Havan fatura mais de R$ 10 bilhões na pandemia e pretende retomar IPO em 2021

Entenda a operação da gigante varejista que, segundo seu fundador, o empresário Luciano Hang, tem potencial para valer R$ 100 bi em Bolsa

Anderson Figo

Luciano Hang em inauguração de loja Havan em Ananindeua, no Pará (Facebook Havan/Reprodução)
Luciano Hang em inauguração de loja Havan em Ananindeua, no Pará (Facebook Havan/Reprodução)

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SÃO PAULO — Confiante na recuperação da economia com o início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, a Havan pretende retomar seu IPO em 2021. No ano passado, a companhia já havia se movimentado para lançar ações na Bolsa brasileira. Mas o empresário Luciano Hang, fundador da marca, resolveu adiar os planos já que não estava conseguindo convencer os potenciais investidores de que seu negócio vale cerca de R$ 100 bilhões.

A cifra equivale, atualmente, ao valor de mercado somado de duas Embraer, duas Cemig e dois Pão de Açúcar.

“Se surgir uma janela de oportunidade, a gente entra antes, mas estamos planejando o IPO para o segundo trimestre de 2021”, diz Daniel Yamakado, gerente de relações com investidores da Havan. Na sua avaliação, o cenário está mais favorável hoje do que no ano passado para o lançamento de ações a um preço mais próximo do considerado justo pela companhia.

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A rede de lojas famosa pela fachada similar à da Casa Branca, nos Estados Unidos, e, em alguns casos, pela presença de uma réplica da Estátua da Liberdade em sua porta de entrada, faturou em torno de R$ 10 bilhões em 2020, valor bem próximo ao registrado no ano anterior.

Mesmo com a pandemia de coronavírus, que obrigou o fechamento parcial do comércio, a empresa viu seu lucro crescer 30% no período — parte disso porque ela adotou a estratégia de ampliar a oferta de produtos alimentícios em algumas unidades para que elas continuassem abertas como “serviço essencial”. Outras varejistas também ampliaram seus esforços para os produtos alimentícios, mas apenas pela internet (via app, delivery), como o Magazine Luiza.

O forte ritmo de abertura das megalojas é o fator que mais contribui para o bom desempenho da Havan nos últimos anos, segundo Daniel Yamakado. A marca abre em média 15 novas unidades por ano, com pico de 20 lojas em 2019. “A receita da empresa cresceu 37% por ano nos últimos 12 anos. Quando uma nova loja é aberta, a estrutura em volta acaba se desenvolvendo”, diz.

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A estratégia da Havan é abrir lojas em cidades pequenas (em muitos casos, com menos de 200 mil habitantes) ou até entroncamentos rodoviários, onde é possível atender vários municípios ao mesmo tempo. Além da fachada incomum, as lojas têm outras peculiaridades: todas as unidades têm praça de alimentação e algumas têm até cinema.

Hang já disse que a empresa pode ter 600 megalojas espalhadas pelo país (hoje, são 155). Segundo Yamakado, a varejista vê potencial em montar operações em capitais no Nordeste e outras regiões. Mas abrir unidades em cidades como São Paulo e Belo Horizonte é algo fora de cogitação — embora a rede esteja se movimentando para estar ao redor desses grandes centros (em São Paulo, por exemplo, abrirá em breve uma unidade em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, e em Osasco, região metropolitana).

“O deslocamento nessas cidades muito grandes é ruim. Nossa frota escoa os produtos em rodovias, portanto faz mais sentido as lojas estarem próximas à malha rodoviária do que dentro de grandes centros. Com as lojas ao redor de SP e BH, as pessoas dessas capitais também poderão se atendidas por nós por meio do e-commerce”, disse o gerente de RI da marca.

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Um ponto que salta aos olhos de especialistas é a alta produtividade das lojas: o faturamento da concorrente Lojas Americanas, por exemplo, foi de cerca de R$ 14 bilhões em 2019, desconsiderando as operações online do grupo. Só que a Americanas tinha 1,8 mil unidades físicas na época, enquanto a Havan tinha 147 pontos de vendas e um faturamento de R$ 10,5 bilhões no mesmo período.

Mas a Havan tem também outras características difíceis de serem replicadas, que têm feito analistas acompanharem de perto a empresa, à espera do IPO.

A operação

Fundada em 1986 em Brusque, Santa Catarina, a Havan originalmente era uma empresa têxtil, ramo em que atua até hoje. Atualmente, tem mais de 21 mil funcionários e está presente em 19 estados do país — Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Roraima não têm unidades da marca, mas a empresa diz que estará em todos os estados brasileiros até 2022.

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A operação é dividida em quatro unidades de negócios: moda, que é herança da origem têxtil; cama, mesa e banho, onde entram também itens de decoração e linha de bebês (a Havan é um dos maiores vendedores de tapetes do país); bazar, onde se encontram utilidades domésticas e brinquedos (essa também é a área responsável por itens sazonais em datas comemorativas, como Natal e Páscoa); e eletro, que inclui, além dos itens eletrônicos, ferramentas, objetos para camping, pesca, praia e outros itens de lazer.

O centro de distribuição (CD) da Havan fica em Barra Velha, no interior de Santa Catarina, próximo à sua cidade sede. É de lá que a companhia despacha os itens de suas lojas em todo o país, inclusive para as que ficam em áreas mais distantes, como no Norte e Nordeste. O CD tem 200.000 metros quadrados de área construída, e há um projeto de expansão em andamento, de 30.000 metros quadrados adicionais.

A empresa diz que ainda é possível expandir o espaço em mais 180.000 metros quadrados, se necessário. E, segundo o gerente de RI, a Havan tem feito investimentos pesados em automação, para ampliar a eficiência do CD. Só em 2020, foram gastos R$ 150 milhões nisso.

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Os produtos nacionais correspondem a 90% das vendas, e a empresa tem uma boa parcela de produtos de marca própria. Na pequena porção de produtos importados, o maior fornecedor é a China, mas há itens vindos de países como Turquia, Índia, República Checa e Indonésia (países da Ásia e Europa subdesenvolvida).

A operação da Havan inclui ainda a parte de crédito — um crediário concedido aos clientes por meio do cartão Havan que corresponde a 50% do faturamento da empresa. O objetivo, segundo a Havan, não é maximizar os lucros com o cartão, mas sim dar aos clientes a oportunidade de fazer suas compras a qualquer momento, mesmo se não tiver dinheiro no momento, aumentando o tíquete médio da marca.

Durante a pandemia, a empresa diz que a inadimplência continuou sob controle. “Quem tem cartão Havan cuida dele como se fosse uma conta de luz ou de água, serviços essenciais, porque sabe que se ele mantiver o pagamento certinho vai sempre conseguir comprar qualquer produto da loja”, afirmou Ana Maria Veiga, coordenadora de marketing institucional da companhia.

Milhares de produtos

O consenso entre os analistas ouvidos pelo InfoMoney é de que uma das principais vantagens da Havan sobre a concorrência é a quantidade de produtos que ela oferece em suas lojas — o que, no jargão do setor, é chamado de SKUs. Enquanto ela tem mais de 350.000 itens disponíveis, a Lojas Americanas, por exemplo, trabalha com cerca de 50.000 SKUs.

Isso ajuda a companhia a sofrer menos com sazonalidade (períodos em que certos produtos têm picos ou baixas nas vendas) e estimula a maior frequência de pessoas nas lojas (o cliente pode ir uma vez para fazer compras de itens de alimentação e logo em seguida voltar para comprar peças de manutenção de carro, por exemplo).

Outra vantagem da Havan é a escala. “É difícil achar uma empresa que se compare à Havan. Seus concorrentes são segmentados, não há ninguém que ofereça os mesmos serviços que ela. Talvez o Grupo Matheus, que abriu capital recentemente, mas isso em termos de mix de produtos porque o Matheus é regional e a Havan é nacional”, disse Eduardo Guimarães, especialista em ações da Levante Ideias de Investimento.

“Mesmo assim, a perspectiva para a empresa e para o setor de varejo vai depender de reformas fiscais e crescimento de PIB. Tem o fim do auxílio emergencial, que ajudou essas empresas durante a pandemia, e agora pode afetar negativamente. Se não houver melhora de emprego e renda, talvez a gente não fique tão otimista assim com as varejistas”, completou.

O desafio do e-commerce

Os dois principais desafios da Havan, segundo os analistas, são a logística a partir de um único centro de distribuição para todo o país, conforme a empresa vem expandindo suas operações para lugares mais distantes, como Norte e Nordeste, além da digitalização — as vendas online cresceram muito, principalmente durante a pandemia e as restrições de locomoção, e a Havan está apenas engatinhando nessa área enquanto alguns concorrentes, como Magazine Luiza e Via Varejo, nadam de braçada.

Do total da receita em 2020, apenas 1,25% veio das operações online — em 2019, esse percentual foi de 0,7%.

Sobre o CD único, a Havan diz que o fato de sua logística ter uma única sede, em Santa Catarina, não é um fator que prejudica o negócio, uma vez que as megalojas têm pelo menos 500 metros quadrados de estoque e conseguem armazenar grandes quantidades de produtos — ou seja, “funcionam com se fossem 155 centros de distribuição da marca, basicamente”, segundo Yamakado, gerente de RI.

Quanto ao e-commerce, de fato, a companhia assume que ainda não encontrou um modelo que possa dar lucro e que seja eficiente para a marca, mas que está trabalhando nisso. A aposta mais recente tem sido no “ship from store”, modelo no qual o cliente escolhe os produtos disponíveis na loja física de sua região, e essa unidade é responsável pelo envio por meio de uma empresa terceirizada.

“Até a metade de 2020 a gente tinha um e-commerce tradicional. Hoje, temos pelo menos 63 lojas fazendo o ship from store e, em meados do segundo trimestre de 2021, todas as nossas lojas vão estar oferecendo esse serviço”, disse o gerente de RI da Havan. “Nós não queremos queimar caixa. É uma preocupação que sempre existiu e vai continuar existindo”, completou.

O modelo “ship from store” responde por 3% a 5% do faturamento das lojas que já oferecem o serviço. Além disso, a companhia também oferece a possibilidade do “pick from store”, no qual o cliente faz a compra online e ele mesmo vai até a loja mais próxima da sua região para retirar o produto. Segundo a Havan, de 35% a 40% das vendas online da rede hoje usam esse tipo de serviço. Ainda assim, é preciso muito investimento para alcançar as operações online da concorrência, dizem os analistas.

“Na pandemia, o e-commerce foi campeão. Vimos as empresas desse tipo ou fortes nessa área dispararem na Bolsa. Os supermercados e as grandes varejistas têm que se adaptar a esse novo ambiente. Eles têm que ir em direção à digitalização, usando mais o canal online, entregas rápidas etc.”, disse Bruno Komura, gestor de renda variável da Ouro Preto Investimentos.

Pronta para a Bolsa

Por ter desistido do IPO em 2020 aos 45 minutos do segundo tempo, a Havan tem uma estrutura organizacional pronta para retomar a operação neste ano. A companhia já tinha auditoria externa — uma das exigências das empresas de capital aberto — há mais de dez anos e já havia montado uma área de relações com investidores, além de ter nomes pré-selecionados para o conselho de administração.

“Como a Havan é varejista, todo mundo conhece a nossa marca. A gente não vai chegar só no investidor institucional. A gente quer ajudar o brasileiro que quer investir e entender o mercado a ter a ação da Havan”, diz Yamakado.

“O Luciano sempre falou e é um mantra aqui dentro: a Havan não precisa ser vendida, as pessoas querem comprá-la.”

E os riscos?

Três analistas que acompanham a companhia e não quiseram se identificar disseram ao InfoMoney que a Havan tem uma operação robusta e promissora, mas um risco pode ter pesado na avaliação dos investidores quando a empresa tentou fazer o IPO, e deve ser considerado no futuro: a figura de Hang, conhecido nacionalmente por seus figurinos extravagantes, falas polêmicas e sua proximidade com o presidente Jair Bolsonaro.

“A marca da Havan é muito forte. O marketing digital é muito forte. E eles trabalham de maneira independente do Luciano, o que é bom para ambos. Agora, quais são os benefícios e os riscos da marca pessoal do Luciano Hang para a sua empresa? Eu vejo poucos benefícios. Ele pode até tornar a Havan um pouco mais conhecida, mas é uma empresa enorme de varejo, não precisa de conhecimento de marca, ela já tem isso”, disse Benjamin Rosenthal, professor e especialista em cultura de consumo da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas).

“Ele pode posicionar a Havan como uma empresa right wing, de direita. Para um público isso pode ser interessante, mas, para outras pessoas, nem tanto”, completou. “É uma escolha dele, mas gera alguns riscos para a marca da empresa.”

Os analistas lembram que, num processo de IPO, os investidores olham não só para as questões técnicas, como os números do balanço, mas também para a figura do CEO, como ele se comporta politicamente e quais riscos ele gera para a reputação da empresa no longo prazo — o que pode ter impactos para as ações.

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.