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Como reflexo do aperto monetário em curso, o primeiro trimestre de 2023 acumulou empresas necessitando reforçar sua estrutura de capital, seja buscando reestruturações de dívida ou a recuperação judicial. Como o InfoMoney mostrou na sexta-feira (31), a necessidade de renegociar o passivo ganhou fôlego e foi marca dos três primeiros meses do ano.
Para o banqueiro Ricardo Lacerda, fundador do BR Partners (BRBI11), o atual cenário mostra que o mercado está passando por uma “desmistificação” da reestruturação de dívidas.
“Antes, os bancos achavam que reestruturar dívidas era um palavrão e hoje estão vendo que não”, diz Lacerda, ao InfoMoney.
Argumenta que o movimento é comum em momentos de secura de liquidez e que outras reestruturações e RJs deverão ser pedidas ao longo do ano. “Estamos no ‘olho do furacão’”, resume.
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Lacerda reforça que as companhias que solicitaram renegociação estão tentando equacionar o problema. “São empresas que estão lutando. É importante lembrar que a mudança nos juros foi muito drástica e rápida. Isso pega muita gente de ‘calça curta’”. “O ajuste vai e a empresa toca a vida depois. Essa é a tônica da grande maioria dos processos que estão em curso”, acrescenta.
O banqueiro reconhece que o caso da Americanas (AMER3) foi o estopim para o atual momento, mas faz questão de dizer que o papel da varejista termina aí. “Não tem nada a ver com os outros casos. O evento Americanas foi uma fraude, que precisa ser investigada. A empresa se tornou inviável”, diz.
No cenário macroeconômico, Lacerda vê como positiva a proposta de novo arcabouço fiscal, mas avalia que, para além do debate, “o importante agora é cumpri-lo”.
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Para os juros, não espera um corte ainda no primeiro semestre, mas diz “ter a esperança” de que os juros terminem o ano no patamar de um dígito.
Confira os destaques da entrevista:
InfoMoney: Estamos no fim de um trimestre em que muitas empresas partiram para a renegociação. Na semana que estamos conversando, o Grupo Petrópolis pediu recuperação judicial e a Amaro solicitou a recuperação extrajudicial. O dia 11 de janeiro, dia em que a Americanas anunciou as suas “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões, foi o estopim? Como está o cenário desde então?
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Ricardo Lacerda: Americanas é um evento um pouco fora da curva, por se tratar de uma fraude e de uma coisa que envolve aspectos para além do financeiro. Obviamente, foi um estopim na medida em que gerou uma série de preocupações no mercado de crédito e no setor financeiro como um todo com algo que já vinha acontecendo.
Entre 2020 e 2021, tivemos um boom no mercado de capitais, e as empresas tiveram acesso a capital, com muitos IPOs e follow-ons. Naquele momento, a necessidade de recursos foi coberta pela renda variável. No final de 2021, o mercado se fechou quase que completamente. Houve uma migração do funding de muitas empresas, do mercado de ações para o mercado de dívida, tanto bancária quanto crédito privado. Ao mesmo tempo, houve um movimento sem precedentes da Selic: um aperto monetário muito expressivo dentro de um horizonte de tempo relativamente curto.
O juro subiu mais de 10 pontos percentuais em uma janela muito curta. Isso gerou um aumento de custo de dívida e da despesa financeira que veio bater justamente neste momento. O acúmulo dos fatores gerou esse ‘caldeirão’. Existe uma certa desaceleração econômica, tem um ruído muito grande em função do ‘evento Americanas’ e temos pressão sobre as despesas financeiras.
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E, quando olhamos os balanços corporativos, as métricas de alavancagem foram deterioradas de maneira generalizada e de maneira bastante expressiva. Isso acende um sinal de alerta e estamos vendo esses anúncios públicos de reestruturação e ‘reperfilamento’ de dívida. Estamos no ‘olho do furacão’ e acho que esse movimento vai continuar por um tempo.
Estou vendo que este ano vai ver esse tema de forma muito recorrente e creio que serão muitas empresas ainda. Embora tudo dependerá do nível de desaceleração da economia. Se houver um ‘soft landing‘ com redução de juros e uma retomada da economia de forma gradual.
A boa notícia é que além do tema Americanas – porque ali se tornou uma empresa inviável –, nos outros casos existe uma probabilidade muito grande de que essas coisas se resolvam relativamente bem, embora estejam com uma situação de curto prazo um pouco mais crítica.
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Eu estou pessimista quanto ao número de empresas que vai precisar de recuperação ou reperfilamento, isso vai continuar de forma muito expressiva, mas estou otimista que vão ter sucesso na negociação. São empresas fortes que passam por uma situação conjuntural.
IM: O Caso Americanas jogou bancos e mercado de dívidas para a defensiva. Isso fez com que algumas empresas tivessem que antecipar sua reestruturação de dívida ou recuperação judicial?
RL: É difícil julgar de forma generalizada, nós temos que ver caso a caso. Na verdade, tudo acontece muito rapidamente. As empresas estão tentando equalizar o caixa e, de repente, você vê uma deterioração do crédito, os bancos começam a apertar e você se vê neste caminho. É difícil julgar de maneira tão generalizada. O importante é que, na maioria dos casos, tudo está sendo feito de maneira ordenada, com as empresas tentando se equacionar.
Esse movimento me lembra os de M&A aqui no Brasil, há 30 anos. Na época, os empresários tinham muita resistência porque se tinha uma percepção de que vender a empresa era um sinal de fracasso. Com o tempo, foi se tornando natural e, depois, os M&As acabaram virando motivos de sucesso e muito orgulho para as empresas e para os empresários. Eu acho que agora nós estamos passando por um processo de desmistificação das reestruturações de dívidas.
Tirando o Caso Americanas, que requer investigações mais profundas, as outras companhias são empresas que estão lutando, com casos em que até o acionista está capitalizando. Então, são sinais de que realmente foi uma mudança de panorama muito drástica e rápida que acabou pegando muita gente de ‘calça curta’. Mas é isso, faz o ajuste e vida que segue. O ajuste vai e a empresa toca a vida depois. Essa é a tônica da grande maioria dos processos que estão em curso.
IM: Você citou o excesso de liquidez provocado pelos juros baixos entre 2020-2021. Você acredita que ali foi uma oportunidade perdida para as empresas reajustarem suas estruturas de capital?
RL: Olhando pelo retrovisor, é verdade que algumas empresas possam ter perdido a oportunidade. Mas era difícil prever uma guinada [de juros] tão grande e em tão pouco tempo. É difícil julgar.
O mercado de capitais está maduro e, com a estabilização econômica, vamos conseguir retomar logo os IPOs e vida que segue.
IM: Na comparação com a última grande crise, de 2015-2016, o mercado amadureceu? Houve evolução?
RL: Evoluímos em tudo. Do ponto de visto da economia, nós não estamos nem perto do que foi visto em 2015 e 2016, em que nós vemos ali a maior queda de PIB em dois anos consecutivos da nossa história desde a crise de 1929. Nós não estamos neste cenário macro tão negativo assim.
Tivemos crescimento no ano passado [+2,9%], apesar de uma queda no quarto trimestre [-0,2%]. Mas eu acho que ainda estamos com a economia em território positivo. Se entrar no território negativo, vai ser uma coisa bem marginal.
Pontuando essa diferença, nós também tivemos um amadurecimento grande neste período. O mercado de capitais está muito mais desenvolvido, as pessoas estão mais familiarizadas com o processo e os bancos estão mais receptivos a essas discussões de reperfilamento de dívidas.
Antes, os bancos achavam que reestruturar dívidas era um palavrão e hoje estão vendo que não. Eles veem que as empresas estão tentando se reposicionar.
A grande maioria dos processos de reperfilamento que nós estamos envolvidos aqui no BR Partners não contemplam haircut [abate no valor] de dívidas e coisas muito onerosas, é mais um reperfilamento mesmo.
Outro ponto é que, na crise de 2015-2016, não houve um risco ao setor financeiro, mas, de qualquer forma, os bancos estão mais capitalizados hoje. O próprio Caso Americanas mostrou isso, com os bancos absorvendo com relativa tranquilidade este prejuízo. Então, eu acho que não está tão ruim, não.
IM: Indo para o cenário macroeconômico. Como você avalia a proposta de novo arcabouço fiscal do governo?
RL: Eu achei o arcabouço muito positivo e fiquei impressionado. As metas foram muito audaciosas, o mecanismo muito simples. Mas tem que cumprir. A questão agora não é ficar discutindo o arcabouço, mas pensar em cumpri-lo.
O modelo tem uma lógica, tem uma racionalidade, mas agora tem que colocar em prática. Não tem mais o que discutir.
É um governo legitimamente eleito, a equipe é séria e trabalhou seriamente para colocar esse programa na mesa. É um projeto de credibilidade, então agora é cumprir. Com isso, tudo vai se adaptar em torno dessa proposta que eles colocaram.
IM: E para os juros? Acredita em teremos corte ainda neste semestre?
RL: Eu estou com a esperança de que a gente termina o ano em um dígito, mas acho que corta somente no segundo semestre.
Ricardo Lacerda, 55 anos, banqueiro
• sócio-fundador do BR Partners (2009-atualmente)
• chefe do IB do Citigroup no Brasil e na América Latina (2005-2009)
• diretor-presidente do Goldman Sachs no Brasil (2001-2005)
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