Sites para pessoa física investir diretamente em startups crescem no Brasil. Veja como funcionam

Plataformas para pessoas físicas investirem em negócios inovadores crescem no Brasil. Entenda o equity crowdfunding e os riscos e retornos das startups

Mariana Fonseca

(Helena Lopes/Pexels)
(Helena Lopes/Pexels)

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SÃO PAULO – Enquanto aplicações de renda fixa perdem espaço, com a redução da Selic derrubando suas rentabilidades, opções mais arriscadas e com maior potencial de retorno só crescem. Entre elas, o investimento em startups.

Negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos captaram US$ 3,5 bilhões (R$ 19 bilhões) com investidores em 2020, alta de 17% sobre 2019, segundo estudo da empresa de inovação Distrito.

Investidores qualificados, investidores institucionais e fundos de family office, venture capital e private equity ainda dominam os aportes. Mas a participação das pessoas físicas está aumentando. Esse movimento pode ser visto pela expansão das plataformas nacionais de equity crowdfunding – que medeiam o investimento de pessoas físicas em participações nas startups.

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O InfoMoney conversou com duas plataformas de equity crowdfunding, CapTable e Eqseed, para entender como funciona o investimento de pessoas físicas em startups selecionadas pelos sites. Seus respectivos cofundadores, Guilherme Enck e Brian Begnoche, também falaram sobre resultados de 2020 e os próximos passos do segmento no Brasil.

Investir em startups: alta rentabilidade, alto risco

Um ponto importante para o crescimento do interesse em investir em startups foi a redução da Selic, a taxa básica de juros da economia. A Selic teve nove quedas seguidas de agosto de 2019 a agosto de 2020, passando de 6,5% ao ano para os atuais 2% ao ano.

Aplicações baseadas na rentabilidade da Selic perderam a atratividade, inclusive perdendo para a inflação em muitos casos. Os investidores passaram a procurar rentabilidade real (acima da inflação) na renda variável, e as startups aparecem cada vez mais como forma de diversificação. Esses negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos fazem parte da categoria de investimentos alternativos.

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Mais do que retorno, os investidores em startups também têm a vantagem subjetiva de estar em contato com empreendedores. “Você descobre o que há de mais vanguardista em inovação para gestão ou produtos. São ensinamentos que você pode aplicar no dia a dia. Mais do que investimento, é um aprendizado”, diz Guilherme Enck, cofundador da CapTable.

As startups estão em estágios iniciais de operação – o que significa um potencial de maiores múltiplos de crescimento, na comparação com empresas já consolidadas. Porém, o risco de falência também é maior. O valor que você colocou em uma startup só pode ser resgatado em um evento de liquidez, conhecido no mercado como exit (saída).

exit surge em um novo aporte que permita a venda de participação dos primeiros investidores; em uma venda da startup para uma companhia ou fundo; ou em sua oferta pública inicial de ações (IPO). A empresa de análise de dados CB Insights mostra que 67% das startups param de oferecer saídas aos investidores em algum ponto da sua trajetória.

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Portanto, diversificação é condição: apostar em startups é construir um portfólio. Enquanto uma startup pode não gerar nenhum retorno, outra pode gerar um retorno de 100 vezes sobre a aplicação inicial. Os fundadores da CapTable e da Eqseed recomendam ter entre 5 e 15 startups na carteira. A participação pode ser construída ao longo dos anos.

A porcentagem que tais investimentos representam do patrimônio líquido varia de acordo com seu perfil de risco. Segundo Begnoche, os investidores qualificados (que têm investimentos iguais ou superiores a R$ 1 milhão) podem montar suas próprias estratégias. Para os investidores não qualificados, um bom limite é de cerca de 10%. O investidor em startups pode esperar anos para receber seu capital de volta.

O investimento em startups deve ser declarado no Imposto de Renda, na categoria de Bens e Direitos. A tributação acontece apenas no evento de liquidez. Se você investiu R$ 100 mil em uma startup e sua participação virou R$ 1 milhão em uma saída, você pagará tributos sobre os R$ 900 mil de valorização. Os ganhos sobre o capital investido em uma startup sofrem tributação regressiva, assim como as aplicações de renda fixa. A tributação começa em 22,5%, para investimentos feitos em até seis meses, e vai caindo, até chegar em 15%, para prazos acima de dois anos.

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Vale lembrar que, além do imposto sobre ganhos de capital, eventuais perdas não podem ser deduzidas. No caso das ações, se um investidor ganha R$ 100 com um papel e perde R$ 100 em outro, pode compensar o lucro com o prejuízo no Imposto de Renda e não pagar nenhum tributo – já que não houve ganho na somatória. Caso acontecesse algo similar com startups, o investidor teria de declarar o ganho de capital sobre a startup que rendeu R$ 100 e pagar o imposto correspondente. Lembrando que os investidores não assumem dívidas do negócio que eventualmente venha a falir.

A tributação sobre as startups é um dos pontos de discussão do Marco Legal das Startups, projeto de lei para o setor que foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora está em tramitação no Senado Federal.

Como funciona o equity crowdfunding?

O equity crowdfunding é uma forma de comprar participações em startups de maneira direta e completamente online. Essa modalidade de investimentos é regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da instrução CVM 588.

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As plataformas de equity crowdfunding funcionam para operacionalizar esses investimentos, conectando investidores e startups selecionadas pelos próprios sites. Os sites defendem que um dos diferenciais é a independência dos investidores, que realizam aportes em startups por conta própria, tendo como rede de segurança os filtros promovidos pelas plataformas e a regulação da CVM.

A Eqseed opera desde 2014. A plataforma foi criada pelo britânico Greg Kelly e pelo americano Brian Begnoche. Entre 2008 e 2014, Kelly trabalhou na instituição financeira Lloyds Bank, em Londres, e percebeu o crescimento do equity crowdfunding no Reino Unido. Após se mudar para o Rio de Janeiro, Kelly conheceu Begnoche e os dois decidiram fundar o movimento no Brasil.

Brian Begnoche, da Eqseed (Divulgação)
Brian Begnoche, da Eqseed (Divulgação)

Mais de R$ 39 milhões já passaram pela Eqseed. No último ano, a plataforma mediou R$ 6,2 milhões em captações. “Foi um ano bastante atípico e muitas empresas esperaram para abrir suas captações. Boa parte desse valor veio nos últimos meses do ano”, diz Begnoche. Alguns exemplos de negócios que já fizeram captações pela plataforma são GreenAnt (energia) e Nama (inteligência artificial).

Outra startup no ramo, a Captable foi criada por Guilherme Enck e Paulo Deitos. Ambos trabalharam em startups de crowdfunding imobiliário. Depois, Enck foi contratado por uma boutique de fusões e aquisições, enquanto Deitos se tornou cofundador da Associação Brasileira de Fintechs. “Víamos pessoas querendo investir em startups e, ao mesmo tempo, negócios buscando dinheiro para escalar. Mas faltava uma plataforma que centralizasse as negociações, como a B3 faz para as empresas de capital aberto”, diz Enck.

A CapTable começou a operar em 2019, mediando cerca de R$ 4 milhões no seu ano de estreia. Em 2020, foram R$ 11,4 milhões, boa parte captada no segundo semestre. Alguns exemplos de startups que já obtiveram aportes por meio da CapTable são O Amor É Simples (casamento) e Trashin (gestão de resíduos).

Guilherme Enck, Érico Freitas, Leonardo Zamboni e Paulo Deitos, sócios da CapTable (Carlos Macedo/Divulgação)

Nas duas plataformas, os usuários se cadastram e passam a ter acesso ao cardápio de negócios selecionados. As plataformas dizem que procuram bons empreendedores, boas propostas, bons mercados e bons números pensando em um negócio em estágio inicial. Dados financeiros e jurídicos das startups também passam por checagem tanto na CapTable quanto na Eqseed.

Dentro da página de cada startup, os usuários podem conferir as rodadas abertas no momento e dados como: investimento mínimo exigido por usuário, histórico dos sócios e das startups, produtos, modelos de negócio e projeções financeiras. Também podem realizar perguntas e conferir respostas dadas a outros usuários – na Eqseed isso acontece por meio de um fórum, enquanto a CapTable usa grupos de Telegram e WhatsApp.

Ao clicar em investir, o usuário informa mais dados para preencher um contrato de investimento. As plataformas retêm os aportes até a conclusão da rodada e assinatura digital dos contratos. Geralmente, são investimentos captados antes desses negócios procurarem fundos de venture capital, para uma série A. As rodadas sementes de equity crowdfunding costumam ir de R$ 500 mil a R$ 2,5 milhões nas duas plataformas.

A Eqseed tem 1,7 mil usuários que fizeram ao menos um investimento. Cada participante aporta em média cerca de R$ 24 mil por startup. O mínimo está em R$ 5 mil. Na Captable, são 5 mil investidores ativos. Mas o tíquete médio é bem menor do que o da Eqseed, ficando entre R$ 2,5 mil e R$ 3 mil por startup. O investimento mínimo é de R$ 1 mil.

Caso a startup atinja sua meta de captação, o dinheiro dos investidores é transferido diretamente à empresa. Na Eqseed, a startup é obrigada e fazer relatórios ao menos trimestrais, apresentando dados financeiros e estratégicos. Na CapTable, a periodicidade depende da frequência dos indicadores – podem ser divulgações mensais, trimestrais, semestrais ou anuais. Os investidores têm um painel para acompanhar o portfólio de startups nas duas plataformas.

Pontos de atenção

Um possível ponto negativo a se observar no equity crowdfunding é que o contato entre fundadores e investidores fica restrito ao universo online. A CapTable tenta mitigar a falta de proximidade com um grupo de Telegram criado entre empreendedores e investidores, além de conferências virtuais com os fundadores. A frequência das reuniões depende do ciclo de desenvolvimento de produto da startup.

É preciso conhecer bem as taxas cobradas pelas plataformas de equity crowdfunding, seja como empreendedor ou como investidor. Na Eqseed, as startups pagam uma taxa de sucesso de 10% do valor captado. Ao vender sua participação, o investidor também paga na Eqseed uma taxa de 10% para a plataforma, mas apenas sobre rendimentos tributáveis. Não seria o caso de dividendos, por exemplo. A CapTable cobra apenas a taxa para os empreendedores, que vai de 7 a 12% sobre o valor total captado.

O futuro do equity crowdfunding

Recentemente, a Eqseed teve seus primeiros retornos aos empreendedores e investidores: a fintech Dindin e a startup de logística Pegaki. Esses são primeiros passos para consolidar o equity crowdfunding no país.

Internacionalmente, plataformas já têm exemplos de startups que conseguiram saídas pelas bolsas de valores. A Beyond Meat era um dos negócios da plataforma israelense de equity crowdfunding OurCrowd. Hoje, o negócio de proteínas alternativas é avaliado em US$ 11 bilhões na bolsa tecnológica americana Nasdaq. Outro caso da OurCrowd é a Jump, comprada pela gigante de mobilidade urbana Uber em 2018.

Além das saídas, mais uma via de crescimento das plataformas nacionais é batalhar por uma expansão de limites para o equity crowdfunding. Hoje, a instrução da CVM permite que empresas faturando até R$ 10 milhões por ano captem até R$ 5 milhões na modalidade. Uma audiência pública foi aberta em fevereiro de 2020 para definir novas regras para o equity crowdfunding. A audiência está em análise.

Estão em discussão temas como expansão do faturamento anual máximo das startups procurando captar por equity crowdfunding, assim como a ampliação do valor máximo pedido por rodada. Hoje, as empresas não podem ter faturado mais de R$ 10 milhões no ano anterior e podem captar no máximo R$ 5 milhões por ano. A CVM propõe aumentar o faturamento para até R$ 30 milhões e aumentar a captação para R$ 10 milhões anualmente. Segundo Begnoche, a análise deve ser concluída no primeiro semestre de 2021 e permitir que empresas mais maduras participem do equity crowdfunding.

A audiência pública que corre na CVM também discute as condições para a criação de um mercado secundário para participações compradas por equity crowdfunding, assim como existe para comercializar as ações de companhias abertas. “A grande dor no mercado de startups, não apenas no equity crowdfunding, é liquidez. A legislação proíbe atualmente termos um botão de resgate. O próprio investidor precisa encontrar outra pessoa que assume o contrato, e então atualizamos na plataforma. Já vemos transações secundárias acontecendo e queremos que a legislação permita a profissionalização dessas negociações”, diz Enck, da CapTable.

A CapTable pretende mediar R$ 100 milhões para 40 startups ao longo de 2021. Já a Eqseed ainda está montando suas projeções para 2021, diante de um ritmo de crescimento inédito no começo do ano. “Foram R$ 8,9 milhões em captações divulgadas no site nas últimas semanas, e temos três rodadas abertas agora”, diz Begnoche.

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.