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SÃO PAULO — Enquanto tenta sair da recuperação judicial, o Grupo Itapemirim tirou do papel um antigo projeto: exportar a imensa experiência no transporte rodoviário para os ares, literalmente. A ITA Transportes Aéreos, mais nova companhia aérea brasileira, fez seu voo inaugural há quase dois meses — o plano de voo foi readequado à nova realidade imposta pela pandemia de coronavírus ao setor e, até então, as operações seguem sem muita turbulência, mas o céu não é de brigadeiro.
Em 29 de junho de 2021, o voo inaugural da companhia, que reuniu apenas convidados, fez o trajeto de São Paulo-Guarulhos (SP) – Brasília (DF). Em 1 de julho, o início das operações comerciais se deu com o voo com passageiros no trajeto São Paulo-Guarulhos (SP) – Belo Horizonte-Confins (MG).
As vendas de passagens começaram em 21 de maio para 13 destinos nacionais: São Paulo-Guarulhos (SP), Brasília (DF), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Porto Seguro (BA), Salvador (BA), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Florianópolis (SC), Maceió (AL), Natal (RN) e Recife (PE). Por ora, os trechos são feitos em cinco aeronaves.
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A empresa não abre o tíquete-médio dos bilhetes, mas o valor por enquanto é baixo porque estão sendo praticados preços promocionais de lançamento. Em seu primeiro mês de operação, a ITA realizou 423 voos, com mais de 38 mil passageiros transportados. Até o momento, já são mais de 60 mil passageiros.
A convite da ITA, o InfoMoney embarcou no voo inaugural de São Paulo-Guarulhos (SP) a Natal (RN), em 1 de agosto, junto com o presidente da companhia, Adalberto Bogsan. Ele concedeu uma entrevista exclusiva, na qual falou sobre a trajetória do grupo até chegar ao transporte aéreo de passageiros, os desafios e onde a empresa pretende chegar — a abertura de capital não está descartada.
Em meados de agosto, uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo revelou que o Sindicato Nacional dos Aeronautas convocou uma reunião para discutir a situação dos trabalhadores da ITA, que relataram, entre outras coisas, atrasos no pagamento do salário e de benefícios, além da falta de comunicação interna.
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O InfoMoney procurou a ITA para comentar o assunto. Em nota, ela disse que todos os salários dos colaboradores estão em dia. “Em uma ocorrência neste mês de agosto de 2021, a empresa tentou centralizar os pagamentos em único banco. No entanto, um problema técnico impediu essa operação, sendo que todos os funcionários foram devidamente informados da questão (…). A ITA reitera que os últimos pagamentos foram feitos em 10 de agosto de 2021.”
A companhia afirmou ainda que já conta com mais de 600 colaboradores e que tem contratado tripulantes desde 2020, quando ainda estava em formação e em processo de certificação pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
“Todos os tripulantes recebem seus salários fixos desde então, antes mesmo do início das operações comerciais em 1 de julho de 2021. O compromisso da ITA com a empregabilidade e a qualidade do atendimento dos seus funcionários é fundamental, desde o processo de formação da companhia. A partir do momento que entram em escala de voos, passam a receber a remuneração variável”, escreveu.
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Sobre a recuperação judicial, a ITA Transportes Aéreos disse que não faz parte do processo, que está “estritamente ligado” à Viação Itapemirim. “Vale ressaltar que os pagamentos da recuperação judicial estão em dia e, em 24 de maio de 2021, o Grupo Itapemirim protocolou petição solicitando a saída da recuperação judicial”, completou.
Até o momento, não houve uma resposta por parte dos credores e da Justiça sobre o fim da recuperação judicial da companhia. Uma reportagem do jornal Valor Econômico no mês passado apontou que três credores da viação alegavam falta de pagamento, o que impede o grupo de aceitar o fim da RJ, embora a Itapemirim afirme que as contas estão todas em dia. Os credores também questionam o uso do dinheiro da venda de imóveis na RJ para investimento no braço aéreo.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva do presidente da ITA Transportes Aéreos, Adalberto Bogsan, ao InfoMoney.
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InfoMoney: Com tradição no setor rodoviário, como o Grupo Itapemirim chegou ao transporte aéreo de passageiros?
Adalberto Bogsan: É uma empresa que tem tradição no setor rodoviário há 69 anos. Na década de 1980, o Grupo Itapemirim teve uma empresa cargueira, para fazer distribuição de cargas com avião [Boeing] 727 e aviões Gran Caravan, na época. Eles interromperam essa operação porque entraram numa situação financeira crítica. Foi quando o Sr. Sidnei Piva comprou a empresa do Sr. Camilo Cola.
Quando ele comprou a empresa, já olhando as oportunidades que existiam no mercado, não só no rodoviário, mas também no transporte de cargas e toda a situação da companhia, ele montou uma estratégia de recuperação, que inclusive culminou no fato de a empresa entrar em recuperação judicial. Era justamente para trazer novas receitas, aproveitando oportunidades.
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Uma das oportunidades era realmente o transporte de passageiros via [transporte] aéreo, para que impulsionasse o Grupo de forma que conseguisse alavancar a empresa e tirá-la da situação financeira ruim que ela estava na época. Foi quando se começou a estudar dentro do Grupo Itapemirim a opção de ter uma companhia aérea, para passageiros.
Esse estudo começou em 2017, só que naquele ano houve algumas situações que não fizeram essa ideia de aéreo da empresa progredir, principalmente situações econômicas do próprio país. Houve um retardo do projeto. Quando foi no ano passado, retomamos o estudo do aéreo. Começamos a desenhar uma empresa para entrar no mercado de forma agressiva, com uma quantidade de aviões e destinos grande.
IM: E por que neste momento, num ano tão difícil para a aviação global?
AB: Pois é, na pandemia. Era para a empresa começar a voar em março [de 2021], e isso foi retardado. Toda vez que você tem um projeto, você tem um budget para isso. E, conforme você vai atrasando esse projeto, ele vai encarecendo. Muitas vezes até dobra de preço, dependendo do tamanho do projeto. Você já tem sistemas contratados, funcionários, tudo isso gera custos, mas sem receita.
Quando foi em maio de 2021, a gente fez uma nova avaliação do mercado e decidimos uma nova data de início das operações, em 1 de julho. A gente já via o mercado com uma possível retomada. Não só o mercado de aviação, mas outros setores também, o turismo, o corporativo estava voltando. Então, a gente começou a olhar essa situação de retomada como uma oportunidade.
A gente tinha que começar a nossa companhia no mesmo patamar das outras. As outras aéreas reduziram seus tamanhos por falta de demanda. Estavam naquele momento quase que no base line delas. E a gente começando a empresa junto nessa situação, conforme o mercado for retomando, a gente se beneficia dessa retomada.
Eles, claro, têm a vantagem de já terem seus aviões. A gente está trazendo os nossos. Mas nossa ideia era conseguir entrar nos mercados principais já com uma expressão grande, não só pela marca, que já é conhecida pelo público, em função da grande quantidade de destinos atendidos no rodoviário. E então começamos a Itapemirim no transporte aéreo de passageiros, atendendo inicialmente oito cidades. Já ampliamos posteriormente mais cinco cidades. E a ideia é chegar ao fim do ano com 22 cidades.
IM: E qual o plano de crescimento?
AB: Na virada do ano, até o meio de 2022, ou seja, quando a gente completar um ano de operação, serão 35 cidades atendidas pelos nossos planos de crescimento. O que a gente olha hoje? A gente olha quais são os mercados que a gente vai conseguir entrar, mas isso também depende muito do que vai acontecer com a demanda. Ela que vai dizer se vale a pena ou não colocar mais oferta.
Hoje a gente tem praticamente uma frequência por dia para cada cidade que a gente está atendendo. A ideia é aumentar essa frequência para cada cidade, estruturar o mercado olhando a Itapemirim como uma empresa de transporte aéreo de passageiros e inclusive de cargas.
A gente também já está olhando o mercado de cargas. Mas não como cargueira e sim como uma empresa que aproveita seus porões dos aviões de passageiros para transportar também produtos de alto valor agregado.
IM: De onde veio o dinheiro que o Grupo Itapemirim investiu na ITA Transportes Aéreos?
AB: É recurso próprio do Grupo Itapemirim. Parte desse recurso veio de vendas de imóveis que existiam no Grupo, não só para trazer para dentro da recuperação e pagar seus credores, mas também para estruturar a empresa aérea.
Para você ter uma ideia, nos 30 primeiros dias de operação, a gente transportou mais de 30 mil passageiros. Mais de mil passageiros por dia. Temos uma taxa de ocupação média de 71% nos nossos voos. Isso traz estabilidade e um caixa para a empresa já robusto por mês.
Nossa projeção é em novembro já atingir o breakeven [ponto de equilíbrio, quando a operação cobre os custos] da empresa e começar a trazer recursos para dentro, pagando o projeto, começando a vir o payback do projeto como um todo.
IM: O Sr. disse que a intenção inicial era começar grande e, por causa da pandemia, isso foi ajustado. Como ficou?
AB: A ideia era começar com 10 aeronaves, que atendessem praticamente 30 destinos. Tivemos que repensar a empresa em volume de cidades e aeronaves em função da demanda que a gente tinha. A gente teve que replanejar a nossa malha em função de toda essa situação [causada pela pandemia].
Nós tínhamos em vista 10 aeronaves, mas tivemos uma grande dificuldade de trazê-las ao Brasil em função da pandemia, porque a gente tinha fronteiras fechadas, pilotos que precisavam fazer quarentena, tudo isso dificultou bastante a chegada dessas aeronaves.
Hoje temos cinco aviões no país. Três estão sendo pintados e inspecionados e logo virão, mas são [Airbus] a319, e não a320, são aeronaves um pouquinho menores do que as que a gente tem hoje. Mas elas vão ter as mesmas configurações e o mesmo distanciamento [entre as poltronas] que temos hoje.
Compramos alguns aviões da Turkish Airlines, dois da Indigo Airlines e uma que veio de Portugal, se não me engano que pertencia à Portugalia Airlines.
IM: Ter aeronaves de diferentes tamanhos pode ser uma vantagem competitiva, e uma concorrente de vocês aproveita bastante isso, a Azul, mas também exige uma complexidade operacional maior. Como vocês lidam com isso?
AB: Você consegue atender mercados onde você tem uma demanda menor do que aquela que você tem, por exemplo, pelo a320. Você atende mercados que têm demanda menor, mas frequente. O avião tem um menor custo operacional para a companhia também.
Nós vamos crescer o mercado reginal. A Azul tem o mercado dela e está crescendo. Ela tem o mercado regional hoje muito expressivo que faz alimentação para ela, isso é muito bacana. Mas a gente vai trazer para a ITA um novo público, a gente olha muito a diversidade de modais, por exemplo.
Trabalhar com aéreo e integrar com o modal rodoviário, é isso que a gente tem buscado. Estamos trabalhando com vários aeroportos, estamos em estudo, para fazer essa integração [entre avião e ônibus] dentro do próprio aeroporto, para que a pessoa não precise sair do aeroporto e ir a uma rodoviária para pegar o ônibus. Temos uma forma de fazer o combo.
Você compra passagem saindo de uma cidade onde não há oferta de aéreo, mas a pessoa vai até lá de ônibus. Entra no avião e esse avião vai até uma outra cidade, onde a pessoa consegue pegar um ônibus e ir até seu destino final. Você compra isso tudo dentro de um pacote só e não separadamente.
IM: Todos os aviões da ITA hoje foram comprados de outras companhias aéreas, não são novos. A composição é confortável e o espaçamento entre os assentos é maior, o que também reduz o potencial de ganho por voo.
A empresa não teme cometer o mesmo erro que outras companhias aéreas cometeram no passado de oferecer mais conforto e comodidade sangrando as receitas com tarifas?
AB: A ITA é uma companhia aérea que tem como foco principal o atendimento de excelência ao cliente. Entendemos que oferecendo o melhor serviço, a preços competitivos, o brasileiro, que está retomando o seu interesse pelo turismo regional, terá a opção de fazer a melhor escolha.
Acreditamos na democratização dos serviços aéreos no Brasil e estamos investindo nesse conceito. Além disso, a experiência de 68 anos no transporte de passageiros também credencia a empresa a escolher caminhos mais arrojados e inovadores para a realização da sua operação aérea.
O Grupo Itapemirim, que já transporta quase 3 milhões de pessoas, tem capilaridade em 19 estados e 2.700 cidades brasileiras. Este é um mercado já consolidado, que nos permite avançar para integração de modais em médio prazo.
Todas as aeronaves passaram por uma revisão completa antes de entrar em operação no Brasil, o que garante os altos padrões de segurança exigidos pelas autoridades aeronáuticas do país.
IM: A chegada da ITA provocou uma queda momentânea nos preços de passagens aéreas para fazer frente aos valores promocionais da nova companhia.
Mas esses valores não são lucrativos para a ITA, certo? Vai haver reajuste depois do período de estreia e de colocação no mercado?
AB: Hoje os passageiros da ITA têm passagens a preços mais acessíveis, mas é um preço de degustação, digamos. Conforme esse mercado vai crescendo, nós vamos colocando nossa tarifa num patamar onde realmente é o patamar que vamos trabalhar. Não é um patamar muito diferente das outras [companhias aéreas].
Temos um trabalho para diferenciar nossa companhia em termos de serviço de bordo e outras coisas. Nós temos também que trazer isso para dentro do valor do tíquete. Não adianta a gente falar que vamos ser uma low cost. Não é esse o objetivo da ITA. A ITA vai ter um preço justo e vai oferecer alguma coisa em troca com esse tipo de serviço.
O público que vai buscar a ITA vai buscar um avião com espaçamento maior, um serviço diferenciado a bordo. É isso que a gente tem olhado. Queremos oferecer não só para o B2B, mas também ao B2C, ao passageiro que vai vir para a ITA quando a gente tiver o serviço de bordo liberado, será diferenciado.
IM: Qual a dificuldade que vocês encontram para obter slots nos aeroportos?
AB: Existe dificuldade porque grande parte dos aeroportos no Brasil hoje já têm seus espaços tomados. Nós estamos fazendo pedidos de novos slots. Tem, na verdade, uma condição de rever alguns aeroportos em função de alguns slots que já existem e a abertura de novos slots para novos entrantes.
Não só a SAC [Secretaria de Aviação Civil], como o DECEA [Departamento de Controle do Espaço Aéreo] e a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] estão revendo esses volumes de slots em vários aeroportos pelo Brasil, em função do aumento de demanda por número de voos por hora.
Um exemplo é Congonhas [em São Paulo]. Ele tem um número x de slots e estão querendo aumentar. Estamos olhando esse mercado para conseguir pegar esses slots para novos entrantes.
IM: Hoje nós temos a Azul já na Bolsa brasileira. Qual a possibilidade de no futuro a ITA abrir capital e ter ações negociadas na B3?
AB: Essa possibilidade existe sim, mas ainda é cedo para falar disso. A gente precisa maturar a empresa e mostrar realmente para o mercado que somos uma empresa madura, segura, com uma estrutura financeira realmente fortificada. Aí sim, podemos levar isso ao mercado e fazer um IPO para que o mercado possa realmente confiar naquilo que ele está olhando para poder comprar.
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Olhando para um horizonte de cinco anos, a gente já tem algumas coisas planejadas. Eu posso te falar que o nosso objetivo é chegar a mais de 100 destinos e, a partir de 2024, a gente estar também já com operação internacional, na América Latina.
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