Bitcoin vira para alta após fala de Powell; para analistas, tese dos ciclos da criptomoeda está intacto

No curto e médio prazo, porém, especialistas apontam que moeda digital deverá ter poucas movimentações por conta da falta de perspectiva de corte nos juros

Paulo Alves

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Após reagir negativamente de início, o Bitcoin (BTC) virou para alta no início da noite desta quarta-feira (3), após declarações de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).

Às 18h23, a moeda digital era cotada a cerca de US$ 28.800, em alta de cerca de 1% nas últimas 24 horas. Segunda maior cripto do mercado, o Ethereum (ETH) avançava na mesma proporção, a US$ 1.870, e o mercado cripto como um todo operava em estabilidade, com valor de US$ 1,23 trilhão.

Após reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), o Fed decidiu aplicar nova alta de 0,25 ponto percentual na taxa de juros dos EUA, conforme amplamente previsto por analistas. O discurso de Powell, porém, foi recebido de maneira mista por analistas, que pontuaram falas indicando que os juros devem se manter altos por mais tempo, porém possivelmente já alcançaram o teto.

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“O Fomc deixou as portas abertas para as próximas decisões, embora pensemos que há uma clara intenção de pausa”, avaliam os analistas da XP Investimentos. A casa ressaltou indicações de Powell de que cortes não seriam apropriados para este anos se a projeção de inflação estiver correta.

Para a XP Investimentos, a declaração reflete uma clara intenção do Fomc de interromper o ciclo de aperto, embora de forma não comprometedora, permitindo ao comitês avaliar as informações recebidas.

“Mais uma vez, a declaração tentou aliviar as preocupações em relação a uma crise financeira sistemática, reforçando que o sistema bancário é ‘sólido e resiliente’. No futuro, acreditamos que o Fed equilibrará o risco de uma possível crise de crédito em meio à recente turbulência bancária com fontes de pressões inflacionárias”, diz em relatório.

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Alternativa ao sistema financeiro?

Por enquanto, analistas de cripto enxergam que as declarações de Powell podem tirar o peso da narrativa em torno do Bitcoin como alternativa ao eventual colapso bancário nos EUA — nos últimos meses, a criptomoeda subiu na esteira de notícias sobre problemas com bancos regionais no país.

“O discurso do Jerome Powell demonstrou que a preocupação maior é em conter a inflação. Ele foi exaustivo em falar que a meta é chegar em 2% e que não vão medir esforços. Isso, para o mercado de criptoativos, é um pé no freio”, opina Luiz Pedro Andrade, analista de criptoativos da Nord Research. “A gente viu a retomada do mercado neste ano com a narrativa do Bitcoin como alternativa à possível quebra do sistema bancário nos EUA, mas o Jerome Powell tirou isso um pouco do radar.

Segundo o analista, as declarações do presidente do Fed também desestimulam o investidor institucional de fazer aportes dada a indicação de juros altos por mais tempo. “Isso desenha um cenário de médio prazo mais estagnado, poucas grandes movimentações de preço vindas de institucionais dos EUA, a tendência é essa”.

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José Artur Ribeiro, economista e CEO da corretora de criptoativos Coinext, concorda. “Fundos de investimentos estão direcionando os recursos todos para renda fixa, e não acho que vão tirar tão cedo. A tendência é não vermos variações tão expressivas para cima no preço do Bitcoin enquanto a gente não voltar para patamares menores de juros”.

Apesar da insistência de Powell, a aposta dos analistas de criptomoedas é de que os problemas bancários nos EUA não irão cessar, e que o foco do Fed em convergir a inflação para a meta de 2% irá desencadear mais colapsos como os vistos até aqui, como o do First Republic Bank  — o que poderia continuar a favorecer o Bitcoin.

Mesmo sem perspectiva de corte de juros, a tese de longo prazo da criptomoeda seria reforçada. “As duas teses se coadunam porque os juros são de curtíssimo prazo, e a tese do Bitcoin como ativo de proteção e algo mais antifrágil é a longo prazo”, explica Helena Margarido, analista de criptoativos da Monett e COO da Kodo Assets. “O ouro é antifrágil [apenas] no longo prazo”.

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Ciclo “intacto”

Os juros altos até possivelmente 2024 conflitariam com a expectativa de disparada do Bitcoin por conta da narrativa em torno do halving, o corte programado na emissão do criptoativo, previsto para ocorrer dentro de um ano, e que é apontado como grande catalisador das altas da moeda digital nos últimos anos.

Na avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, o ciclo da criptomoeda não deverá ser afetado mesmo em um ambiente de juros altos.

“[O evento do halving] é muito intenso no mercado cripto”, relembra Ribeiro, da Coinext. “Quando começarmos a chegar perto dele, faltando sete ou oito meses, as expectativas começam a aumentar naturalmente. Isso acontece também no mercado dos mineradores, que param de vender e passam a acumular mais”, explica.

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Margarido, da Monett e Kodo Assets, tem avaliação similar. “O custo da mineração está em cerca de US$ 25 mil. O Bitcoin ficou descontado por muito tempo no ano passado, por conta da migração do investidor de risco para a renda fixa americana”, diz.

Helena também é da opinião de que, mesmo sem corte de juros, o ponto de virada do investidor está cada vez mais perto, e a narrativa em torno do halving deverá contribuir. “Os juros têm limite para subir, e está muito próximo desse limite, enquanto a tese dos ciclos do Bitcoin permanece intacta”.

Investidor ainda está cauteloso

As projeções positivas no longo prazo ainda não foram suficientes para trazer de volta o investidor, que vem desfazendo posições em cripto, ao menos nos mercados regulados. No primeiro trimestre do ano, nem o retorno de 70% do Bitcoin fez os investidores recuperarem o apetite para alocar em produtos com exposição a criptoativos.

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Segundo levantamento realizado pela Economatica a pedido do InfoMoney, a captação líquida de fundos de investimento e fundos de índice (ETFs) que investem em criptos foi majoritariamente negativa nos primeiros meses do ano. Em dezembro de 2022, os 20 fundos e ETFs que mais perderam dinheiro registraram captação líquida combinada de quase R$ 100 milhões negativos.

As perdas dispararam para praticamente R$ 140 milhões no mês seguinte, mesmo com o início da alta do Bitcoin. O movimento voltou a arrefecer em fevereiro, justamente quando a subida do BTC esfriou, mas deslanchou na sequência. Quando o Bitcoin chegou ao fim de março como o melhor ativo do mundo no trimestre em termos de retorno, os produtos de investimento no Brasil registraram perda líquida superior a R$ 108 milhões.

Para alguns analistas, investidores podem ter enxergado uma oportunidade de saída com a alta do BTC em 2023.

Por outro lado, o mercado não regulado, representado pelas exchanges de criptomoedas, viu movimento contrário. Em março, a entrada líquida de stablecoins nessas plataformas atingiu US$ 6,77 bilhões, seu maior nível desde maio de 2022, pouco antes do mercado iniciar sua derrocada.

Brasileiros também vêm comprando mais criptomoedas. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a importação de criptoativos alcançou US$ 1,4 bilhão nos primeiros dois meses deste ano, montante 40% superior ao registrado no mesmo período do ano passado.

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Paulo Alves

Editor de Criptomoedas