E mal ou bem, como o cenário se resumiu basicamente ao Bolsonaro contra o Lula, são dois candidatos conhecidos, o que reduz a chance de alguma surpresa. Por isso não se fala muito nas eleições. Se tivesse uma terceira via crescendo, teríamos de entender as propostas do candidato, sua linha para a economia, sua equipe.
Outra coisa que reduz o impacto da eleição é que hoje em dia as condições são muito diferentes. Por exemplo, o Congresso tem muito mais autonomia com o orçamento impositivo, o presidente do BC vai ser o mesmo para os dois candidatos por causa da independência do Banco Central, a lei das estatais de 2016 segurou a questão de controle sobre a gestão das estatais, o BNDES não tem mais o balanço que tinha no passado. Lógico que a eleição tem impacto e quem ganhar terá um efeito, mas tudo isso reduz os desvios de potenciais políticas, pelo menos nos primeiros anos.
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