Medidas para baratear carros populares: quais ações da Bolsa devem ser mais impactadas?

Analistas destacam primeiras leituras do anúncio do governo, vendo medida positiva para empresas de bens de capital e dúbia para locadoras

Lara Rizério

O governo federal anunciou nesta quinta-feira (25) a iniciativa de oferecer descontos para a venda de carros populares no Brasil. A proposta engloba diversos incentivos fiscais e a redução pode ser de 1,5% até 10,96%, a depender da eficiência energética, valor do veículo e grau de nacionalização da produção. Analistas já fizeram suas primeiras avaliações sobre impacto na inflação e também em setores da Bolsa, como locadoras e empresas de bens de capital, com a medida.

O fator social pesa em um desconto maior de acordo com o preço do carro: quanto mais barato, maior o desconto. O lado ambiental visa oferecer desconto maior para modelos com altos níveis de eficiência energética. Por fim, o fator industrial considera a densidade da produção realizada dentro do país. Ou seja, quanto maior a porcentagem do veículo seja feito no Brasil, maior o desconto.

De acordo com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, o desconto incidirá nos tributos de IPI (Imposto sobre produtos Industrializado) e PIS/Cofins. Ainda segundo Alckmin, a Medida Provisória definitiva será publicada dentro de 15 dias e será temporária. “A proposta de estimulo é transitória, anticíclica, porque a indústria está com muita ociosidade”, disse o vice-presidente da república.

Com os modelos novos mais baratos atualmente sendo vendidos na casa dos R$ 70 mil, a intenção é oferecer esses modelos de entrada na casa dos R$ 50 a 60 mil. Outro ponto a ser explorado é facilitar o acesso ao crédito para a compra desses carros populares. “Antes, 70% quase do veiculo era financiado. Hoje é o contrário, então quem não tem dinheiro para comprar à vista acaba não adquirindo o veículo”. Nesse quesito, o governo se apoia na aprovação do Marco das Garantias, que tramita no Congresso com o senador Weverton (PDT-MA) na relatoria do projeto.

Com essa medida, analistas e economistas destacam quais os possíveis impactos nos preços e os setores mais impactados.

“Veículos novos e usados têm peso de 5% no IPCA. Portanto essa mudança representa um viés de baixa à nossa projeção de inflação para o ano, embora consideramos que o repasse na redução de impostos não será integral aos preços praticados aos consumidores. Ainda precisamos avaliar o cenário todo”, comenta o economista da XP Alexandre Maluf.

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O JPMorgan, por sua vez, aponta que, embora ainda haja detalhes pendentes sobre o anúncio de hoje de cortes de impostos sobre carros, calcula que os preços possam cair até 9% se o governo reduzir os impostos federais (chamados de IPI e PIS/COFINS) a zero, com impacto no índice de inflação, medido pelo IPCA, de cerca de 40 pontos-base.

“Neste momento, assumimos que os preços dos carros novos e usados cairão 5% a partir de julho, o que equivale a uma redução total do IPI. Esse fator leva nossa projeção do IPCA para 2023 de 5,4% para 5,2%, ficando bem abaixo do consenso de 5,8%”, destaca o banco. O JPMorgan também fez a revisão levando em conta o dado do IPCA-15 de maio abaixo do esperado. 

Locadoras e empresas de bens de capital impactadas

Já para o mercado de ações, as primeiras leituras destacam impactos para as empresas de bens de capital e de locação e comercialização de veículos como as mais afetadas dentre as listadas na Bolsa.

Os analistas do Goldman Sachs apontam que o preço médio do carro adquirido da Localiza (RENT3) está abaixo do teto de R$ 120 mil estabelecido pela medida (cerca de R$ 90 mil em média no primeiro trimestre de 2023) e, portanto, uma parte notável da frota da empresa pode ser impactada pelos anúncios desta quinta.

“Acreditamos que uma redução repentina nos preços de carros novos pode levar a uma deterioração da frota da Localiza, refletindo o menor valor de revenda esperado desses veículos, criando assim algum obstáculo no curto prazo e pressionando ainda mais os resultados da empresa”, avaliam os analistas. Por outro lado, ponderam, no longo prazo, os preços mais baixos de carros novos podem permitir que a Localiza cresça com menor intensidade de capex (investimento).

O banco segue com recomendação de compra para as ações da Localiza, com preço-alvo de R$ 83,30 em doze meses, o que configura um potencial de valorização de 30% em relação ao preço de fechamento na sessão desta quinta-feira. Os papéis RENT3 fecharam o pregão a R$ 63,94, com alta de 2,01%.

“Reiteramos nossa visão otimista sobre a Localiza, pois vemos a empresa bem posicionada para se beneficiar do cenário competitivo [mais racional], que deve contribuir para uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) do Ebit (lucro antes de juros e impostos) de cerca de 23% entre 2023 e 2025. Isso pode levar a um crescimento ainda mais forte do lucro líquido com despesas financeiras menores se a Selic cair”, aponta.

O Itaú BBA também destacou em breve análise esperar que a medida pese nos ganhos de curto prazo das locadoras de veículos, dados os efeitos negativos associados aos preços dos seminovos, principalmente no atual ambiente incerto para o segmento.

“Por outro lado, os preços mais baixos dos automóveis podem conduzir a uma melhora marginal nas perspectivas para 2024, à medida que a acessibilidade do segmento de aluguéis melhora (sugerindo uma revisão para cima das estimativas de crescimento), o capex começa a cair e a depreciação nominal por carro desacelera”, avalia.

Cabe destacar que as ações da Movida (MOVI3), do mesmo setor da Localiza, fecharam a sessão estáveis, a R$ 10,72.

O BTG Pactual também destaca os efeitos diferentes no curto e médio/longo prazos, esperando no curto uma queda no
preço médio de venda dos carros usados no segmento de seminovos, levando a uma baixa da receita, mas no médio/longo havendo uma queda média do capital investido, tornando o segmento de locação mais acessível e permitindo tarifas mais
competitivas. ” Como resultado, as companhias podem se beneficiar de maior demanda e custos menores no longo prazo”, aponta.

O banco avalia ainda que há fatores importantes a serem considerados na avaliação dos impactos dessa redução abrupta no preço dos veículos no curto prazo: (i) número de carros comprados recentemente, o que pode exigir maiores taxas de depreciação; (ii) volume de carros a serem desmobilizados nos próximos meses, que podem enfrentar uma queda brusca nos preços dos carros usados.

Para os carros que estão sendo desmobilizados em breve, o impairment pode ser uma opção mais favorável; (iii) o valor da frota de cada empresa, levando em consideração a depreciação; e (iv) volume de carros a serem adquiridos neste ano, com as novas condições de compra vigentes.

“Um cálculo mais simples assumiria uma certa redução em seus respectivos valores de frota. Nesse caso, a Localiza seria menos impactada do que a Movida devido ao seu maior P/VP [Preço sobre Valor Patrimonial], resultando em uma menor relação impairment/valor de mercado. Mas esse cálculo pode mudar muito dependendo do nível de ativos superdepreciados na frota de cada empresa”, avaliam. Além disso, os analistas apontam que a Localiza adquiriu mais carros recentemente (o que pode exigir maiores taxas de depreciação), mas também deve comprar mais carros este ano (e assim se beneficiar de preços menores).

Um risco que, para a Genial Investimentos, está fora do radar diz respeito sobre quais setores serão prejudicados no futuro como forma de compensação à redução de arrecadação prevista.

“Avaliamos que o setor de locação é um dos possíveis alvos na ótica do governo para aumento de impostos. Portanto, a sinalização positiva para indústria pode ser um prelúdio do que vem a seguir. Segundo informações, o governo já estuda taxar a venda de imobilizado e aumentar as alíquotas de PIS/Confins para o setor de locação, o que na nossa visão seria extremamente negativo para o setor”, aponta.

Bens de capital e siderurgia

Já para os nomes ligados a bens de capital, os preços mais baixos podem significar maior volumes de vendas, o que seria uma boa notícia para a Tegma (TGMA3) e ligeiramente positiva para a Iochpe Maxion (MYPK3), com exposição de cerca de 10% a veículos leves no Brasil, aponta o BBA. Os ativos TGMA3 fecharam a sessão desta quinta com avanço de 4,68%, a R$ 21,70, enquanto MYPK3 teve ganhos de 2,14%, a R$ 12,41.

A Genial Investimentos avaliou positivamente as medidas propostas pelo governo para a indústria automotiva. “A inclusão de isenções fiscais para toda a cadeia produtiva pode impactar positivamente as empresas do setor industrial. Dado que os benefícios serão aplicados apenas nos modelos com preço até R$ 120 mil, vemos impactos menos expressivos no segmento de autopeças, que majoritariamente atende o segmento de pesados”, aponta.

Por outro lado, o apoio do BNDES por meio de financiamento em dólar para a indústria e os critérios de avaliação relacionados às emissões de CO₂ e conteúdo nacional podem favorecer as vendas das divisões de autopeças como freios, blocos e cabeçotes direcionadas às OEM’s (ou fabricante do equipamento original).

Dentre as empresas que os analistas cobrem, destacam que a Tupy (TUPY3) e a divisão de autopeças (freios) da Frasle (FRAS3) (indiretamente Randon RAPT4) serão impactadas positivamente no curto prazo com essas medidas.

Já em siderurgia, a Genial aponta que, com uma exposição de 34,5% das vendas totais no setor automotivo, a Usiminas (USIM5) é a companhia sobre a sua cobertura com maior nível de vendas para segmento. Sendo assim, deve se beneficiar pelo leve aumento da demanda que a redução de impostos trará para o mercado automobilístico.

No último trimestre, a companhia anunciou um desconto nos preços do aço para o segmento automotivo em cerca de 10% a partir de janeiro para cerca de 20% dos seus contratos e mais de 12% em abril. “Em um cenário macro desfavorável, com (i) uma taxa de juros de mais de dois dígitos, (ii) preços dos carros novos em patamares muito elevados e (iii) pouca disponibilidade de semicondutores, o fraco apetite do mercado por veículos atinge a produção das montadoras, que acaba refletindo diretamente o consumo de aço, e assim as vendas da Usiminas”, aponta.

Contudo, apontam os analistas da Genial, apesar de ser uma notícia positiva, a Usiminas provavelmente sofrerá impactos no volume, principalmente por conta de contratos reajustáveis de maneira mais ampla apenas na primeira metade de 2024.

“Além disso, o benefício fiscal possui uma latência de alguns meses para ter um efeito significativo na companhia, acontecendo essencialmente após uma recuperação de confiança no mercado automotivo por parte das montadoras ao sentirem mais apetite dos consumidores”, destacam. Assim, veem notícia é positiva, ainda que o efeito seja pequeno frente a outros desafios que a Usiminas tem pela frente, como reforma no Alto-forno 3.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.