Grupo Itapemirim acumula condenações por caos aéreo e perde aval para operar ônibus no país

Além da Justiça, clientes prejudicados podem procurar o Procon, que recebe reclamações e abre processos administrativos

Rogério Gentile

Aeronave da companhia aérea que deixou de operar em dezembro de 2021 (Reprodução/Itapemirim)

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A Itapemirim Transportes Aéreos (Ita) vem acumulando condenações na Justiça desde que paralisou sua operação, sem aviso prévio, no dia 17 de dezembro do ano passado, às vésperas do Natal, prejudicando milhares de passageiros.

Levantamento feito pelo Infomoney revela que apenas no Judiciário paulista a empresa já recebeu ao menos 100 sentenças determinando o pagamento de indenizações por danos morais e materiais, um valor apurado que já supera os R$ 600 mil reais.

Nesta quarta-feira (20), o braço rodoviário do grupo Itapemirim sofreu um revés. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) suspendeu todas as linhas de ônibus operadas pela empresa — no total, a companhia detinha 96 rotas. Por nota, a agência disse que a medida ocorre em virtude das dificuldades operacionais do grupo e visa dar segurança aos passageiros.

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A empresa aérea do grupo, de breve atuação em aeroportos do país, fez o seu voo inaugural em 29 de junho, decolando do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, com destino a Brasília, apenas seis meses antes de interromper suas atividades.

O Airbus A320 da primeira viagem levou 161 convidados que, na sala de embarque, ouviram um discurso do empresário Sidnei Piva de Jesus, presidente da empresa. Ele disse que o plano era atender 35 destinos em sua malha até junho de 2022 e que a Ita iria “colorir o céu do país” com seus aviões amarelos.

Segundo ele, a empresa representava “um novo jeito feliz de voar”. O voo número um teve, inclusive, uma apresentação surpresa para os convidados do humorista Diogo Portugal: “Em um show dentro do avião, a plateia não vai embora”, brincou.

Os sorrisos dos passageiros, no entanto, pouco duraram. Bem antes do fatídico 17 de dezembro, a empresa começou a passar por dificuldades, descumprindo horários e cancelando voos.

A administradora Havani Vitali contou à Justiça que comprou no site da empresa uma passagem para o dia 18 de agosto. Saindo do Rio de Janeiro, ela pretendia ir para Porto Alegre num voo que teria conexão em Curitiba. No dia do embarque, contudo, ao tentar fazer o check-in online, descobriu que a viagem fora alterada para dois dias depois.

A empresa, segundo Havani, não fizera qualquer tipo de aviso prévio e a jovem, que se preparava para sair de casa, tentou falar com a Ita, ouvindo que nada podia ser feito. Dois dias depois, quando novamente tentou fazer o check-in, descobriu que outras alterações haviam sido realizadas pela companhia aérea na programação, com novos horários e mais uma conexão — o voo passaria por São Paulo também.

“Descaso total”, disse à Justiça o advogado Daniel Aragão, que representa a administradora. “Nada se compara ao cansaço, frustração e chateação ocasionados por uma falha na prestação dos serviços da Itapemirim. Havani contratou a empresa para levá-la no horário, mas, devido à falha da empresa, teve seu voo remarcado para aproximadamente 55 horas após o original.”

Ao se defender no processo, a Itapemirim afirmou que a passageira não havia apresentado “qualquer prova do abalo psíquico sofrido”. “Ainda que possa ter ocorrido eventual falha na prestação do serviço, o que se admite apenas em razão do amor ao debate, o dano moral precisa ser demonstrado por meio de um conjunto de provas.”

Na sentença em que condenou a Itapemirim a pagar uma indenização de R$ 5 mil por danos morais à passageira, o juiz Marco de Freitas disse que a conduta da companhia gerou um “estresse” que não combina com o conforto e a praticidade que Havani buscava ao comprar a passagem aérea.

Nas vésperas do Natal, com o anúncio da paralisação das atividades, o que era estresse virou um verdadeiro caos nos aeroportos, com filas intermináveis, protestos e passageiros sendo obrigados a dormir nos terminais. Muita gente que imaginava passar as festas do final de ano com familiares e amigos teve seus planos frustrados ou prejudicados.

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De acordo com dados da própria empresa enviados ao Procon-SP, 133 mil passageiros foram afetados no total. A Anac, que acabou suspendendo o certificado de operador aéreo da empresa, sem o qual a Itapemirim não pode operar, disse que 480 voos foram cancelados, considerando apenas os que estavam previstos para ocorrer até o dia 31 de dezembro.

A família Santos está entre as vítimas da Ita. Naquela sexta-feira, dia 17 de dezembro, o autônomo Rafael Santos planejava viajar de férias, às 17 horas, com a esposa e as filhas de São Paulo para Florianópolis — uma menina de 11 anos e um bebê de dois. Somente no aeroporto descobriu que o voo, previsto para durar uma hora, havia sido cancelado.

No processo aberto contra a companhia aérea, ele disse que ficou desesperado com a situação, ainda mais porque não havia no local nenhum funcionário para explicar o que estava ocorrendo e apresentar alguma alternativa. Sem saber muito o que fazer, cansado de esperar, correu para a rodoviária e comprou passagens de ônibus para não perder as férias.

A família foi obrigada a gastar mais um valor que não estava previsto e ainda teve de enfrentar uma viagem de 10 horas até Florianópolis. Chegou apenas às 8h30 do dia seguinte.

A empresa área não apresentou defesa no processo e foi condenada pelo juiz Alexandre Alves a pagar uma indenização por danos morais e materiais de R$ 8.678,20. “A empresa sequer ofereceu acomodação em hotel e refeição, o que minimizaria em parte o sofrimento do autor [do processo], afirmou o magistrado na decisão.

As amigas Rafaela Bueno, Letícia Gasbarro, Vanessa Gonçalves e Maria Moreno também recorreram à Justiça em razão dos transtornos que sofreram ao adquirir passagens aéreas da Ita (São Paulo- Recife).
A viagem havia sido programada com muita antecedência, tanto que os bilhetes tinham sido comprados em agosto. Além do voo, elas reservaram um pacote de Réveillon em um hotel da cidade.

“Fomos vítimas do descaso e da diferença”, afirmaram à Justiça, ressaltando que não receberam nem mesmo um e-mail da empresa sobre o cancelamento. “Soubemos pela TV e redes sociais.” Para não perderem as férias, acabaram adquirindo passagens em outra companhia aérea, em cima da hora, pagando valores muito superiores.

Na sentença em que condenou a Ita a pagar uma indenização de cerca de R$ 30 mil às passageiras, o juiz afirmou que não há no processo “indícios mínimos de que a ré [a Itapemirim] tenha fornecido qualquer espécie de auxílio material às requerentes ou que tenha lhes cientificado a respeito do cancelamento do voo”.

A Itapemirim, repetindo uma praxe de quase todos os processos analisados pelo Infomoney, não apresentou defesa à Justiça.

Ônibus do Grupo Itapemirim (Divulgação/Itapemirim)

Grupo Itapemirim

A companhia aérea faz parte do Grupo Itapemirim, fundado em 1953 por Camilo Cola na cidade de Cachoeira do Itapemirim, no Espírito Santo. A empresa, que operava no início com apenas 16 ônibus, chegou a ser a maior do setor de transporte rodoviário do país. No auge, tinha 1.700 ônibus, atuando em 22 estados.

Famosa pelos veículos amarelos, a Itapemirim sempre foi considerada pelo mercado como uma empresa inovadora. Introduziu no país, por exemplo, o terceiro eixo nos ônibus rodoviários, de modo a aumentar a capacidade de transporte e dispor de bagageiros maiores.

Lançou também o Cinebus, primeiro no Brasil com telão de 48 polegadas para a exibição de filmes durante as viagens, assim como a revista de bordo “Na Poltrona”.

Em peças publicitárias nos anos 1970, a Itapemirim chamava seus veículos de “motéis de primeira classe que andam”, em referência ao alegado conforto de suas viagens. Na época, o termo “motel” tinha outra conotação, representando uma hospedaria de beira de estrada, e não um local para encontros íntimos.

Nos anos 2000, porém, o grupo rodoviário começou a enfrentar dificuldades em razão do que chamou de “quadro de recessão mundial”. Situação que afirmou em documentos ter sido agravada pelos incentivos oficiais ao setor aéreo, que ocasionaram uma redução drástica das tarifas de passagens de aviões.

Os estímulos do governo ao transporte aéreo acabaram tirando passageiros das rodovias. Entre 2005 e 2013, as empresas de ônibus perderam 7,1 milhões de usuários, de acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres.

Em 2016, sem conseguir pagar fornecedores, com dívidas estimadas à época em R$ 300 milhões, a Itapemirim pediu recuperação judicial, mecanismo por meio do qual a Justiça suspende por 180 dias as ações de execução contra uma empresa. Depois desse prazo, a Itapemirim apresentou um plano de pagamento aos credores, que ainda não foi concluído.

Foi nesse contexto de crise, descrito em dado momento como “grave” pela administradora judicial responsável pela gestão do plano de recuperação, que o empresário Sidnei Piva, que havia comprado a empresa rodoviária em 2016, anunciou em fevereiro de 2020 a criação da Ita, a companhia aérea. O comunicado foi feito durante uma viagem na qual integrou a comitiva do governador João Doria (PSDB) ao Oriente Médio.

O Ministério Público suspeita que Piva tenha se apropriado de valores da Itapemirim, pelo menos desde agosto de 2020, para lançar a Ita, em uma operação que pode ter prejudicado os credores da recuperação judicial.

“Há indício de crimes falimentares, estelionatos, lavagem de dinheiro e possível organização criminosa”, afirmou a juíza Luciana Menezes Scorza em um processo que analisa o caso. “Os valores desviados são milionários”, disse, citando a quantia de cerca de R$ 30 milhões.

Na semana passada, o grupo Itapemirim disse à Justiça ter vendido a sua companhia aérea para a empresa Baufaker Consulting. Afirmou também que os R$ 30 milhões “que teriam sido transferidos do caixa da empresa de ônibus para a aérea” seriam devolvidos e utilizados para o pagamento dos credores.

Após o anúncio, em 18 de março, o juiz João de Oliveira Rodrigues Filho disse que não havia nos autos nenhum documento comprovando a efetiva realização do negócio. Por precaução, determinou o bloqueio dos bens de Piva e de todas as empresas abertas pelo empresário no curso do processo de recuperação judicial. O objetivo, afirmou, seria evitar uma eventual dilapidação do patrimônio do grupo Itapemirim em prejuízo dos credores.

Procurado pelo Infomoney, o grupo Itapemirim não quis se manifestar na reportagem.

Além da Justiça, as pessoas que se sentiram prejudicadas pela companhia aérea podem procurar o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor), que recebe reclamações e abre processos administrativos. Em março, no Rio de Janeiro, o Procon aplicou uma multa de R$ 468 mil por prática abusiva e falha na prestação de serviço e no dever de informação.

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