Cemig (CMIG4): da privatização à federalização, tese para ações têm forte virada e traz dúvidas ao mercado; o que esperar?

Visão é de que processo seja longo e complicado e que não traga frutos positivos nem ao mesmo para o governo federal; projeção é de volatilidade para ações

Lara Rizério

Cemig (Foto: Divulgação)
Cemig (Foto: Divulgação)

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De empresas no caminho de uma privatização para estarem na rota de virarem companhias estatais federais.

Em poucos meses, a tese de investimentos em Cemig (CMIG4) e em Copasa (CSMG3) sofreu uma reviravolta.

Se antes a expectativa era por um avanço – ainda que a passos lentos – de um projeto de lei em Minas Gerais que abrisse caminho para as desestatizações, intenção constantemente reiterada pelo governador Romeu Zema (Novo), nos últimos dias a tese de federalização ganhou força e fez o mercado ajustar as suas expectativas.

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Apenas na sessão de quarta-feira, por sinal, as ações preferenciais da Cemig fecharam quase 10% após Zema confirmar publicamente que concorda com a proposta de repassar ativos de Minas Gerais para a União para abater parte da dívida do Estado com o governo federal, ainda que sem cravar quais seriam as empresas.

A resposta foi dada após reunião de Zema com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da proposta apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar a adesão de Minas a um regime de recuperação fiscal, sendo uma forma de pagamento da dívida de cerca de R$ 160 bilhões de MG. Copasa, Cemig e Codemig estariam no radar para federalização.

Os rumores sobre essa alternativa geraram estranhamento e também muitas dúvidas entre os agentes de mercado sobre se as empresas listadas em Bolsa estariam nesta lista de privatização (na véspera, Zema disse que ainda não há nada definido sobre a federalização da Cemig).

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“O governador foi citado dizendo que concorda em considerar o plano de federalização, mas notavelmente não mencionou empresas específicas (até recentemente, pelo que sabemos, considerava apenas a Codemig para federalização). A federalização da Cemig parece um movimento estranho, pois, se confirmada, representaria um grande afastamento da atual estratégia seguida por Governo, que implicava uma tentativa de privatizar a Cemig e a Copasa”, avalia o Bradesco BBI em relatório.

Além disso, a participação do Estado na Cemig vale R$ 6,4 bilhões a valor de mercado, um valor insignificante em comparação com o total da dívida.

A XP também aponta que as participações do Estado parecem pequenas nesta renegociação. Usando os valores de mercado da Cemig e da Copasa, o valor total dessas participações seria de R$ 8,2 bilhões, contra um valor de dívida de aproximadamente R$ 160 bilhões. A Codemig valeria mais que isso, mas ficaria longe de cobrir parte relevante da dívida.

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Soma-se a isso também que, do ponto de vista do Governo Federal, possuir ativos de distribuição no passado foi uma experiência amarga, dados os desafios operacionais em comparação com os ativos de geração e transmissão.

A XP acrescenta que todas as distribuidoras controladas pela Eletrobras vendidas em 2018 vieram de processos semelhantes e tiveram resultados não favoráveis.

Alguns bancos estaduais também foram federalizados na década de 90, num acordo de renegociação de dívidas que envolveu privatizações. “Nesses casos, juntamente com a negociação da dívida, o governo federal queria impedir que os estados possuíssem e utilizassem bancos para financiar as suas atividades”, afirma a equipe de análise da XP.

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“Por fim, historicamente o legislador mineiro tem sido bastante apegado à Cemig, sempre se opondo a mudanças de controle que acabariam por reduzir sua influência na empresa”, avaliam os analistas do BBI.

Este, por sinal, seria um longo e sinuoso processo, conforme ressaltaram diversas casas de análise.

Mesma que essa medida possa ser uma solução para a dívida do estado de Minas Gerais com o governo federal sem implementar medidas impopulares, há vários desafios para as execuções.

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Em primeiro lugar, avalia a XP, envolveria vários atores, como a assembleia federal e a estadual de Minas Gerais, para aprovar o acordo. “Acreditamos também que outros estados em situações desafiadoras gostariam de ter as mesmas condições – o que poderia criar uma carga fiscal para o governo federal”, reforça.

Essa transferência de controle geraria direito de tag along (proteção legal concedida aos acionistas ordinários (ON) minoritários em operações de venda do controle) aos acionistas minoritários da Copasa e aos detentores de ações com direito a voto da Cemig.

“A federalização da Copasa parece um evento que estaria fora do âmbito regulatório de saneamento no Brasil, onde as concessões são municipais ou divididas entre estados e municípios nas regiões metropolitanas”, avalia a XP, o que também explica a reação “mais amena” das ações CSMG3 na véspera.

O BBA também ressaltou que existem outros desafios, com o Tribunal de Contas da União (TCU) provavelmente analisando a negociação e podendo contestar os termos, levando a questões sobre qual seria a avaliação implícita, enquanto também há dúvidas se acionaria o pagamento antecipado da dívida, dado que os detentores de dívida devem aprovar a mudança de controle.

Negativo, se concretizado

Apesar das dificuldades para que esse processo se efetive, os analistas de mercado são praticamente unânimes em destacar que a federalização seria negativa para as empresas, caso seja concretizada.

“Em nossa opinião, a Cemig e a Copasa possuem uma equipe de gestão muito boa, que tem conseguido implementar mudanças para melhorar a eficiência das empresas, apesar das restrições de serem empresas estatais. No caso da Cemig, a empresa também vendeu ativos não essenciais e tem sido muito responsável na alocação de capital”, avaliou o BBA.

A Genial destaca que seu receio reside em três pilares: i) ausência de ambiente favorável para privatizações no estado de Minas Gerais, ii) eventual substituição dos atuais executivos da Cemig e Copasa e iii) sobre como seria a remuneração ao acionista minoritário e, claro, que valores seriam oferecidos a estes.

“Caso esse evento venha a disparar direito de retirada para minoritários devido a mudança de controlador, entendemos que o valor patrimonial seja uma referência de valor a ser considerada ao longo desse processo (No 3T23, o valor patrimonial da Copasa era de R$ 20,70 por ação e R$ 13,50 por ação na Cemig – valendo lembrar que a CSMG3 é composta por ações 100% ordinárias e pertence ao Novo Mercado, sendo assim, estaria mais protegida sob essa questão)”, aponta.

A XP também avalia de forma diferente os processos para os detentores de cada classe de ações. “Se tais medidas fossem implementadas, o resultado seria negativo para as empresas; no entanto, pode ser pior para os detentores do PN da Cemig do que Copasa. O motivo são os direitos de tag-along que os acionistas da Copasa têm e os da Cemig não. Os acionistas da Cemig ON teriam tag along de 80%”, complementa.

A Genial, por sua vez, vê um possível impacto positivo em outra elétrica, esta recém privatizada: a Eletrobras (ELET3;ELET6). “Se considerarmos o interesse do governo federal em ter uma estatal do setor de energia elétrica, a federalização da Cemig iria nesse sentido (empresa integrada, tamanho razoável, entre outros). Teoricamente, a materialização desse desejo deveria reduzir o impacto do governo federal em rever os voting rights da Eletrobras. Ou assim esperamos”, ressaltou.

Para a Levante Corp, as novas informações sobre a possível federalização são de fato uma surpresa negativa que traz volatilidade para os papéis tanto de Cemig quanto para Copasa, que contam atualmente com uma gestão profissional que já está à frente da companhia há alguns anos, onde foi promovido um processo de ganho de eficiência na empresa e desde de 2017 vem entregando melhoria nos seus resultados financeiros e com isso pagando dividendos na casa de 9% aos seus acionistas.

Os analistas da casa ponderam que, por conta da Lei das Estatais e pelo que tem se observado tanto no Banco do Brasil (BBAS3) quanto na Petrobras (PETR3;PETR4), os resultados das estatais federais ainda seguem entregando bons resultados, após um período de seis anos de saneamento operacional e financeiro que foi promovido nas empresas ao longo dos governos Temer e Bolsonaro.

“No entanto, é de conhecimento do público em geral os problemas ocorridos na gestão do passado, envolvendo o partido do atual mandatário federal e por isso já temos observado aumento de volatilidade nos papéis de Cemig e Copasa. Seguiremos acompanhando de perto a evolução da possibilidade da federalização das companhias, um processo que ocorreu em raríssimas ocasiões no Brasil. Todavia como o endividamento mineiro aparentemente é insustentável a transação, apesar de sua complexidade, pode vir a acontecer”, aponta.

Levando em conta esse possível cenário de volatilidade, a Genial manteve no momento a recomendação de manutenção para as ações de Cemig e Copasa.

O BBI, que tem recomendação neutra para CMIG4, com preço-alvo de R$ 13, ressalta que, após a forte queda dos ativos de quase 10% agora, a ação negocia agora a uma TIR (Taxa Interna de Retorno) real de 11,9%, o que considera justo para uma estatal (anteriormente, CMIG4 era negociada a 10% de TIR real, devido principalmente ao entusiasmo pelo avanço da privatização e aos bons dividendos/resultados operacionais).

Porém, caso a Cemig seja federalizada, estima uma queda para uma TIR real de pelo menos 15% a 17%, implicando um preço de R$ 8,90/ação a R$ 7,50/ação. Ou seja, negociada na casa dos R$ 11,30, a ação ainda teria espaço para baixa entre 21% e 33%.

O BBA também ressaltou ser difícil encontrar conforto em um ponto de entrada bom para entrar nas ações em meio à queda, isso dadas as implicações da mudança na equipe de gestão e o estratégia das empresas. Mas aponta que as ações poderiam recuperar caso a proposta de federalização se mostre inviável.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.