Primeiras leituras: Petrobras não registra perdas com o ‘petrolão’

A estatal não chegou a um acordo e está divulgando seu balanço do terceiro trimestre do ano passado sem contabilizar os prejuízos causados em suas contas pela maré de corrupção levantada pela Operação Lava-Jato.

José Marcio Mendonça

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Depois de mais de 12 horas de reunião – encerrada já no fim da noite de ontem, o que não deu tempo a muitos jornais de publicaram a notícia em sua primeira edição – o Conselho de Administração da Petrobrás decidiu não decidir: não aprovou o abatimento das perdas que a estatal teve com o petrolão calculados pela diretoria da estatal.

Com isso, a Petrobrás divulgou um balanço sem esse abatimento no inicio desta madrugada. Segundo informa o site do jornal “O Globo”, em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários, a empresa comunicou que não conseguiu determinar um critério para calcular o pagamento de propina, como estabelecer um percentual médio para somar as propinas pagas nos projetos que foram alvo de corrupção.

E que, por isso, vai buscar outros critérios que atendem às exigências da CVM e da SEC (a CVM americana) para calcular as baixas contábeis.

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Sem o registro dos prejuízos com o petrolão, a estatal registrou lucro de R$ 3,087 bilhões no terceiro trimestre do ano passado, uma queda de 28% em relação ao mesmo período do ano anterior. Entre janeiro e setembro, o ganho acumulado foi de R$ 13,4 bilhões, recuo de 22% ante o ano anterior.

Um lucro naturalmente fictício, pois os prejuízos com a corrupção nos últimos anos podem chegar, no limite, a perto de R$ 50 bilhões. Ainda ontem especialistas calculavam que a baixa contábil no terceiro trimestre do ano passado deveria ser de cerca de R$ 10 bilhões.

Para se sentir o pulso das reações internas e externas hoje, vale relembrar toda a novela.

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Oficialmente, o balanço deveria ter sido publicado até novembro, porém a divulgação foi suspensa, adiada para dezembro, depois que a auditora independente Pricewaterhouse recusou-se a assiná-lo. A PwC exigia, entre outras coisas, que a estatal fizesse constar de suas contas as perdas ocorridas com as falcatruas investigadas na Operação Lava-Jato.

Contudo, como a empresa tinha dificuldades para mensurar esses prejuízos, o que acaba de confessar, a publicação foi postergada para janeiro, na data de ontem. A Petrobrás resolveu dar publicidade a seus números relativos ao trimestre julho/agosto/setembro de 2015 mesmo sem o aval da auditoria.

Estancar a sangria

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A razão era mostrar – mesmo com a contabilização ainda que incompleta e sujeita a revisão de parte das perdas sofridas com o mensalão – que a situação financeira da empresa não é tão desesperadora como se pinta.

Era uma forma de estancar a sangria do seu valor na bolsa e tentar afastar o risco de redução ainda maior de seu crédito na praça – e até de cobrança antecipada de empréstimos. Os processos que ela enfrenta nos Estados Unidos são exponencialmente ameaçadores.

No limite, ela pode até sair do mercado lá. E já se registram dificuldades também na tomada de financiamentos.

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Como o prazo para o conhecimento da demonstração contábil expira dia 31, a empresa então, diante do impasse no Conselho de Administração ontem, não viu outra saída se não publicar o balanço “fictício” desta madrugada. Um claro remendo.

É difícil prever as consequências desta nova posição da companhia. Se ela já corria riscos na Justiça americana, mesmo se apresentasse um balanço com as perdas registradas, mas sem o aval da auditora independente, a situação agora fica mais grave. Os fundos abutres norte-americanos estavam esperando apenas o balanço oficial da companhia para uma ofensiva maior ainda sobre ela.

Além do mais, a indecisão de agora embaralha também a publicação da contabilidade do último trimestre e do balanço consolidado de ano passado. A única certeza que se pode ter é que o dia de hoje será muito nervoso no mercado financeiro.

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A decisão – ou não decisão – de ontem abalou sem dúvida ainda mais a credibilidade da empresa. E a confiança na capacidade da atual diretoria de conduzir a companhia.

O discurso de Dilma cumpriu

um de seus objetivos

O palco da reunião ministerial de ontem foi armado dar espaço para a presidente Dilma Rousseff mandar recados a dois públicos: um interno e outro externo, um discurso econômico e outro político. Os ministros presentes, pelo menos na parte aberta do encontro, quando a presidente fez seu pronunciamento, formavam apenas uma espécie de claque. Reunião com 39 ministro é quase um comício.

Na face econômica do evento, o objetivo era convencer os agentes econômicos privados, no mundo financeiro e empresarial, no Brasil e no Exterior, que a política de austeridade fiscal que está sendo adotada pelo ministro Joaquim Levy tem o irrestrito apoio de Dilma – é uma política “do governo” e não apenas da “equipe econômica”.

Estava incomodando demais o silêncio da presidente em relação a isto, principalmente depois das críticas abertas em seu entorno partidário, do PT e da CUT principalmente, às principais medidas de Levy e aos rumos traçados para a economia. Os ruídos provocados pela própria presidente – “puxões de orelha” no próprio Levy e em Nélson Barbosa (“Primeiras” de ontem) alimentavam essas desconfianças.

Sob esse ponto de vista, pelas primeiras reações registradas pelos meios de comunicação, a presidente parece ter sido bem sucedida. A defesa do ajuste fiscal foi feita na medida suficiente a não deixar dúvidas.

Estranharam-se apenas as justificativas para os problemas que agora precisam de correção. Faltou admitir, disseram empresários e economistas, que as dificuldades maiores do momento provêem mais das falhas do passado do que de problemas externos e conjunturais, com os da estiagem do momento.

Daí um “escorregão” no texto lido por Dilma. Ele fala em “medidas corretivas”. Corrigir o quê, porém, se não houve erros na política econômica do Dilma I? Entendeu-se, porém, que tal discurso faz parte do marketing palaciano. Disso faz parte também o apelo aos ministros para que não percam “a batalha da comunicação”.

Mediocridade conservadora

O outro objetivo, o político, era rebater os críticos da “nova” política e tentar mostrar que ela não está traindo as promessas de campanha – praticando o chamado “estelionato eleitoral” como diz a oposição. Nesse aspecto, ela visava mais parceiros e aliados, entre eles parte do PT e a CUT, do que propriamente a oposição.

O que era apenas um incômodo inicial dos petistas e companhia com as medidas iniciais de Levy, apontadas nesse território como recessivas e contrárias às políticas petistas – e o pior, na linha do que defendiam os candidatos Aécio Neves e Marina Silva –, passou a ser encarado nos últimos dias quase como uma “traição” de Dilma.

A palavra maldita não chegou a ser dita, porém seu conteúdo perpassou todas as últimas criticas abertas à política de Levy. Daí o empenho de Dilma no discurso em dizer que nada mudou, em reafirmar seus compromissos com as linhas petistas e em mostrar, usando os números não apenas de seu governo, mas também os dos oito anos de Lula, a evolução positiva da economia e das conquistas sociais. O discurso aí ficou um pouco descosido e, segundo alguns analistas, contraditório.

Como prova das pressões sobre a presidente estão num crescendo, ontem o blog do ex-ministro José Dirceu – ainda um grão-duque petista, embora cumprindo pena de prisão domiciliar por causa do mensalão – amanheceu com mais um texto assinado por ele de críticas aos novos rumos da economia.

Entre as várias questões levantadas sobre a reunião ministerial da tarde, Dirceu perguntou “para onde vamos? Atenas ou Berlim?”, e se o governo vai “ficar rodando em torno do ajuste fiscal, símbolo da mediocridade conservadora?”. Dirceu queria saber ainda se na Granja do Torto Dilma e seus ministros falariam sobre como combater a crise energética, a crise mundial e até as balas perdidas no Rio de Janeiro. É a segunda vez na semana que Dirceu ataca.

Do mundo empresarial, Dilma parece ter conquistado um voto de confiança – que naturalmente terá de ser renovado na prática do dia a dia. Mas o discurso agradou. Do mundo político ainda não se viu sinais. O jogo nesse campo é mais dissimulado. E vai depender muito do que acontecer com a economia no curto prazo – inflação, emprego…

Energia e água eleitorais

Sob alguns aspectos, o discurso da presidente foi interpretado como meramente eleitoreiro. Por exemplo, quando ela discorreu longamente sobre os problemas de abastecimento de água em alguns Estados, principalmente São Paulo, assunto de responsabilidade dos governadores, e não deu a mesma ênfase ao problema energético, assunto de alçada federal.

Na mesma linha dos palanques, fez promessas de plano nacional de desburocratização, de plano nacional de exportações, de programa ampliando de privatizações e concessões…

Entre as omissões, faltou também mais objetividade e assertividade na abordagem da questão Petrobrás/mensalão. Vai causar polêmica principalmente a defesa que a presidente fez da blindagem para as empresas privadas envolvidas em casos de corrupção, especialmente no petrolão. É a manchete do “Globo” de hoje.

Muitos estranharam a falta de definições mais objetivas da presidente sobre as outras “políticas” de seu governo que não o ajuste fiscal. O fato é que em parte elas ainda não existem além do protocolo de intenções e em parte porque muitas definições podem causar insatisfações.

Ameaça ao superávit

Na vida prática, os ministros econômicos provavelmente terão de fazer esforços adicionais aos já anunciados, para garantir o superávit primário 1,2% do PIB (o equivalente a R$ 66,3 bilhões) este ano.

As negociações que o Palácio do Planalto, com o ministro Miguel Rossetto à frente, está empreendendo com as lideranças sindicais para alterar alguns pontos da MP de mudanças no seguro-desemprego devem diminuir a economia que Joaquim Levy e sua turma pretendiam com a medida.

Além do mais, segundo reportagem de hoje de “O Estado de S. Paulo” a redução de R$ 7 bilhões nas despesas este ano com o pagamento do abono salarial poderá não se concretizar. De acordo com o Ministério do Trabalho, pode haver uma batalha judicial contra as mudanças este ano ainda, pois o abono devido agora se refere ao ano de 2014. O governo pretendia economia R$ 18 bilhões com as medidas na área trabalhista e previdenciária.

Outros destaques

dos jornais do dia

– DESIGUALDADE SOCIAL – A América Latina permanece com os mesmos níveis de pobreza de 2012. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe(Cepal, um órgão da ONU) publicou um relatório no qual revela que 28% da população da região está abaixo da linha de pobreza. O estudo Panorama Social da América Latina 2014 mostra um estancamento desses índices nos últimos três anos. Durante 2014, a região se beneficiou da recuperação econômica mundial e manteve um crescimento de 2,5%, superior à média mundial de 2,2%. Entretanto, a Cepal admitiu que esse impulso de pouco serviu para o combate à pobreza. Além disso, o estudo observa que a taxa de inflação da região aumentou de 5,3% para 6,8%, puxada principalmente pela alta dos preços na Venezuela. As projeções da Cepal indicam que 167 milhões de pessoas vivem na pobreza na América Latina, sendo 71 milhões delas na pobreza extrema. Embora o percentual de pobres se mantenha igual nos últimos três anos, o relatório observa que o número absoluto cresceu, por causa da expansão demográfica. O Brasil registrou uma queda de 0,6 pontos percentuais na taxa de pobreza entre 2012 e 2013 (de 18,6% para 18%), mas um incremento de 0,5 pontos percentuais na taxa de indigência (de 5,4% para 5,9%). No quadro geral, o Brasil tem o terceiro menor número de indigentes na América Latina, entre os 17 países que forneceram dados sobre o assunto, perdendo apenas para Chile (2,5%) e Uruguai (0.9%).

– LAVA-JATO – A Polícia Federal decidiu abrirá mais dez inquéritos para investigar grandes empreiteiras em atividade no país que ainda não haviam recebido uma investigação específica. As empresas que serão alvo das novas investigações, segundo a PF, são MPE Montagens e Projetos Especiais, Alusa Engenharia, Promon Engenharia, Techint Engenharia e Construção, Skanska Brasil Ltda., GDK, Schahin Engenharia, Carioca Christiani Nielsen Engenharia, Setal Engenharia Construções e Perfurações Ltda e Andrade Gutierrez.

LEITURAS SUGERIDAS

1. Elio Gaspari – “A deslegitimação da política” – Folha

2. Vinicius Torres Freire – “As boas novas do Dilma 2” – Folha

3. Editorial – “PT alimenta falso conflito” – Estadão

4. Nathan Blanche – “As pedaladas cambiais” – Estadão

5. Paul Krugman – “Um fim para o pesadelo da Grécia” – Estadão

6. Cristiano Romero – “O risco de reversão das medidas” – Valor

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