Corretoras precisam fazer dever de casa para verem lucro, diz Carlos Souza Barros

Presidente da Ancord eleito em abril diz à InfoMoney que as corretoras precisam oferecer mais produtos, cortar custos e prestar serviços melhores aos investidores

João Sandrini

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SÃO PAULO – Em um momento em que a maioria das corretoras luta para sobreviver ao crescente desinteresse dos investidores brasileiros pela Bolsa, os conselheiros da Ancord (Associação Nacional das Corretoras e Distribuidores) decidiram eleger em abril um novo presidente para a instituição. O escolhido foi Carlos Souza Barros, diretor-presidente da Souza Barros, uma das corretoras mais longevas do mercado brasileiro, fundada há 86 anos.

Ele substituiu Joaquim Ferreira, da corretora Futura, visto como muito próximo a Edemir Pinto, o diretor-presidente da BM&FBovespa. Em entrevista à Revista InfoMoney, Souza Barros, 44, adotou um tom bastante amistoso em relação à Bolsa e disse que, para voltar a ter lucro, as corretoras precisam fazer o dever de casa, oferecendo mais produtos aos clientes, cortando custos e prestando melhores serviços aos investidores.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

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InfoMoney – O que você planeja mudar na gestão da Ancord?
Carlos Souza Barros O mercado esteve muito difícil nos últimos anos. De 2002 a 2007, a economia viveu um momento de rápido crescimento, com vários IPOs [ofertas iniciais de ações]. O Ibovespa subiu de 14 mil para quase 70 mil pontos. Muitos clientes entraram na Bolsa. Grandes projetos foram montados em cima de uma projeção de 5 milhões de clientes na Bolsa [hoje são menos de 600 mil]. Mas, em 2008, veio a crise. De 2011 a 2014, a economia brasileira foi mal, assim como as ações das “blue chips” [Vale (VALE3; VALE5) e Petrobras (PETR3; PETR4)]. As constantes quedas na Bolsa desestimularam a entrada de novos investidores. Aqueles que já estavam posicionados em ações em níveis mais altos optaram por não realizar o prejuízo. Então há um giro menor e menos receitas para as corretoras. A gente quer trabalhar para que as corretoras tenham outras fontes de renda não tão ligadas ao negócio de Bolsa. Algumas corretoras já começaram a distribuir fundos de investimento e produtos de renda fixa, como CDB, LCI, LCA e letras de câmbio.

IM – Mas há corretoras que já fazem isso e continuam no prejuízo. O que mais pode ser feito?
CSB – É preciso reduzir as despesas. As corretoras estão renegociando contratos com fornecedores, a infraestrutura de tecnologia está passando para a “nuvem” porque os custos são menores, os serviços contratados têm sido reduzidos. É uma adaptação para um volume de clientes que não veio. Algumas corretoras também passaram a operar na Bolsa em um modelo que chamamos “por conta e ordem” – ou seja, são distribuidoras. As corretoras estão ligadas direto à Bolsa. Já as distribuidoras ligam seus sistemas a corretoras conectadas, que, por sua vez, executam essas ordens de compra, venda e aluguel de papéis. Todo o custo de tecnologia fica mais leve porque passa a ser compartilhado entre a corretora que fornece a infraestrutura e os distribuidores que couberem nessa estrutura.

IM – A própria Souza Barros fez isso com a CGD, certo?
CSB – Sim. Há um acordo comercial entre CGD e Souza Barros. A conexão e o roteamento de ordens para a Bolsa passou a ser feito pela CGD, que também provê grande parte da infraestrutura de tecnologia. Eles oferecem pacotes de serviços aos clientes deles que a gente pode colocar para os nossos também. E podemos criar pacotes de produtos próprios.

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IM – Qual é a economia com um acordo como esse?
CSB – Economizamos cerca de R$ 250 mil por mês. Mas não posso generalizar esse número para outras corretoras. A qualidade do serviço continua exatamente a mesma. O cliente fala com a gente e nem percebe que há algo entre a Souza Barros e a Bolsa.

IM – A BM&FBovespa está fazendo um estudo junto com a Ancord, a consultoria PWC e o escritório de advocacia Barbosa, Müssnich & Aragão para regulamentar esse modelo. Além da redução dos custos de tecnologia, uma das vantagens que eles dizem que haverá para as distribuidoras é a redução do dinheiro que a instituição precisa depositar na Bolsa como garantia para as operações. Até que ponto isso é relevante?
CSB – Esses estudos nada mais são que um “retrofit” do modelo de corretor e distribuidor, que já funciona bem no Brasil e nos Estados Unidos. A diferença é que eles estão chamando a corretora de Participante de Negociação Pleno (PNP) e a distribuidora de Participante de Negociação (PN). As corretoras que se transformaram em distribuidores já retiraram as garantias que tinham depositado na Bolsa por não estarem mais conectadas diretamente a ela. Quando fecha um acordo comercial com uma corretora, a distribuidora deposita garantias na corretora parceira de acordo com o perfil de cliente que atende. O tamanho da economia também depende do porte da instituição. As corretoras com maior patrimônio depositam garantias em títulos públicos, que geram uma remuneração razoável. Quem se transforma em distribuidor tem a liberdade de procurar uma aplicação melhor para parte desse dinheiro. Já as corretoras menores podem depositar algumas garantias com carta de fiança, o que custa em torno de 2% ao ano. Pensando em garantias de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões, ao longo de um ano acaba sendo uma economia bastante relevante a quem vira distribuidor.

IM – Esse tipo de acordo deve ser uma tendência entre as corretoras que não estão dispostas a investir?
CSB – O caminho que cada corretora vai seguir é uma decisão empresarial. Acho que vai depender muito da forma como a economia vai se desenvolver. Entre 2002 e 2005, quando o mercado estava aquecido, muitas corretoras surgiram. Se a atividade ganhar importância no dia a dia dos investidores, não vejo por que o número de corretoras diminuiria. Se o brasileiro enriquecer, cada vez mais vai precisar de produtos financeiros das corretoras. O corretor precisa estar mais presente na vida do cliente, deve ser um consultor para quem o investidor possa ligar e conversar sobre a carteira de uma forma ampla, e não apenas sobre ações.

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IM – Muitas corretoras distribuem produtos melhores que os grandes bancos, como fundos com taxas mais baixas, produtos de renda fixa com retornos maiores e corretagem barata. Por que a maior parte dos brasileiros ainda investe por meio de bancos?
CSB – Os bancos têm grandes redes e, no modelo brasileiro, podem oferecer muitos produtos, como seguro, corretagem, câmbio, conta corrente. Mas para tratar de investimentos, é melhor procurar alguém especializado nesse segmento. O brasileiro geralmente pensa que, como o dinheiro já está no banco, a operação se torna mais simples. Os gerentes do banco possuem uma relação de confiança com os clientes e têm interesse em segurar o dinheiro na casa. Um dos grandes trabalhos que a gente vai ter de fazer é mostrar o valor do consultor de investimentos, que pode rentabilizar mais a carteira do cliente dando sugestões personalizadas e isentas. Se demonstrarmos o valor da prestação desse serviço, mais clientes virão.

IM – Como está a relação das corretoras com a BM&FBovespa? O sr. considera adequada a qualidade e o custo dos serviços da Bolsa?
CSB – Como há um único ambiente de negociação de ações e derivativos no Brasil, é lá que as corretoras precisam estar. A BM&FBovespa está fazendo um trabalho muito importante com infraestrutura de negociação e pós-negociação para dar mais segurança aos investidores e robustez ao sistema. Eles são o que há de melhor no mercado latino-americano e muitas vezes servem de exemplo para pregões internacionais. Lógico que a Bolsa cobra por isso. Como há um único fornecedor no Brasil, é difícil comparar preços com Bolsas de fora porque precisaríamos considerar pregões com volumes parecidos. Outra diferença é que no Brasil o custo de execução, registro e custódia está todo na BM&FBovespa, ao contrário do que acontece em outros países.

IM – Uma nova Bolsa que queira se instalar no Brasil teria apoio das corretoras?
CSB – Se as corretoras entenderem que é importante para o mercado, acredito que vão apoiar. Mas criar uma Bolsa envolve uma estrutura complexa e robusta. É preciso que haja transparência nos preços e igualdade de condições de acesso aos clientes.

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IM – A Nyse Technologies, empresa de tecnologia da Bolsa de Nova York, e a ATG já anunciaram a intenção de abrir não apenas uma Bolsa de ações no Brasil como também uma “clearing” para fazer a liquidação e o registro das operações. Eles têm até oferecido participações acionárias na nova Bolsa às corretoras que estiverem dispostas a trazer liquidez a esse ambiente de negociação. O sr. acredita que esse projeto vai sair?
CSB – Acredito na possibilidade de haver outra Bolsa no Brasil. Mas essa é uma operação que ainda está no papel. Qual é o endereço da ATG? Já tem roteadores conectados? Já está fazendo algum volume? Por enquanto é um belo projeto que ainda precisa se provar viável.

IM – E a Cetip? O sr. acredita que eles possam criar uma Bolsa?
CSB – A Cetip tem sócios importantes. A gente viu no mercado americano algumas mudanças de controle em uma cadeia que chega até a Cetip [a ICE, sócia da Cetip com 12% do capital, comprou a Bolsa de Nova York, que já manifestou interesse em abrir uma Bolsa no Brasil]. Vai depender do que eles imaginam para o mercado brasileiro. Minha impressão é que existe quase que um pacto [entre BM&FBovespa e Cetip] onde cada um atua em seu segmento e não entra no mercado do outro. Mas a qualquer momento isso pode ser revisto.

IM – Um ponto que joga contra a abertura de nova Bolsa é o fato de a BSM (BM&FBovespa Supervisão de Mercados) estar dentro da Bolsa. É a BSM quem faz a auditoria das corretoras e pode ou não conceder um selo de qualidade a elas, que é determinante para a conquista de clientes institucionais. Já há na CVM uma proposta em audiência pública para retirar a BSM de dentro da Bolsa. Qual é a opinião do sr. sobre isso?
CSB – A BSM é uma estrutura de autorregulação relativamente nova, mas que está ficando cada vez mais robusta. Ela mostrar sua independência é muito importante para que tenha ainda mais legitimidade. A BSM foi designada para fazer a auditoria nas corretoras naquele momento em que o Brasil crescia forte e vinham muitos clientes para o mercado. O que a Ancord está tentando construir junto à Anbima e à BSM é que não haja mais uma sobreposição de atividades. Acho que a gente não precisa desses três órgãos fazendo três auditorias nas corretoras. Seria melhor se uma auditoria reconhecesse o trabalho da outra.

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IM – A BM&FBovespa decidiu que agentes autônomos que atendem investidores institucionais não poderão mais ficar dentro das corretoras a partir de 2015. Muitas corretoras não gostaram da decisão, mas a Ancord não se posicionou. Qual é a opinião do sr. sobre isso?
CSB – Eu, particularmente, não vejo problema nenhum em ter agentes autônomos dentro das corretoras atendendo instituições financeiras. Vale notar que a BM&FBovespa não decide onde o agente autônomo pode estar. Ela decidiu que as corretoras que pretendem ter o selo de execução do Programa de Qualificação Operacional (PQO) não poderão mais ter autônomos atendendo institucionais dentro das mesas de operação [na verdade, as duas coisas são muito parecidas porque a corretora que perde o selo do PQO sofrerá uma debandada de clientes]. Realmente a Ancord não se posicionou sobre o assunto. Mas a BM&FBovespa é a dona do selo e ela decide o que lhe convém.

IM – A Ancord planeja criar algum sistema de autorregulação das atividades dos agentes autônomos, que distribuem produtos financeiros para os investidores?
CSB – Os agentes autônomos são importantíssimos para o desenvolvimento do mercado de capitais. Mais importante que criar algum tipo de controle é fortalecermos os agentes autônomos para termos escritórios de representação mais rentáveis. É preciso haver empresários capacitados com uma remuneração razoável para o investimento que estão fazendo.

IM – A Ancord poderia ser mais atuante na capacitação dos agentes autônomos?
CSB – A prova da Ancord para certificar um agente autônomo já não é para qualquer um. É preciso estudar e se dedicar. Queremos agentes autônomos qualificados para distribuir produtos de investimento. Um dos pontos que temos que trabalhar são as fontes de recursos para a Ancord. Hoje temos receitas com mensalidades dos associados e os cursos. Se tivermos mais dinheiro, poderemos oferecer melhor capacitação.

Essa matéria foi publicada na edição 50 da revista InfoMoney, referente ao bimestre maio/junho de 2014. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.

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