Dólar tem nova queda e fecha a R$ 5 mesmo diante de crise internacional: o que explica o movimento?

Apesar desse cenário favorável para a moeda brasileira, especialistas avaliam que a queda do dólar tem fôlego curto

Estadão Conteúdo

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A turbulência no cenário internacional, provocada principalmente pela crise entre Rússia e Ucrânia, até agora passou ao largo do mercado de câmbio brasileiro.

Nesta quarta-feira (23), o dólar fechou em baixa de 0,95%, a R$ 5,003 na compra e R$ 5,004 na venda, na sua quarta perda diária consecutiva, sendo a primeira vez que a cotação da moeda fecha a R$ 5 desde 30 de junho de 2021. A divisa chegou a operar na sessão abaixo de R$ 5, mais precisamente a R$ 4,995.

Com isso, a divisa americana passou a acumular queda de 5,69% no mês e de 10,24% no ano.

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A alta dos preços das commodities, que subiram em dólar 13,5% entre a virada do ano e meados deste mês, é o principal fator que explica o fortalecimento da moeda brasileira em relação ao dólar nesse período, segundo o economista Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV/Ibre. Por meio de um modelo, ele acompanha os fatores determinantes da cotação das moedas.

Quando o preço das matérias-primas aumenta em dólar no mercado internacional, países exportadores de commodities recebem mais divisas pelas vendas externas, e a sua moeda se valoriza.

Esse movimento vinha acontecendo com o Brasil e outros países exportadores de matérias-primas. Mas, nos últimos dez dias, o Brasil se destacou em relação a seus pares, observa o economista. E o movimento de perda de valor do dólar em relação ao real se acentuou, porque também o diferencial dos juros, hoje em 10,75%, atraiu forte entrada de recursos externos. Cerca de metade da desvalorização do dólar em relação ao real acumulada neste ano ocorreu só neste mês.

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“A entrada de capitais neste ano por meio de investidores em Bolsa e as entradas de divisas relacionadas a exportações acabaram pressionado o dólar para baixo”, afirma Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.

Ribeiro pondera que o conflito iminente entre Rússia e Ucrânia torna o ambiente mais arriscado, e a tendência em algum momento é de fortalecimento do dólar. “No entanto, outros fatores neste momento se sobrepõem a esse, como aumento das cotações das commodities e os diferencial de juros.”

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Apesar desse cenário favorável, especialistas avaliam que a queda do dólar tem fôlego curto. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que esse cenário parece não ser sustentável e que o câmbio não deve ficar nesse patamar ao longo do ano. “Há espaço para depreciação do real por causa do riscos eleitorais que devem aparecer à frente.”

José Augusto de Castro, residente da AEB, lembra que as projeções do mercado ainda apontam para o câmbio a R$ 5,50 no fim deste ano.

Valorização do real não segura inflação e juro

O efeito favorável que a valorização do real em relação dólar poderia trazer para inflação, segurando a alta de preços das matérias-primas, como grãos, carnes, metais, petróleo e derivados nos índices de custo de vida, é limitado, segundo economistas.

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Primeiro porque é consenso entre os economistas ouvidos pela reportagem que o real não se mantenha valorizado em relação ao dólar ao longo dos próximos meses em razão dos riscos eleitorais no cenário doméstico. O outro motivo é a alta dos preços em dólar das próprias commodities.

“Do ponto de vista da inflação, o câmbio não deve ajudar tanto assim”, afirma Sergio Vale. Por mais que o câmbio esteja caindo, os preços das commodities estão subindo em dólar e se sustentando em patamares elevados em reais, argumenta.

Na sua avaliação, o Banco Central não deve mudar a estratégia de continuar subindo a taxa básica de juros, hoje em 10,75% ao ano, nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária por causa da recente apreciação do real.

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Também na avaliação do economista-chefe da NEO Investimentos, Luciano Sobral, a nova cotação do dólar não deve trazer mudanças na economia nem na inflação. “A alta dos preços ainda vai ser um problema. A valorização do real apenas evita que a inflação seja ainda mais alta.”

José Augusto de Castro diz que “teoricamente” o real valorizado deveria ajudar a inflação porque o custo de componentes importados seria menor em reais. Com isso, não haveria justificativas para elevar preços no mercado interno. No entanto, ele acha difícil prever que o real se mantenha valorizado ante o dólar.

Manufaturados

De toda forma, se esse cenário do real valorizado em relação ao dólar se mantiver, o impacto mais visível na economia brasileira deverá ocorrer nas exportações de produtos manufaturados, segundo Castro.

Ele lembra que no ano passado o comércio exterior brasileiro atingiu vários recordes. As exportações totais do País foram recordes, o superávit comercial e a corrente de comércio também. O único resultado negativo da balança foi o saldo de produtos manufaturados, que apresentou déficit de US$ 111 bilhões. “É um número muito alto”, diz Castro.

Com o real ganhando, a cada dia, força em relação ao dólar e esse movimento tendo continuidade, a perspectiva é de que essa situação se agrave, alerta o presidente da AEB.

Ao ter mais dificuldade para exportar produtos manufaturados, de maior valor na balança comercial, e tendo as importações facilitadas por causa do real valorizado, Castro observa que o País, na prática, acabará “importando desemprego e exportando empregos”. “Poderemos ter em 2022 um ano mais negativo para a exportação de manufaturados.”

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