Gafisa na contramão das construtoras: por que a ação desaba 52% em 2019 e o que esperar para 2020?

Prejudicada pelas decisões do fundo GWI, a empresa faz uma reestruturação interna e pode destravar valor no ano que vem

Ricardo Bomfim

(Fotos Públicas)
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SÃO PAULO – Retomada da economia, juros na mínima histórica e expectativa de que as coisas só melhorem daqui para frente. Parece o cenário perfeito para o setor imobiliário, mas nem todas as empresas responderam da mesma forma à mudança nos fundamentos da economia brasileira. A ação da Gafisa (GFSA3) cai 52% em 2019.

A queda é particularmente preocupante em razão do desempenho do setor e das concorrentes. O Índice Imobiliário (Imob) dispara 45% neste ano, os papéis da MRV (MRVE3) sobem 66%, Cyrela (CYRE3) salta 87%, Even (EVEN3) tem alta de 115%, Tecnisa (TCSA3) registra ganhos de 15%, Direcional (DIRR3) sobe 95%, Eztec (EZTC3) tem 84% de ganhos e Helbor (HBOR3) apresenta uma alta impressionante de 170%.

A disparidade também se reflete na cobertura para as ações: apenas três bancos, segundo compilação feita pela Bloomberg, fazem a cobertura do ativo GFSA3, sendo que dois deles possuem recomendação equivalente à venda e um recomenda manter o papel.

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Para explicar esse descompasso da Gafisa, é inevitável lembrar do caso do fundo GWI Asset Management, que saiu da companhia em fevereiro deste ano. A gestora, liderada pelo sul-coreano Mu Hak You, tomou decisões polêmicas como demitir metade dos funcionários da Gafisa, deixar de pagar fornecedores e paralisar obras.

As ações da Gafisa subiram 7% no pregão imediatamente posterior à venda da fatia da GWI no controle da empresa para Nelson Tanure, considerado um especialista em turnarounds.

Para o analista Eduardo Guimarães, da Levante, o mercado não duvida da capacidade de Tanure em melhorar a gestão da companhia. Contudo, nem todos os investidores estão dispostos a dar o benefício da dúvida ainda, uma vez que a construtora segue com um endividamento alto e sem fazer lançamentos.

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“A Gafisa está para trás em relação aos seus pares e não acredito que voltará a ser o que foi no passado. Acredito na recuperação, mas a empresa já perdeu muita fatia de mercado para as concorrentes por conta dos problemas internos”, avalia.

Guimarães entende que este ano foi uma oportunidade de ouro para as construtoras se recuperarem da crise que começou em 2015. O aquecimento da demanda por imóveis, especialmente em São Paulo, somou-se a uma taxa Selic que chegou a 4,5% ao ano, o que melhora as condições de crédito imobiliário.

Nesse cenário, o analista da Levante argumenta que quem fez a lição de casa já está com uma precificação diferenciada na Bolsa. O atraso no desempenho da ação da Gafisa, deste modo, nada mais seria que o reflexo natural dessa oportunidade perdida nos negócios.

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Do lado positivo, o analista lembra que isso dá mais margem de espaço para altas nos papéis da construtora do que no de suas rivais. “A ação GFSA3 está negociando com um múltiplo baixo. A R$ 8, ela opera com 1,23 vezes o valor de mercado dividido pelo patrimônio líquido. As rivais negociam, em geral, a 2,80 ou 2,20 vezes.”

Lançamentos em 2020

André Ackermann, diretor financeiro e de relações com investidores da construtora, diz que a gestão mudou, mas ainda há muito a ser feito para que a companhia possa aproveitar os bons ventos da economia e ganhar competitividade. 

 “A principal ação implementada pela nova gestão foi a reestruturação do capital da empresa, que tinha uma dívida líquida sobre o patrimônio muito agressiva. Entraram R$ 405 milhões no caixa com as duas tranches de aumento de capital que fizemos”, explica Ackermann. 

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Um gestor que não quis se identificar destacou que a empresa tem andado de lado nos últimos meses porque está ainda em processo de “turnaround“, precisando arrumar a casa para que os investidores fiquem mais confiantes em comprar as ações. Ele ressalta que os aumentos de capital feitos nos últimos anos diluíram a posição dos acionistas originais, mas que a estrutura parece estar mais “ajeitada” agora e o papel pode finalmente começar um processo de valorização.

“O GWI fez muitas demissões, de modo que a Gafisa precisa recompor o time e limpar o balanço de obras atrasadas e manutenções para fazer”, avalia.

De acordo com Ackermann, os lançamentos de edifícios e outros empreendimentos devem ser retomados na segunda metade do ano que vem, o que deve impulsionar o faturamento. A ideia seria vender principalmente unidades localizadas em Moema e outras regiões nobres de São Paulo. “Estamos avaliando entregar um portfolio de muita qualidade. Temos 17 obras hoje em andamento e no ano que vem estaremos em pleno vapor”, explica.

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Na avaliação dele, a vantagem competitiva da Gafisa é ter esses ativos “premium” e uma marca forte.

Os lançamentos podem vir até antes dependendo de como se desenrolar o que a Gafisa anunciou ontem. Em comunicado, a empresa anunciou que pretende adquirir 100% das ações da Upcon, construtora e incorporadora que atua nas zonas Sul e Oeste da capital paulista. A proposta não é vinculante e as duas empresas devem chegar a um acordo em 60 dias.

Luis Stacchini, analista do Credit Suisse, comentou que a transação deve ser feita por meio de um acordo de swap, mas como a Gafisa ainda não divulgou os detalhes, fica difícil emitir uma opinião sobre a atratividade do negócio.

Por outro lado, ele e outros membros da equipe de análise do banco acreditam que a aquisição mostra a companhia voltando ao caminho certo. “O mercado tem dado sinais de que está privilegiando crescimento em detrimento de criação de valor no longo prazo e, se olharmos por esse angulo, a aquisição deve ser vista como positiva. Acreditamos que a operação pode trazer algumas sinergias e permitir à Gafisa retomar os lançamentos antes do previsto”, consta no relatório do Credit.

O lado negativo é que a aquisição traria mais complexidade para o negócio da construtora, que mal se recuperou ainda de um período de layoffs e disrupção. Os analistas do banco suíço possuem recomendação underperform (desempenho abaixo do desempenho do mercado), com preço-alvo de R$ 4,98, o que corresponde a uma queda de 37% frente o fechamento de segunda. Assim, apesar do movimento de reestruturação da empresa, os analistas seguem céticos.

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.