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Sancionada pelo presidente Lula em 1º de agosto, a Lei Completar 199, que busca a redução de custos para o cumprimento de obrigações tributárias, não terá efeitos práticos no curto prazo, segundo especialistas consultados pelo InfoMoney.
A legislação, de relatoria do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), cria o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, com uma série de intenções que visam diminuir os custos de cumprimento das obrigações tributárias e de incentivar a conformidade por parte dos contribuintes, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Segundo seu texto oficial, o estatuto “objetiva a padronização das legislações e dos respectivos sistemas direcionados ao cumprimento de obrigações acessórias, de forma a possibilitar a redução de custos para as administrações tributárias das unidades federadas e para os contribuintes”.
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Obrigações acessórias são instrumentos auxiliares que as autoridades exigem para colher dados de empresas, como as notas fiscais ou declarações de faturamento mensais, trimestrais ou anuais.
Marina Valio, advogada especialista em direito tributário do escritório FCR Law, explica que são gastos bilhões de reais para a criação e manutenção de empresas em âmbito tributário e contábil. “São necessários, além dos recursos de prefeituras, estados e governo federal, grandes departamentos contábeis, jurídicos e fiscais por parte das empresas para que elas atuem em conformidade com as leis, emitindo todas as notas e fazendo todas as declarações necessárias – que são muitas”, explica.
Nesse sentido, especialistas concordam que os esforços em direção à simplificação das obrigações acessórias são positivos, mas as novidades trazidas pela Lei Complementar 199 ainda ficam no campo das intenções, principalmente após os vetos aplicados em pontos mais práticos do texto.
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Vetos
A lei estabeleceu a criação do Comitê Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias (CNSOA), responsável por instituir e aperfeiçoar os processos de simplificação citados pelo texto, como:
- emissão unificada de documentos fiscais eletrônicos;
- utilização dos dados de documentos fiscais para a apuração de tributos e para o fornecimento de declarações pré-preenchidas e respectivas guias de recolhimento de tributos pelas administrações tributárias;
- facilitação dos meios de pagamento de tributos e contribuições, por meio da unificação dos documentos de arrecadação e unificação de cadastros fiscais e seu compartilhamento em conformidade com a competência legal.
O comitê será formado por seis representantes da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, como representantes da União, seis representantes dos Estados e do Distrito Federal e kais seis representantes dos municípios.
Deste trecho saiu o primeiro veto, retirando do CNSOA a participação de representantes de entidades da sociedade civil – Confederação Nacional da Indústria (CNI), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), da Confederação Nacional de Serviços (CNS), da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
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“Apesar de a justificativa de que o veto se deu devido ao risco de exposição de informações financeiras de terceiros, acredito que a participação da sociedade civil seria oportuna, uma vez que é ela que vivencia o tema diariamente e que, portanto, pode contribuir ricamente com o Comitê”, diz Valio.
Além disso, o prazo máximo de criação do CNSOA, antes estipulado em 90 dias, foi retirado do texto, o que compromete a celeridade do processo. “Nenhuma das medidas será implementada ou sequer discutida sem o comitê, que agora não tem mais previsão de criação”, analisa o advogado tributarista Leandro Canarim, do escritório Castro Barros.
Sob a justificativa de que a implementação de três dos principais documentos que também haviam sido idealizados inicialmente pela lei poderia, na verdade, encarecer os custos no cumprimento das obrigações tributárias, “devido à necessidade de evoluir sistemas e aculturar a sociedade a novas obrigações”, o governo vetou a criação da Nota Fiscal Brasil Eletrônica, Declaração Fiscal Digital Brasil e do Registro Cadastral Unificado. Entenda a proposta de cada um deles a seguir.
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A Nota Fiscal Brasil Eletrônica buscaria reunir todas as notas fiscais que uma empresa precisa emitir, seja a nota do consumidor, a de serviços ou outros tipos, em apenas um tipo.
“Em termos estaduais, a Nota Fiscal Eletrônica é um sistema unificado que todos os estados utilizam, mas em âmbito municipal, isso ainda é descentralizado – ponto que a Nota Fiscal Brasil Eletrônica endereçaria”, explica Lorena Lopes, advogada especialista do Castro Barros.
A Declaração Fiscal Digital Brasil reuniria as declarações fiscais que as empresas precisam fazer às secretarias de Fazenda ou Finanças dos Estados e municípios, com exceção da Declaração de Imposto de Renda e a declaração para o cálculo do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
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“Hoje existe a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), a Escrituração Contábil Fiscal (ECF), e outras obrigações acessórias que as empresas são obrigadas a preencher, declarando seus custos e receitas. Não se sabe ao certo se essas declarações seriam extintas com a Declaração Fiscal Digital Brasil porque o texto não citava estes nomes, mas imaginamos que seja algo nesse sentido, mas que ficou de fora”, explica Rodrigo Minhoto, advogado especialista em direito tributário do FCR Law.
Atualmente as informações contábeis de uma empresa são inseridas no SPED, o Sistema Público de Escrituração Digital, da Receita Federal, que une informações que ficam dispostas para o estado e para a União, mas não para os municípios, que requerem o preenchimento das mesmas informações em outras declarações, como a Declaração Eletrônica de Serviços.
Já no âmbito do Registro Cadastral Unificado, a intenção seria utilizar o CNPJ como número de identificação de uma empresa em nível municipal e estadual, extinguindo as atuais Inscrição Municipal e Inscrição estadual.
“Aqui entendo que a matéria precisa de mais discussão, para que não se crie uma disputa entre estados sobre a titularidade da localização de uma empresa que tem filiais, por exemplo.”, aponta Lorena Lopes, advogada especialista do Castro Barros.
Tramitação
A tramitação da lei complementar foi considerada rápida por especialistas se comparada com o padrão no Brasil, o que pode ter relação com o momento de debate em torno da simplificação de burocracias no âmbito da Reforma Tributária.
“É um texto de 2021 que já foi sancionado, o que atesta a velocidade da sua tramitação – e vem muito consoante com o debate da Reforma Tributária no Brasil, de simplificação do sistema tributário no país. E isso é sempre positivo, mesmo que neste momento falemos apenas de intenções.”, completa Rodrigo Minhoto.
O Senado e a Câmara, em sessão conjunta, têm 30 dias para deliberar sobre os vetos promovidos pelo Presidente Lula na Lei Complementar 199, prazo que deve ser encerrado em 4 de setembro. Neste processo, é possível que alguns vetos sejam derrubados.
Para o secretário-geral da Frente pelo Brasil Competitivo, composta por 206 parlamentares, o deputado Julio Lopes (PP-RJ), a justificativa do governo para vetar a criação dos documentos principais, como a nota fiscal unificada, não se sustenta.
“Se a gente não tem dinheiro para criar uma nota fiscal única, que, inclusive, precede a reforma tributária, num momento de simplificação, como a gente vai fazer o resto da reforma?”, questionou, em referência à implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual que será criado caso a mudança na tributação sobre o consumo seja promulgada pelo Congresso – a reforma passou na Câmara e agora está no Senado.
Ainda assim, a falta de consequências práticas da legislação sancionada por causa dos 11 vetos incomodou deputados e senadores de duas das maiores frentes parlamentares do Congresso, que viram influência da Receita Federal na derrubada dos dispositivos.
O autor da proposta, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), já se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e indicou a tendência do Congresso de reverter a decisão de Lula.
“A sanção é motivo de celebração e manteve a essência do projeto, seguindo na linha da desburocratização e simplificação de procedimentos. A lei retira dos ombros do empreendedor o encargo de estar produzindo dezenas de formulários ao final do mês. Os vetos vieram principalmente na parte que encaminhará a implementação da lei e aí é o nosso questionamento e o que nos levará a lutar pela derrubada dos vetos”, disse Efraim ao Broadcast.
Na contramão dos parlamentares, os servidores da Receita consideram os vetos como acertos por se tratar de uma regra que “invade iniciativas privativas do Executivo, e que não observou cautelas necessárias em sua elaboração pelo Congresso”, como disse em nota o Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal).
“Os vetos do presidente Lula, principalmente a esses dispositivos, auxiliam na preservação da independência decisória dos agentes públicos e da moralidade pública, algo essencial para a construção de um Estado democrático e menos desigual”, observa a entidade.
(Com informações do Estadão Conteúdo)