São Martinho (SMTO3), IRB (IRBR3), construtoras e frigoríficos: saiba quais empresas da Bolsa podem ser impactadas pelo El Niño

Fenômeno altera regimes de chuvas nas diferentes regiões do país, com potencial para impactar a produtividade das companhias

Mitchel Diniz

El Niño (Foto: Getty Images)
El Niño (Foto: Getty Images)

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No começo deste mês, o Centro de Previsões Climáticas dos EUA declarou que o El Niño oficialmente começou. Ainda não é possível prever sua intensidade. Mas, em episódios passados, os países mais expostos ao fenômeno viram suas economias encolherem em 0,6 ponto percentual. O aquecimento atípico de águas do pacífico muda as correntes atmosféricas, provocando intempéries climáticas radicais – chuvas intensas em inundações em algumas regiões, seca severa em outras.

O El Niño costuma ocorrer a cada seis anos e ter de seis meses a dois anos de duração. Diferentes instituições financeiras avaliam os possíveis impactos do fenômeno em diferentes setores da economia global. Algumas chegam a prever uma devastação sem precedentes, num momento em que o mundo ainda se recupera da pandemia de Covid-19, lida com a guerra na Ucrânia e uma escalada de tensões na Rússia.

Por aqui, o El Niño tende a elevar temperaturas entre o final do inverno e até o verão. Os níveis de chuva ficam abaixo da média no Norte e Nordeste do país, enquanto os volumes são maiores no Sul e no Centro-Oeste. Os analistas observam que isso pode beneficiar a produtividade das safras agrícolas, mas também pode acarretar em inundações, o que prejudica a lavoura.

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Nas regiões sudeste e centro-oeste do país, os impactos tendem a ser menos radicais.  As reservas de energia hidrelétrica estão concentradas nessas regiões – mais de 70% da capacidade total do país – podendo ser impactadas por um clima mais seco. Outros 17,7% estão concentrados no Nordeste.

“Desta vez, o El Niño deve ser muito pouco relevante para os preços de energia elétrica no mercado à vista, em nossa visão”, afirmam os analistas do Santander, citando o nível dos reservatórios do país, próximos de 90%.

“Ainda que as previsões de temperaturas mais elevadas e menos chuvas no sudeste estejam corretas, esperamos que os preços continuem nas mínimas para 2023 e 2024. Esperamos, no entanto, um potencial aumento no longo prazo”. Assim, o impacto para a indústria mais intensiva em energia tende a ser neutro durante a ocorrência do fenômeno.

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Fora do Brasil, o El Niño pode contribuir com a recuperação da safra de grãos da Argentina, após a seca histórica deste ano. Já para a safra de cana da Índia e Tailândia e de trigo, da Austrália, o evento pode ser adverso.

São Martinho (SMTO3) poderá se beneficiar com açúcar ainda mais caro

O Morgan Stanley avalia que o El Niño traz riscos adicionais de estoques de açúcar, em um mercado no qual os preços da matéria-prima estão elevados. “Os preços altos, acima das nossas expectativas, são resultado de um mercado apertado, com baixa produção e exportações da Índia não sendo totalmente compensadas pelo que é produzido no Brasil”, dizem os analistas.

A direção dos preços de açúcar depende das chuvas de monção na Índia, atrasadas em dias. Enquanto isso, a colheita de cana do Brasil está progredindo bem com a Coopersucar anunciando uma expectativa de crescimento de 27% nas vendas de açúcar e 12% na moagem de cana.

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Ainda assim, o Morgan tem avaliação underweight (exposição abaixo da média do mercado, ou equivalente à venda) para São Martinho, considerando que o desempenho das ações SMTO3 tem superado com folga o da Bolsa. O preço-alvo do Morgan para o papel é R$ 26.

guidance da companhia para 2024 veio abaixo do projetado pelo banco, o que deve ser totalmente compensado pelo alto preço da commodity. “Vemos estimativas sendo revisadas para cima mais adiante, dando forte apoio ao preço das ações”.

O JPMorgan, por sua vez, acredita que a tendência de preços elevados para o açúcar pode estar se esgotando. “Porém, questões estruturais de abastecimento no longo prazo permanecem, com maiores riscos do lado de oferta se o El Niño persistir ao longo de 2024”, escreveram os analistas.

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Impactos tendem a ser positivos para empresas de alimentos

Na avaliação do Santander, a BRF (BRFS3) tende a se beneficiar de preços de grãos potencialmente mais baixos no Brasil, que respondem a 50% do custo por produto vendido da empresa – chegando a 70% em aves.

“Observamos também que a BRF possui uma extensa presença localizada no sul do Brasil, o que reforça a visão de que a empresa pode capturar preços mais baixos”, diz o banco.

Para Minerva (BEEF3), o banco acredita que o El Niño pode aumentar a disponibilidade de cordeiros na Austrália com a elevação dos abates nos frigoríficos, uma vez que a produção de forragem e a disponibilidade de pasto podem ficar mais limitadas durante esses períodos. As condições climáticas provavelmente motivarão os pecuaristas a começar a reduzir seus rebanhos. “Assim, esperamos que a Minerva melhore a lucratividade na Austrália.”

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Na JBS, que tem operações de ovinos e bovinos na Austrália, também espera-se que o gado seja empurrado para abate. Assim, a empresa poderá apresentar resultados melhores em sua divisão australiana.

Para M. Dias Branco (MDIA3), o Santander acredita que as melhores safras de trigo na América do Sul podem superar o efeito da menor produtividade das safras dos EUA e Austrália. “Ainda podemos esperar que os preços sejam afetados por uma interrupção na produção nos EUA e na Austrália, mas isso deve ser mais limitado na América do Sul, com um potencial sólido de oferta regional.”

IRB (IRBR3): um nome negativamente exposto ao fenômeno climático

O Santander calcula que a seguradora deve ser a principal afetada negativamente entre as empresas do setor financeiro que o banco acompanha. “Os resultados foram severamente pressionados por recentes eventos climáticos na região sul do país, assim como em outros episódios do El Niño”, dizem os analistas. Assim, o fenômeno climático poderia atrasar o retorno da companhia à lucratividade.

O banco observa que o IRB precisou lidar com reivindicações atipicamente altas durante a ocorrência de fenômenos semelhantes entre 2021 e 2022, mesmo elevando seu índice de retrocessão (resultado da divisão entre sinistros retidos e prêmios ganhos) nesses períodos.

“Embora reconheçamos que o IRB reprecificou a maioria de seus prêmios recentemente. incorporando riscos de novos eventos climáticos, assim como sua exposição, ainda vemos riscos para o lucro da empresa”, diz o relatório do banco.

“A probabilidade de um novo El Niño é uma ameaça em potencial à recuperação da companhia, pois poderia levar a um novo aumento na taxa de sinistralidade”. Mesmo assim, o Santander acredita que a taxa de sinistralidade da companhia atingiu seu ponto de inflexão.

Recentemente, o banco elevou o preço-alvo de IRBR3, de R$ 24 para R$ 43, mantendo recomendação neutra, incorporando melhora na sinistralidade e retorno sobre patrimônio líquido (ROE).

Ainda que BB Seguridade (BBSE3) também tenha apresentado alta sinistralidade durante outros episódios do El Niño, o Santander ressalta que a atual política de resseguro da companhia para prêmios rurais mitiga o impacto de evento climáticos em seus resultados.

“Além disso, vemos a diversificação demográfica beneficiando BB Seguridade e reduzindo os impactos do El Niño sobre os resultados”.

A abrangência nacional também é um ponto positivo para Banco do Brasil (BBAS3), de acordo com o Santander. “Acreditamos que qualquer impacto do El Niño deve ser compensando entre regiões e não deve transbordar para inadimplência”, afirmam os analistas. Na avaliação do banco. a inadimplência do BB é estruturalmente baixa.

O BB é líder no financiamento do agronegócio no Brasil, com uma fatia de mais de 50% desse mercado. “O Banco do Brasil costuma conceder empréstimos agrícolas com seguro rural então a maior parte das lavouras está coberta”.

Rumo (RAIL3) e Hidrovias do Brasil (HBSA3)

Na avaliação do Santander, o El Niño pode ter dois tipos de efeito sobre as empresas de transporte e logístico. O primeiro, é caso um maior volume de chuvas ocorra na região Sudeste, afetando operações da Rumo no Porto de Santos, já que o custo do frete tende a ficar mais caro.  Além disso, a companhia pode ter dificuldades ao embarcar cargas em navios. Hidrovias do Brasil (HBSA3), por outro lado, pode ser impactada positivamente.

Ambas as companhias tendem a se beneficiar por uma maior produtividade da soja, caraterística de outros episódios do El Niño. A maior disponibilidade de grãos favorece o aumento de exportações. Mills (MILS3), Randon (RAPT4), Armac ([ativo=ARML3) e Vamos ([ativo=VAMO3]) também tendem a se beneficiar, com suas relevantes exposições ao agronegócio.

Problemas logísticos relacionados a excesso de chuvas poderiam também impactar o transporte de madeira e, consequentemente, operações de empresas de papel e celulose, como a Klabin (KLBN4) e Suzano ([ativo=SUZB4]). As altas temperaturas, por sua vez, aumentam os riscos de incêndios e a produtividade das florestas.

Contudo, o Santander ressalta que os impactos do El Niño nesse setor dependem de sua intensidade, tendo efeitos relevantes somente quando o fenômeno é classificado como forte ou extremamente forte.

Níveis anormais de chuva podem prejudicar o fluxo logístico normal da cadeia de suprimentos, afetando negativamente a produção da indústria automobilística. Isso poderia impactar o fornecimento de veículos para Localiza (RENT3), Movida (MOVI3), Vamos, Armac e Mills.

Construção, siderurgia e mineração

Para a produção de minério de ferro, as perspectivas são positivas. O cenário de escassez de chuva na porção norte do país é favorável à Vale, que concentra mais da metade de sua produção anual nessa região. Mas o Santander acredita que o El Niño terá impacto neutro nos preços da matéria-prima. As estimativas já apontavam para um aumento de produtividade por questões sazonais.

O banco também estima impacto neutro em outros metais. A forma como o fenômeno atinge a atividade de construção civil no sudeste do Brasil, vai determinar os reflexos nas siderúrgicas.

“Considerando que esperamos que os efeitos do El Niño no setor de construção civil sejam neutros a ligeiramente positivos, a demanda por aços longos no Brasil pode seguir esta tendência no curto e médio prazo  – o que é ligeiramente positivo para a Gerdau (GGBR4)”, diz o relatório.

Em caso de chuvas intensas, o El Niño pode ter impacto negativo na execução de obras, especialmente as que estão em estágio inicial. A demora na construção do empreendimento, por sua vez, pode impactar o reconhecimento de receitas.

Por estar 100% exposta à região sul do país, onde o excesso de chuvas é esperado, a Melnick (MELK3) poderia ser a mais afetada nesse sentido. Em 2022, a empresa foi responsável por 25% dos lançamentos da Even (EVEN3), que também seria impactada.

Moura Dubeux ([ativo=MDN3]), que está 100% focada exposta à região Nordeste, corre menos riscos e pode ser positivamente impactada por chuvas mais escassas, o que favorece o aumento da produtividade.

Para Cury (CURY3), Cyrela (CYRE3), Eztec (EZTC3), JHSF (JHSF3) e Tecnisa (TCSA3), o Santander não prevê impactos na produção, já que as operações dessas empresas estão focadas no sudeste do Brasil.

Já entre as companhias de maior diversidade geográfica, Tenda (TEND3) poderia ser mais afetada, por estar mais exposta às regiões Sul e Sudeste. Já Direcional (DIRR3), que está presente em Goiás e Distrito Federal, com cerca de 10% dos lançamentos, o impacto tende a ser limitado. O mesmo vale para MRV (MRVE3), cujas atividades são mais pulverizadas.

“Ressaltamos também que chuvas intensas podem prejudicar o desenvolvimento de obras de infraestrutura, como rodovias e ferrovias, impactando negativamente os cronogramas de investimentos da CCR, Ecorodovias e Rumo.”

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Mitchel Diniz

Repórter de Mercados