Pode Simandou ser uma pedra (ou uma mina inteira) no caminho da Vale (VALE3)?

Entrada de operação de mina na Guiné pode impactar prêmios da Vale no longo prazo mas não pesa no valuation atualmente

Vitor Azevedo

Mineração da Vale em Minas Gerais (Mario Tama/Getty Images)
Mineração da Vale em Minas Gerais (Mario Tama/Getty Images)

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Há algum tempo, a entrada da operação da mina de Simandou começou a aparecer em algumas projeções de oferta de minério de analistas do setor e o ativo, que fica na Guiné, tem potencial de interferir nas teses de mais longo prazo para a Vale (VALE3).

Especialistas da Wood Mackenzie, em entrevista ao InfoMoney, afirmaram ver a mina colocando até 120 milhões de toneladas no mercado por ano até 2027. Eles alegaram que já é possível, hoje em dia, ver uma movimentação considerável de construções na área onde ela se encontra.

Se a quantidade já não fosse relevante, a commodity proveniente do país africano tem uma altíssima qualidade, algo similar àquilo que a Vale extrai de Carajás. Isso ao mesmo tempo, a Vale vem há algum tempo afirmando que pretende se tornar referência em minério limpo.

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“Para que ir atrás de 400 milhões de toneladas se estamos ganhando mais dinheiro com menos?”, indagou o diretor executivo (CEO) da companhia, Eduardo Bartolomeo, no último Vale Day.

“Estamos enfrentando uma transformação única no mercado siderúrgico. Temos a única solução na frente de minério de ferro no mercado, que pode atender essas necessidades”, afirmou Marcello Spinelli, vice-presidente Executivo de Ferrosos, na mesma ocasião. “Ninguém está atendendo a demanda por minério de mais alta qualidade, mais limpo. Nossos clientes precisam descarbonizar, mas há dificuldade em realizar essa meta”.

Como curiosidade, os analistas da Wood Mackenzie explicaram que o minério de Simandou provém de um contexto geológico semelhante ao de Carajás. Portanto, as características físicas e químicas de ambos os projetos são, até um certo ponto, comparáveis.

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Indo além, a Vale já teve ligações com a mina africana. Por um bom tempo, a companhia brasileira tentou explorar o ativo junto do bilionário israelense Beny Steinmetz. A tentativa, no entanto, se tornou um imbróglio após o parceiro da companhia ser acusado por autoridades de se envolver em escândalos de corrupção com o ex-presidente da Guiné, Lansana Conté, na tentativa de conseguir a concessão de exploração e acabou caindo por terra.

Entrada de oferta pode prejudicar prêmios da Vale

A questão é que a entrada de uma oferta de uma commodity de qualidade à da Vale semelhante pode, no futuro, diminuir prêmios do minério mais limpo da mineradora. Tanto a commodity de Carajás quanto a de Simandou tem teores acima dos 65%.

“Essa mina entrando como caso base claramente é um fator significativo para equilíbrio de preço maior do que vemos hoje para o minério de ferro. Pensando em uma relação de oferta e demanda, quanto mais competidores, menos poder de mercado. A Vale quer chegar a 240 milhões de toneladas no Sistema Norte. Se os 120 milhões de Simandou saírem do papel, será um volume significativo e pode diminuir o poder de barganha, o spread”, falou Paulo Azevedo, da Wood Mackenzie.

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“Em oferta e demanda, temos hoje um mercado balanceado. Com a entrada de Simandou, é possível que para o médio e longo prazo nos moveremos para um mercado over supply, com excesso de oferta”, completou Cícero Prado Machado, da mesma casa.

A Vale, para a empresa de pesquisa e consultoria, já está consciente do fato e vem segurando seu aumento de produção em parte por conta disso. A mineradora, em 2022, revisou seus guidances, jogando-os para baixo.

O analista do Itaú BBA, Daniel Sasson, tem visão parecida. Segundo ele, desde que a China entrou na jogada de Simandou, em meados de 2020, houve mudanças no cenário.

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“O projeto de Simandou, para quem cobre o setor, parecia aqueles projetos brasileiros que a gente escutava desde criança e que não saíam do papel, algo como uma transposição do São Francisco ou a Transnordestina”, afirma Sasson. “Desde que uma das maiores mineradoras entrou no consórcio, no entanto, muita gente passou a acreditar. A China, nós sabemos, tem uma capacidade grande de realização”.

Ele pontua que a política da Guiné, que traz consigo a instabilidade vista em muitos países africanos, e o investimento necessário para desenvolver a logística necessária na extração, de cerca de US$ 15 bilhões, são fatores a se monitorar.

“Avalia que [o projeto] vai sair e os especialistas estão gradativamente colocando esse projeto nos modelos de oferta e demanda. Talvez a única questão que siga desconhecida seja o momento de entrada. Inicialmente se falava em 2024, 2025, agora eu já acho que é um negócio mais para 2026”, explica.

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“Se a Vale hoje tem uma vantagem competitiva contra os maiores players do mundo – as australianas – no que tange a qualidade, ela vai ter uma competição com um novo entrante de qualidade tão boa quanto a sua”, fala o analista.

Sasson, no entanto, expõe que ainda é necessário ter maiores elucidações sobre Simandou. O custo de operação da mina, o de transporte, com uma ferrovia de quase 700 quilômetros necessária para o escoamento, e o frete transoceânico são questões a serem monitoradas.

“Para chegar na China da Guiné tem que passar por toda a parte de baixo da África. Não me parece nem tão perto do porto de Santos, por exemplo. Há questões importantes a serem solucionadas”, indaga. “Mas que a credibilidade do projeto aumentou nos últimos trimestres e que é uma ameaça para a sustentabilidade do prêmio da Vale no minério de maior qualidade, acho que isso não dá mais para negar”.

Por enquanto, no entanto, a provável nova concorrente não aparece nos valuations da Vale. O especialista do BBA expõe que companhias como a mineradora acabam sendo foco dos investidores institucionais mais no curto e médio prazo, em grande por conta de toda a oscilação do mercado de minério.

“Há maior preocupação do mercado com o que vai acontecer com os resultados da Vale no segundo semestre deste ano do que em 2026 ou 2027 e também com o que vai acontecer com a China. É um risco e está no radar, mas não acho vejo que o mercado coloque o preço do minério de ferro despencando em 2027 no modelo financeiro”, fecha.

A XP, em relatório divulgado em julho, destacou que, por enquanto, a entrada de operação não está no seu valuation para a Vale.

“De acordo com as últimas notícias, a infraestrutura portuária deve estar pronta entre o fim de 2024 e a produção comercial deve ser iniciada em 2026. No entanto, mantemos nossas visões conservadoras e não descartamos mudanças na timeline do projeto, o que já aconteceu nos últimos 15 anos”, avaliou.