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Os fundadores do KaBuM!, os irmãos Leandro e Thiago Ramos, decidiram vir a público para explicar a disputa que travam contra o Magazine Luiza (MGLU3) e o Itaú BBA por conta da venda do e-commerce à empresa dos Trajano em 2021 e que deve levar a uma longa batalha judicial.
O valor pago pela varejista pelo KaBuM!, na operação anunciada há quase dois anos, é o foco da disputa: mais precisamente a fatia paga em ações, que passaram por uma desvalorização de 65% entre o anúncio e a conclusão do pagamento pelo negócio. Com a queda no preço do papel, o valor que deveria somar R$ 3,5 bilhões passou a valer pouco mais de R$ 1,3 bilhão. Eles também questionam judicialmente a atuação do Itaú BBA como assessor financeiro dos Ramos no processo e a demissão por justa causa que sofreram do Magalu em abril, onde ocupavam funções executivas.
Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, a primeira desde o início da crise, Leandro e Thiago, sinalizam não ter inicialmente a intenção de desfazer o M&A, embora considerem “todas as cartas na mesa”. A proposta de que o negócio fosse desfeito chegou a ser feita em novembro de 2021 pelos Trajano em uma reunião em que os irmãos já mostravam descontentamento com a queda nas ações – Leandro e Thiago recusaram a ideia.
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Os irmãos Ramos dizem que seu objetivo principal é o de receber os R$ 3,5 bilhões que foram acordados na celebração do negócio. E afirmam que vão dedicar todo o tempo que têm nos tribunais contra o Itaú BBA e o Magazine Luiza. “Queremos a recomposição total do valor da transação e a indenização de tudo que nos fizeram”, diz Leandro.
Procurada, a varejista Magalu preferiu não comentar o caso.
Apesar do embate judicial, Leandro e Thiago, hoje os maiores acionistas pessoa física do Magalu depois de Luiza Helena Trajano, dizem que irão torcer para que o KaBuM! ajude a varejista a voltar a ter lucro. Mas decidiram falar porque ficaram incomodados com declarações feitas por Julio Trajano, novo CEO do e-commerce, em entrevista publicada pelo InfoMoney na semana passada, atribuindo à nova gestão o crescimento de 32% nas vendas em maio e ampliação de novos clientes.
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“Maio é o mês da nossa promoção tradicional de aniversário, que nossa equipe leva meses para organizar. Essa era especial por ser nosso 20º aniversário. Se a reportagem diz que ele deu como ‘cartão de visita’ um resultado positivo, eu digo que foi a equipe do KaBuM! que deu um ‘cartão de boas-vindas’ a ele”, critica Leandro. “Fomos os únicos a dar lucro no grupo em 2022. “Se fala de não transformar o KaBuM! em um ‘mini Magalu’, mas nós queríamos transformar o Magalu em um grande KaBuM!”, acrescenta.
No ano passado, o KaBuM! obteve receita de R$ 4 bilhões, com lucro líquido de R$ 180 milhões. No mesmo período, o Magazine Luiza faturou R$ 37,3 bilhões, com prejuízo líquido de R$ 499 milhões.
A compra do KaBuM! pelo Magalu, anunciada em 15 de julho de 2021, envolveu o pagamento de R$ 1 bilhão em dinheiro e mais 125 milhões de ações, sendo 75 milhões a partir do fechamento do negócio e outros 50 milhões em janeiro de 2024. Para chegar ao valor desejado, de R$ 3,5 bilhões, os papéis precisariam permanecer perto de R$ 28,00, a máxima histórica do papel. Ou, sob a lógica de recomposição de ações com a cotação da época, a dupla teria que receber 438 milhões de ações MGLU3, ou 15,1% do free float.
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Uma semana após a compra do KaBuM!, em 22 de julho de 2021, o Magazine Luiza finalizou uma operação de follow-on, por meio da qual levantou R$ 3,9 bilhões ao caixa, ao preço de R$ 22,75 por ação. E, em novembro, quando o closing da operação seria assinado, o papel já havia caído 65%, para R$ 7,99, derrubando para menos da metade o valor do pagamento a ser realizado pela Magalu. “Nós combinamos um valor nominal. Não importava se fosse pago em ações, ienes ou dólar. O que pedimos era para receber a mesma coisa”, alega Thiago.
O risco de oscilação das ações da Magalu estava implícito no negócio, e para os dois lados envolvidos. O papel tanto poderia cair como poderia continuar renovando suas máximas, como se via naquele período de forte euforia do mercado financeiro. No processo movido pelos irmãos contra o Itaú BBA, o banco anexou como prova conversas em que Leandro e Thiago expressam confiança de que a ação da Magalu poderia chegar a R$ 40,00. O que se viu, no entanto, foi uma derrocada do mercado de ações, em grande medida pelo ciclo de aperto monetário, com efeitos mais intensos sobre o setor de varejo.
Esse otimismo com a evolução do preço da ação poderia ter levado, inclusive, a um resultado ainda mais negativo para os irmãos: segundo informações obtidas pelo InfoMoney, os fundadores do KaBuM! teriam solicitado ao alto comando do Magalu, após celebrada a venda, que todo o pagamento fosse feito em ações. Leandro afirma que a consulta serviu apenas para “fins tributários” do pagamento.
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“Quando da assinatura dos contratos os antigos acionistas do Kabum estavam plenamente cientes dos riscos associados à variação do preço das ações em Bolsa, que poderia afetar a parcela em ações estabelecidas no negócio – todas as propostas recebidas no processo continham parcela em ações”, diz o Itaú BBA, em nota.
Com a forte queda das ações do Magalu, os irmãos emitiram sinais ao Itaú BBA de que desejariam receber mais papéis para recompor o valor inicial, o que foi negado pelo Magazine Luiza. Sabendo da insatisfação de Leandro e Thiago, a presidente do conselho do Magalu, Luiza Helena Trajano, teria proposto desfazer o negócio, o que acabou não ocorrendo.
Banco é questionado
O Itaú BBA era o assessor financeiro de Thiago e Leandro na negociação do M&A. E é acusado hoje de conflito de interesses, por ser também o coordenador líder do follow-on do Magalu. “Tivemos um dissabor muito grande com o que tinha acontecido. E o negócio começou a se mostrar diferente do combinado”, diz Leandro Ramos. Ele cita uma postagem feita à época pelo Itaú BBA em uma rede social celebrando o M&A e a oferta subsequente de ações do Magazine Luiza. A arte diz “Magalu, KaBuM e Itaú BBA. Barba, cabelo e bigode”, o que foi interpretado pelos irmãos como uma indicação de que houve uma operação “casada”.
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Leandro alega que o diretor do BBA, Ubiratan Machado, teria privilegiado o Magalu durante o processo competitivo por ser cunhado de Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza e que também é conselheiro do Itaú. Na visão de Leandro e Thiago, essa relação próxima teria enviesado o processo competitivo, tanto pela relação pessoal, como pela possibilidade de o BBA poder liderar o M&A e o follow-on.
“Após a venda, soubemos que o BBA não abriu conversa com a Havan e nem havia passado as datas corretas de envio de propostas para a Via ([ativo=VIAA3]), para que o Magalu pudesse colocar sua proposta na frente. Houve um momento em que isso nos causou tanto incômodo que nós decidimos abrir investigações para entender a venda”.
Nas provas anexadas pelo Itaú BBA à Justiça, no entanto, há mensagens supostamente enviadas por Leandro e Thiago demonstrando conhecimento sobre a proposta da Havan. No entanto, os irmãos alegam que o próprio CEO da Havan, Luciano Hang, confirmou a eles que o BBA teria dito expressamente que o processo estava encerrado em uma data em que a venda não havia sido concretizada para o Magalu.
Em outro trecho enviado pelo banco à Justiça, Leandro teria pedido a atuação de Ubiratan Machado junto ao Magazine Luiza por “conhecer bem o Magalu”. “Vale lembrar que Ubiratan é o profissional mais sênior da divisão de M&A do Itaú BBA da América Latina e, portanto, é esperado que ele tenha contato com grandes empresas”, dizem os irmãos, que reafirmam que não sabiam da relação pessoal entre Machado e Trajano.
Sobre o follow-on, uma fonte ouvida pelo InfoMoney lembra que nem Itaú BBA, nem Magalu poderiam informar aos irmãos de que a oferta subsequente da varejista estava em curso. “Isso seria contra as regras de mercado, ninguém pode ter uma informação privilegiada dessas e isso poderia criar um grande problema”. A estruturação da oferta subsequente contou com a participação de outros nove bancos, que teriam recebido remuneração similar à do Itaú BBA.
Os irmãos pedem na Justiça a produção antecipada de provas contra o Itaú BBA. Eles chegaram a obter uma decisão favorável, mas o BBA recorreu e conseguiu evitar o recolhimento das mensagens de executivos durante o processo competitivo. Nas próximas semanas, uma arbitragem entre a dupla e o banco será feita para definir o rumo do processo.
“Todos os potenciais compradores tiveram ampla e equânime oportunidade de análise do negócio e envio de propostas, sendo que cinco desses potenciais compradores efetivamente enviaram propostas pela companhia”, acrescenta o banco.
Sobre o suposto conflito de interesse e um possível privilégio ao Magazine Luiza, o Itaú BBA afirma que a venda do KaBuM! ao Magalu foi concluída “após um processo competitivo, diligente e transparente” que levou mais de 18 meses e para o qual “foram convidados mais de 20 potenciais compradores nacionais e estrangeiros”. E acrescenta que a participação de Frederico Trajano no conselho do Itaú, bem como parceria entre a instituição e o Magalu “são fatos públicos e notórios”, ou seja, de conhecimento geral.
Demissão
Até o fim de janeiro de 2023, a relação entre Leandro e Thiago Ramos com o Frederico Trajano era cordial, com direito a um grupo de WhatsApp. Nele, discutiam assuntos do dia-a-dia do KaBuM! e, em uma das últimas conversas, em 27 de janeiro, estava combinado um encontro para debater o planejamento para 2023.
Entretanto, no fim de janeiro, a dupla ingressou oficialmente na Justiça contra o Itaú BBA. Cerca de um mês depois, os irmãos tiveram seus contratos de trabalho com o Magalu suspensos. Ato contínuo, oito diretores e as duas secretárias particulares dos fundadores foram demitidos.
Em abril, o Magalu demitiu Leandro e Thiago por justa causa por supostamente estarem trabalhando em um negócio concorrente e outras irregularidades, inclusive uma ausência prolongada dos executivos das atividades da companhia. O antigo CEO da Netshoes, Julio Trajano, assumiu o e-commerce.
Leandro e Thiago atribuem a demissão a represália por causa da ação contra o Itaú BBA, e se baseiam em um áudio atribuído à diretora de RH do Magalu, Patrícia Pugas, anexado ao processo. “Não conseguiremos seguir naquele modelo que tínhamos planejado, exatamente por muitas das ocorrências, inclusive ações judiciais e coisas do gênero. Exatamente por isso, foi tomada uma decisão de acelerar a integração do KaBuM! […] e a primeira decisão foi o afastamento dos irmãos da gestão do KaBuM!”, teria dito Pugas.
Segundo Leandro, a empresa para a qual ambos se dedicavam paralelamente é a Mosca Materiais de Construção, imobiliária criada pelo executivo para cuidar dos seus imóveis, além de uma importadora de veículos.
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