SÃO PAULO – O ano era 2009. O sonho era grande e os esforços de popularização, contínuos. Não à toa, o então presidente da BM&FBovespa (atual B3), Edemir Pinto, traçou como meta a ousada marca dos 5 milhões de pessoas físicas investindo na Bolsa até 2014, o que representaria um crescimento de nada menos que dez vezes em relação à base da época.
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Dez anos depois, entre grandes acontecimentos políticos e econômicos que chacoalharam o mercado financeiro e o Brasil como um todo, a Bolsa está prestes a comemorar neste mês o simbólico primeiro milhão de CPFs. Longe da meta de Edemir Pinto, mas um avanço representativo para um investimento que ainda passa longe do dia a dia da maior parte dos brasileiros.
Isso porque o brasileiro, que já passou por períodos de inflação galopante, confisco da poupança e conviveu ao longo de muito tempo com taxas de juros extremamente altas, ainda prefere segurança à rentabilidade na hora de investir.
A caderneta de poupança segue, de longe, como o produto preferido dos investidores, mesmo rendendo atualmente apenas 70% da Selic mais TR (Taxa Referencial), que tem sido praticamente igual a zero nos últimos meses). Na prática, a poupança perde de outros produtos conservadores de renda fixa, mas continua reinando na escolha dos brasileiros por inércia, preguiça e/ou simplicidade.
O quadro, contudo, tem sido positivo para o mercado de ações nos últimos anos, o que despertou o interesse de uma fatia mais expressiva dos investidores pela Bolsa. A valorização da ordem de 40% do Ibovespa em 2016 acendeu um alerta para as pessoas físicas e gerou um aumento de 55 mil CPFs cadastrados na Bolsa no ano seguinte.
Com novas altas do mercado acionário em 2017 (27%) e em 2018 (15%), a base de acionistas pessoas físicas seguiu crescendo, com um aumento de 194 mil investidores no ano passado e de aproximadamente 170 mil pessoas apenas no primeiro trimestre de 2019.
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Em 10 anos, o número de investidores pessoa física na Bolsa praticamente dobrou, ao passar de 552 mil para 1 milhão de pessoas. O número de empresas listadas caiu de 385 para 336, de 2009 para 2019, mas o valor de mercado das companhias triplicou, de R$ 1,3 trilhão para R$ 3,9 trilhões.
Além dos juros mais baixos como pano de fundo para o maior interesse de investidores pela Bolsa, William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos e Finanças da Fundação Getúlio Vargas, assinala que as altas consecutivas do Ibovespa nos últimos três anos também contribuem para a maior atratividade do mercado. “O brasileiro pega carona no teleférico. Quando ele sobe, corre para pegar carona”, diz.
Desde 2016, o Ibovespa tem se apreciado. E apesar de a cena política estar tumultuando o mercado neste ano, o índice bateu a marca dos 100 mil pontos em 18 de março. Nesses quase três anos e meio, a valorização da Bolsa se aproxima dos 60%.
Ainda somos poucos
Embora a marca seja digna de comemoração, o número de pessoas físicas investindo diretamente na Bolsa (para além dos fundos de investimento) ainda é bastante tímido e menor, inclusive, que o registro de 1 milhão. Isso porque a Bolsa considera na contagem os CPFs cadastrados em cada agente de custódia e, portanto, pode contabilizar o mesmo investidor caso ele tenha conta em mais de um corretora.
Na comparação com outros países, o baixo apelo da Bolsa entre as pessoas físicas fica ainda mais evidente. Nos Estados Unidos, considerados referência no mercado de capitais (e com uma população de 327 milhões de pessoas), ao menos 52% das famílias investem em ações direta e indiretamente, segundo dados do Fed, o banco central dos Estados Unidos, de 2016.
Para Eid Júnior, a participação de brasileiros na Bolsa ainda é ínfima, o que está diretamente vinculado à condição econômica da população. Isso porque, antes de rentabilidade ou acúmulo de capital, a prioridade é pagar as contas no fim do mês.
“Para os que têm outros objetivos, o caminho permanece o da renda fixa; a Bolsa está na pontinha, na categoria ‘busca por oportunidades’”, diz. O coordenador da FGV explica que, diferentemente do Brasil, em países com bolsas desenvolvidas, casos dos EUA, do Japão, da Austrália e da Inglaterra, a renda variável está diluída nas diversas camadas.
“No Brasil, quando os pais pensam em juntar dinheiro para os filhos, o primeiro pensamento está na renda fixa – o contrário do que acontece em outros países, como os EUA, por exemplo, em que os pais já montam carteiras de ações para os filhos”, afirma.
Eid Júnior avalia que não é apenas na quantidade de investidores que o Brasil precisa melhorar: é fundamental transformar a mentalidade da população. “No Brasil, a média dos investidores compra ações entre o meio e o fim de um movimento de alta, amarga o prejuízo e vende na baixa [da ação] – e isso está errado”, diz.
Para Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes Brasil da B3, comparar a bolsa brasileira com mercados estrangeiros é difícil, pois os mercados enfrentam realidades distintas, especialmente no que tange ao nosso longo período de taxas de juros elevadas. Por aqui, o primeiro investimento do brasileiro sempre foi direcionado à renda fixa, o inverso do que ocorre no exterior, aponta.
Paiva assinala que, antes de comprar ações, o brasileiro que deixa a poupança direciona seus investimentos para o Tesouro Direto, plataforma do governo federal que possibilita a negociação de títulos públicos pela internet. “O produto é atrativo por ser do governo, além de ter facilidade e liquidez diária”, diz.
Nos últimos 12 meses (até março), o programa teve um aumento de 61% no número de investidores ativos, chegando perto de 950 mil pessoas – outra marca que deve alcançar seu primeiro milhão no fim deste mês, afirma Paiva.
Por que é cedo para comemorar
O coordenador da FGV destaca que o mercado de ações brasileiro ainda tem muito espaço para crescer e elenca alguns dos passos que devem ser prioritários para esse movimento deslanchar de vez.
“Precisamos aumentar o número de empresas, mas ainda temos muita dificuldade em atraí-las; educar o investidor para fazer a aplicação correta, sair da poupança e investir em fundos bem diversificados; melhorar a fiscalização das empresas e começar um novo ciclo com a bolsa superando a renda fixa”, afirma.
Guilherme Sampaio, diretor de transações corporativas e líder de IPO da Ernst & Young, assinala que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ainda tem um papel muito relevante na concessão de crédito no Brasil e, com isso, a maioria das empresas ainda não vê a Bolsa como fonte principal para captação de recursos.
Entre as iniciativas que faltam para a expansão do mercado de capitais brasileiro, Sampaio cita a necessidade de retomada de crescimento do país e destaca a importância de “negócios inovadores”, como os unicórnios, que atraem atenção dos investidores para os ativos brasileiros e deixam o nosso mercado mais relevante.
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