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Trabalhador pode ter direito à indenização do seguro mesmo fora do trabalho, decide STJ

Para 3ª Turma do STJ, vítima terá de ser indenizada porque foi alvo de tentativa de homicídio por causa de função pública

Gilmara Santos

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O trabalhador pode ter direito à indenização do seguro mesmo fora do trabalho com base no princípio da causalidade. “Se o evento que gerou o dano tem relação direta ou indireta com sua atividade profissional, ainda que tenha ocorrido fora do local ou horário de trabalho, ele pode pleitear o acionamento do seguro”, explica o advogado Mozar Carvalho, sócio fundador do escritório Machado de Carvalho Advocacia.

Recentemente, a 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que um agente da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de São Paulo) tem direito de receber indenização securitária por sinistro (risco previsto) ocorrido fora da instituição, mas relacionado ao seu trabalho.

O trabalhador foi atingido por um tiro disparado por ex-interno da fundação e requereu a cobertura de Diária por Incapacidade Temporária (DIT), prevista no contrato de seguro coletivo de pessoas. A seguradora envolvida, no entanto, se negou a pagar alegando que a apólice só cobria eventos ocorridos no local de trabalho e durante a jornada.

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O advogado Claudio Mauro Henrique Daólio, sócio do escritório Moraes Pitombo Advogados, explica que, no caso concreto, o contrato de seguro objetivava a proteção específica dos servidores da Fundação Casa, para situações de confronto com adolescentes infratores.

“As cláusulas limitativas de responsabilidade – que excluiriam a indenização por ocorrências fora do local de trabalho – não foram informadas adequadamente pela seguradora, razão pela qual prevaleceu a interpretação mais favorável ao segurado, especialmente por se tratar de contrato de adesão”, esclarece Daólio.

Direito do trabalhador

De acordo com Daólio, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é favorável à ampliação da cobertura, sob o fundamento de que a execução contratual deverá atingir o fim a que se destina, com a eficácia e qualidade requeridas. “Desse modo, as negativas de cobertura das seguradoras tendem a ser afastadas pelos tribunais.”

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Carvalho afirma que o primeiro passo é o trabalhador comunicar o sinistro à seguradora e solicitar a cobertura prevista em apólice. “Se a seguradora negar a cobertura com base em cláusulas limitativas ou interpretativas, e o segurado entender que a negativa é indevida, aí sim ele pode optar por buscar seus direitos através do Poder Judiciário. A judicialização é uma opção para dirimir conflitos entre as partes, mas não é a única via”, afirma.

“Se houver negativa de cobertura da seguradora, o segurado poderá levar o fato ao conhecimento da Susep (órgão regulador das seguradoras atuantes no Brasil), requerendo providências no âmbito administrativo. Contudo, a via mais apropriada parece ser mesmo a ação judicial”, concorda Daólio.

Carvalho salienta que o recurso à Justiça não é obrigatório, mas pode ser necessário caso a seguradora se recuse a reconhecer a cobertura. “Se a apólice indica proteção apenas no ambiente de trabalho, mas o segurado sofre uma agressão fora devido a motivos profissionais, ele pode solicitar inicialmente a cobertura à seguradora. Em caso de negativa, e entendendo que a recusa é indevida, o segurado tem o direito de ingressar judicialmente para buscar o reconhecimento de seu direito à cobertura. A decisão de acionar a Justiça depende da análise específica do caso e da disposição do segurado em pleitear seus direitos”, afirma.

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Recurso

No caso do trabalhador da Fundação Casa, em primeira instância, o juiz reconheceu o direito à indenização. O mesmo entendimento foi dado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que afirmou que a seguradora não comprovou ter informado o segurado acerca da limitação da cobertura caso o sinistro acontecesse fora do horário de trabalho. A mesma decisão foi recentemente confirmada pelo STJ.

A seguradora sustentou, em seu recurso ao STJ, que a ação estaria prescrita, pois o prazo para ajuizamento seria contado da data em que o segurado teve ciência do sinistro.

Além disso, alegou que o atentado à vida do segurado aconteceu fora da Fundação Casa, situação não coberta pela apólice. Quanto à falha no dever de informação, disse que isso não pode acarretar uma alteração contratual, com a distorção da cobertura contratada, sob pena de enriquecimento ilícito do segurado.

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O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que a seguradora admitiu a falha no dever de informar o segurado acerca das cláusulas limitativas da apólice coletiva, de modo que, havendo dúvidas acerca da abrangência do contrato de adesão, deve prevalecer a interpretação mais favorável ao aderente.

“A procedência da demanda, com o reconhecimento do direito à indenização securitária, não equivale a distorcer a cobertura contratada, ainda mais considerando a falha no dever de informação e as restrições contratuais abusivas”, declarou.

O ministro ressaltou ainda que, em relação aos seguros coletivos de pessoas na área da segurança pública, a jurisprudência do STJ entende que a morte de um policial no estrito cumprimento de suas obrigações legais, seja dentro ou fora do horário de serviço, gera direito à indenização, ainda que existam cláusulas mais restritivas na apólice.

Villas Bôas Cueva observou que, conforme consta nos autos, antes da tentativa de homicídio, o agente já vinha sofrendo ameaças de internos e ex-internos. Segundo o relator, embora a vítima não tenha sido alvejada no seu local de trabalho, foi em razão dele que sofreu o atentado.

“É devida a indenização securitária advinda de seguro coletivo de pessoas – agentes e funcionários da segurança pública – se o sinistro ocorreu fora do local de trabalho do segurado, mas em razão de sua atividade laboral, sendo mera decorrência de conflito originado nas dependências da instituição”, afirmou.

Mais proteção

Para o advogado Mozar Carvalho, a decisão do STJ “reconhece que o sinistro ocorrido fora do local de trabalho, em razão da atividade laboral, pode gerar direito à indenização securitária”, diz.

No caso específico, lembra o advogado, o agente da Fundação Casa foi vítima de uma tentativa de homicídio por um ex-interno. “Mesmo que o incidente tenha ocorrido fora do horário de trabalho, a decisão do STJ considerou que ele tem direito à cobertura do seguro, uma vez que o atentado foi uma consequência direta dos conflitos originados na instituição.”

Para o advogado, essa interpretação amplia a proteção dos profissionais de segurança pública, garantindo que eles possam contar com o seguro coletivo de pessoas mesmo quando enfrentarem eventos adversos fora do local de trabalho.

“A decisão também ressalta a importância do dever de informação por parte da seguradora, destacando que a falha em informar o segurado acerca das cláusulas limitativas da apólice pode resultar em interpretação favorável ao aderente.”

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Gilmara Santos

Jornalista especializada em economia e negócios. Foi editora de legislação da Gazeta Mercantil e de Economia do Diário do Grande ABC.