Ucrânia, Rússia e Bitcoin: 5 vezes em que as criptos apareceram nos dois lados da guerra

Entre doações e fuga de sanções, os criptoativos ganharam um papel importante nos bastidores da guerra

Paulo Alves

(getty images)
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A crise humanitária, o temor de uma guerra mundial e os efeitos econômicos no globo não foram as únicas consequências até agora da invasão russa na Ucrânia. Para além do combate militar, os países envolvidos no conflito também travam uma batalha secundária nos bastidores: de qual nação usa mais (e melhor) as criptomoedas em meio à crise.

A Ucrânia parece levar a melhor até aqui nesse front. Na última semana, o país invadido realizou uma das campanhas de financiamento coletivo mais bem-sucedidas de todos os tempos, arrecadando mais de US$ 58 milhões em criptomoedas. O valor foi proveniente de mais de 100 mil doações individuais, segundo uma estimativa da agência de notícias Forklog.

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Além disso, especialistas começaram a aventar a possibilidade de os russos lançarem mão de criptos para driblar os efeitos das sanções econômicas, as maiores do tipo já impostas na história.

No centro desse campo de batalha está não só o Bitcoin (BTC), mas outras criptomoedas criadas com blockchain, uma tecnologia que permite realizar transferências sem intermediários, como bancos – tal qual os atingidos por mísseis de um lado, ou banidos do SWIFT do outro.

1. Come Back Alive e Pussy Riot

Desde antes de a guerra eclodir, forças de resistência ucranianas já começavam a levantar dinheiro por meio de criptomoedas.

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A organização sem fins lucrativos Come Back Alive, que apoia o exército ucraniano, disponibilizou endereços de criptomoedas para receber doações do mundo inteiro.

No primeiro dia do avanço das tropas russas pelo território da Ucrânia, a organização recebeu US$ 400 mil em uma janela de apenas 12 horas, segundo dados da casa de análise Elliptic.

Os valores dispararam à medida em que o conflito se intensificou. Ainda segundo informações da Elliptic, que rastreia os fluxos de criptomoedas via blockchain, as forças ucranianas receberam até esta semana mais de 195 BTC, o equivalente a cerca de US$ 8,5 milhões, apenas por meio do Come Back Alive.

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A iniciativa do Come Back Alive inspirou outros movimentos similares. Um deles foi encabeçado pelo coletivo de arte russo Pussy Riot, que ficou conhecido no mundo todo em 2012, quando três de suas integrantes foram presas após protestos contra o governo de Vladimir Putin.

O grupo criou a UkraineDAO, uma organização autônoma descentralizada (DAO), com membros anônimos, para angariar fundos para a Ucrânia. Nesta semana, a DAO já havia levantado 1.570 ETH (US$ 4,6 milhões). O coletivo também leiloou uma imagem da bandeira ucraniana em formato NFT para ajudar o país – o token não-fungível foi vendido por US$ 6,75 milhões.

2. Carteiras do Governo da Ucrânia

O governo da Ucrânia também aderiu às criptomoedas. No dia 26 de fevereiro, o vice-primeiro ministro e ministro de transformação digital do país, Mykhailo Fedorov, divulgou endereços de criptos para receber doações.

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Em poucos dias, as carteiras acumularam mais de US$ 10 milhões em Bitcoin e US$ 18 milhões em Ethereum (ETH).

O governo ucraniano também aceita repasses em Polkadot (DOT), Dogecoin (DOGE) e Tether (USDT), uma cripto pareada ao dólar.

As doações estão sendo distribuídas das carteiras digitais do governo, criadas pela exchange de criptomoedas Kuna, que tem sede em Kiev, para outras carteiras digitais antes de serem gastas, mostram dados da blockchain.

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“Estamos evacuando as pessoas, então estamos enviando dinheiro para comprar gasolina, comprar comida e água para as pessoas que estão evacuando. Estamos enviando algum dinheiro para os militares locais que podem comprar alguns suprimentos localmente”, disse o fundador da Kuna, Michael Chobanian, ao CoinDesk.

Segundo Chobanian, o governo também está usando os valores para comprar drones, óculos de visão noturna e gasolina para veículos militares. As decisões estariam sendo tomadas diretamente pelo Ministério da Defesa da Ucrânia.

3. Airdrop e NFT

O governo ucraniano logo resolveu explorar mais tecnologias cripto para estimular doações. A primeira ideia foi distribuir uma nova cripto de graça, em iniciativa conhecida no meio cripto como airdrop, para recompensar doadores. No entanto, o projeto foi cancelado após tentativa de fraudar a campanha.

Mais cedo no mesmo dia, parecia que um airdrop estava em andamento, mas mais tarde surgiram indícios de que poderia estar ocorrendo um movimento de “spoofing”, um tipo de fraude em que uma pessoa finge ser um contato ou empresa para conseguir dados ou se aproveitar de outras pessoas.

“Após cuidadosa análise, decidimos cancelar o airdrop. A cada dia há mais e mais pessoas dispostas a ajudar a Ucrânia a combater a agressão”, tuitou Fedorov na quinta-feira (3).

Possivelmente inspirado pelo leilão realizado pelo Pussy Riot, o ministro afirmou que, em breve, o governo da Ucrânia irá anunciar NFTs para apoiar as Forças Armadas Ucranianas.

4. Movimentações de políticos e oligarcas russos

Se na Ucrânia as criptomoedas são aliadas para receber doações do mundo inteiro de maneira mais ágil, na Rússia, a mesma tecnologia parece estar sendo aproveitada para tentar driblar os efeitos das sanções econômicas impostas ao país.

Paira a suspeita de que políticos e oligarcas russos tenham corrido para as criptomoedas como meio de escoar sua fortuna para longe do sistema financeiro tradicional em uma tentativa de impedir bloqueios.

Não há dados que provem que isso de fato tenha ocorrido, mas o governo ucraniano acredita que essa movimentação existe e, por isso, age para evitar que ela ocorra.

O país montou uma força-tarefa para identificar carteiras de criptomoedas ligadas a essas pessoas e pedir para que corretoras bloqueiem os endereços. A ideia é impedir que eles consigam converter suas criptos em dinheiro.

Segundo o advogado Artem Afian, que fez parte do grupo de trabalho que desenvolveu a lei sobre ativos virtuais na Ucrânia e agora está encarregado de reunir essas informações para o governo, o país já reuniu diversas carteiras que estariam ligadas a políticos russos.

“Nossa ideia é que os criminosos de guerra tentarão evitar sanções por meio de criptomoedas”, disse Afian em entrevista ao CoinDesk na semana passada.

A Ucrânia está estudando oferecer recompensa em Bitcoin para quem denunciar os endereços de criptos pertencentes a cidadãos ligados ao Kremlin.

Segundo Afian, o objetivo é criar uma lista para “ajudar todas as exchanges de criptomoedas do mundo a marcar esses políticos, suas famílias, parceiros, crianças”, e convencer empresas a “parar de trabalhar com os políticos, para eliminá-los do mundo das criptomoedas”.

5. Proteção contra derrocada do rublo

Os cidadãos russos comuns também estão de olho nas criptomoedas como um caminho para sobreviver às sanções. Nesse caso, já existem alguns números que apoiam a tese.

Segundo dados do provedor de pesquisa em criptomoedas Kaiko, o volume de Bitcoin denominado em rublo disparou para o maior nível em nove meses assim que os EUA e a Europa começaram a discutir a aplicação das sanções.

Após o banimento de bancos russos do SWIFT, as compras de Bitcoin provenientes de carteiras ligadas a russos também aumentaram consideravelmente.

De acordo com a consultoria especializada em ativos digitais Delphi Digital, a pista está no prêmio (preço a maior) pago pela criptomoeda no mercado russo, que chegou a ser de 40% em relação a outros mercados.

Por outro lado, o cenário mudou ao longo da semana, e logo se inverteu para deságio, com o Bitcoin operando abaixo do considerado como valor justo de mercado – ou seja, os russos passaram a vender a criptomoeda.

Coincidência ou não, a mudança de rumo entre os russos coincidiu com a queda de preço do ativo digital na última sexta-feira (4), para a região dos US$ 38 mil.

Especialistas evitam apontar causalidade entre os episódios, mas fica cada vez mais claro que as criptomoedas ganharam papel importante nos bastidores da guerra, independentemente do sobe e desce do preço do BTC.

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Paulo Alves

Editor de Criptomoedas