Como empresas do Brasil vão testar semana de 4 dias?

Nova modalidade é testada de diferentes formas por cerca de 20 companhias

Anna França

Mesa de trabalho (Maria Stewart/Unsplash​​​​​​​)

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Cerca de 20 empresas brasileiras aderiram ao projeto-piloto da semana de quatro dias, que busca mais bem-estar aos colaboradores sem diminuir as metas de produtividade. A iniciativa começou neste mês no país e seguirá até dezembro sob a fase de planejamento, período em que as companhias vão decidir o formato em que o programa será ofertado.

A iniciativa começou em 2019, na Nova Zelândia, e já se espalhou por vários países da Europa, da África e das Américas sob a gestão do movimento 4-Day Week Global, uma comunidade sem fins lucrativos que conta com apoio da Reconnect Hapiness at Work para realização do experimento no Brasil.

Atualmente quase 500 companhias pelo mundo já estão testando a modalidade de jornada em que o profissional continua recebendo 100% do salário, mas trabalha 80% do tempo e, em troca, se compromete a manter 100% de produtividade. É por isso que o modelo ficou conhecido como 100-80-100.

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Até janeiro, quando o projeto será colocado em prática, as empresas participantes terão de:

O InfoMoney buscou as empresas e lista, a seguir, como elas vão implantar a iniciativa.

O escritório Clementino & Teixeira Advocacia diz que vai implementar a nova rotina na empresa inteira. Segundo a sócia Soraya Clementino, o day off será ofertado parcialmente em dois dias: nas manhãs de segunda-feira e nas tardes de sexta-feira, conforme avaliação dos processos em andamento no escritório.

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“Esse será um dos nosso principais desafios: a identificação do modelo de redução de jornada que melhor se adapte às características do negócio”, diz Soraya. Ela acredita que a implantação em toda a empresa deve ajudar, pois todos trabalharão dentro do mesmo modelo de jornada para que seja possível a aferição dos resultados.

A GR Assessoria Contábil também optou pela implantação do programa em toda a empresa. A ideia inicial é que seja adotada na segunda e na sexta, segundo Marcos Romeiro, representante da empresa. “Acredito que o principal desafio será o comprometimento dos colaboradores, que devem aderir ao projeto para ter um equilíbrio maior entre vida pessoal e trabalho”, disse.

O mesmo será feito na Inspira Legal, criadora de uma plataforma de tecnologia voltada para o setor jurídico, vai colocar seus 20 colaboradores no sistema, mas ainda está definindo quando será o dia do day off.  Para o sócio Rafael Grimaldi, o principal desafio será a adaptação a uma nova rotina de trabalho, para que se consiga fazer em quatro dias o que é executado em cinco, sem perder o nível de produtividade do trabalho.

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Para a Innuvem, provedora de soluções em cloud compunting, a escolha pelo dia do day off será feita pelo colaborador em conjunto com a equipe, garantindo que sempre haverá alguém capaz de atender as demandas durante as folgas dos colegas. A empresa, que já começou a implantar o sistema desde julho,  antes mesmo da adesão ao projeto, também decidiu implantar em todos os departamentos. “Não fazia sentido conceder o benefício apenas a uma área”, diz o CEO da Innuvem, David Garrana. O principal desafio na Innuvem tem sido o agendamento e a conciliação das folgas. Por isso, a empresa de tecnologia criou até um aplicativo próprio para que o colaboradores agendem os dias em que não estarão no escritório.

Prestando serviços de alimentação coletiva, a Rede Alimentare também optou por não fixar um dia para todos, mas sim em escalas. Nesta primeira fase, só entrarão no day off os departamentos administrativos como financeiro, recursos humanos, compras, setor de contratos e controladoria. A partir daí a Alimentare vai estudar a possibilidade de o setor operacional também ser incorporado.

Hub de conteúdo de inovação e tendências, a Oxygen começou a pensar sobre o futuro do trabalho durante a pandemia. “Fomos a primeira empresa a fazer a inscrição no Brasil”, disse a chefe de conteúdo, Maria Clara Lima. Segundo a executiva, trabalhar remotamente já foi um aprendizado importante e, agora, será utilizado também para implantação da semana de quatro dias. “Tudo isso de forma produtiva e mantendo as entregas, os clientes e o faturamento.”

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Já a Editora Mol decidiu seguir pelo caminho mais desafiador e vai começar a implantação do projeto pela área operacional. Segundo a gerente de gente e cultura da editora, Gisele Soares, a escolha por esse departamento se deu por ser o que mais tem o contato com empresas externas (parceiros/clientes e fornecedores), que não estarão nesse mesmo modelo de trabalho e precisarão continuar tendo o mesmo atendimento de excelência e a qualidade das entregas.

“Se tivermos sucesso nessa equipe, entendemos que funcionará para o restante da empresa”, conta. Para ela, a produtividade não está ligada a trabalhar mais, mas sim a trabalhar melhor e de forma mais inteligente e saudável. “A semana de 4 dias também estimulará a autonomia e melhoria no bem-estar”, afirma Gisele.

A consultoria Haze Shift pretende se dedicar ao planejamento, abordando temas como comunicação, gestão de tempo e métricas de priorização para definir pontos importantes para esta transformação cultural e operacional. A empresa optou por implantar o sistema em todos os departamentos e também participará das três pesquisas feitas pela Boston College, que acompanha tudo antes, durante e depois da realização do piloto, a fim de medir os impactos. “O primordial é que nossos colaboradores participem de toda essa mudança de forma ativa, engajada e com responsabilidade”, diz a líder de Experiência do Colaborador na Haze Shift, Anna Flávia Alcantara.

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Segundo o diretor da Brasil dos Parafusos, Jorge Pacheco Seabra, a implementação do projeto na manufatura de sistemas de fixação será integral, para que todos os setores sejam beneficiados. Para ele, os maiores desafios estão na divisão das escalas e na parte jurídica.

A fundadora e CEO da Thanks for Sharing, Simone Cyrineu, diz que a ideia é trabalhar para adaptação de maneira integral com todos os departamentos da empresa de audiovisual. “Teremos um período para preparação, pesquisa e revisão de processos e comunicação em busca do melhor formato”, diz. Para ela, não existe uma fórmula mágica e única que irá funcionar para todas as empresas, áreas ou perfis de pessoas.

Primeiros (bons) resultados

A empresa de programas de gestão (ERP) Vockan saiu na frente na implantação da semana de quatro dias no Brasil. Quando o CEO da empresa, Fabrício Oliveira, soube do projeto em andamento em Portugal, em 2022, pediu para a empresa ser incluída na iniciativa. “Queríamos endereçar problemas de saúde mental, retenção de talentos, aumento de produtividade e atender à tendência de trabalho flexível”, diz.

No início deste ano, a nova modalidade de trabalho chegou a uma área sensível: atendimento ao cliente. Para não deixar os clientes na mão, a companhia adotou um sistema de escalas. “Além disso, tinha o risco trabalhista, porque a CLT é configurada para semana de cinco dias e precisamos de ajuda jurídica para não ter redução de salário e garantir ganhos para o trabalhador”, diz o executivo. Mas o maior desafio, segundo Oliveira, foi mudar a cabeça das lideranças e a desconfiança do próprio colaborador.

Com mais de seis meses de implantação, a Vockan já mapeou alguns resultados. Descobriu, por exemplo, que o grande número de reuniões impacta em perda de tempo. Depois do diagnóstico, as reuniões na companhia não passam de 30 minutos.

Os treinamentos de gerenciamento do tempo ajudaram os funcionários a se organizarem melhor. Dessa forma, o modelo foi tão positivo que ampliou o engajamento dos colaboradores. “Tivemos aumento de 43% na felicidade dos colaboradores, com saúde mental e física. Além disso, nosso turn over foi reduzido quase a 100% desde o ano passado e hoje nosso banco de talentos tem fila, incluindo profissionais que deixam até salários maiores”, enfatiza o executivo.

Hilmar Júnior, especialista de suporte da Vockan, confirma a fala do chefe. Havia, no começo do projeto, muitas dúvidas se seria possível conciliar o tempo mais curto com o trabalho. “Mas, com as ferramentas certas, conseguimos dar conta. Importante também foi o trabalho em parcerias, assim dividimos as tarefas e no dia que um folga o parceiro não deixa o trabalho desamparado”.

Júnior também comemora o fato de ter tido mais tempo com seu filho e a possibilidade de ir a consultas médicas e outros compromissos. “Isso foi importante para o lado profissional, porque muitas vezes eu chegava na segunda-feira cansado e agora tenho mais energia. Domingo deixou de ser um dia melancólico”, diz.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro.