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SÃO PAULO – Com a forte recuperação das duas maiores economias do mundo, China e Estados Unidos, 2021 começou com a demanda por commodities aquecida. As matérias-primas, que são os ingredientes básicos da retomada das atividades mundo afora, embarcaram em um ciclo de alta, beneficiando países com forte produção de agrícola e pecuária, como o Brasil.
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Ainda que boa parte do avanço já tenha ficado para trás, analistas são unânimes: ainda há mais por vir. Além do avanço da vacinação, os mercados estão encharcados de dinheiro, fruto dos estímulos trilionários de governos para combater a pandemia. Com menos restrições de deslocamento, os países ricos voltam a produzir e consumir – e têm dinheiro em caixa para isso.
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O cobre, por exemplo, se aproximou dos US$ 10 mil por tonelada. No último dia 29, chegou a US$ 9.885, igualando o pico registrado em 2011. A commodity é chamada de Dr. Copper (em português, Dr. Cobre), o metal com PhD em economia, tamanha a sua correlação com a atividade econômica.
Já o minério de ferro bateu a máxima histórica ao atingir US$ 191 por tonelada no último dia 30. E o Índice de Commodities da Refinitiv (ex-Reuters), que mede o comportamento de um grupo de 19 matérias-primas, está no maior valor em três anos.
Os recordes nas cotações das commodities casam com os dados robustos de retomada da China e dos EUA. Em março, as vendas no varejo do país asiático subiram 34,2% e o PIB chinês registrou avanço recorde de 18,3% no primeiro trimestre. Já os EUA cresceram 1,6% no primeiro trimestre, o maior avanço trimestral desde o terceiro trimestre de 2003, excluindo a alta do PIB no terceiro trimestre de 2020 com o início da reabertura.
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Com cerca de um terço da Bolsa brasileira composta por ações ligadas a commodities, mesmo diante da deterioração dos quadros fiscal, político e econômico, as matérias-primas têm sustentado a alta dos ativos. É o que explica o descolamento entre o Ibovespa e o PIB – enquanto o índice vem subindo, as expectativas para a economia vêm caindo.
Gilberto Cardoso, analista de commodities da Ohm Research, ressalta que além do crescimento de China e EUA, a Índia, com a segunda maior população do mundo, também tem impulsionado as commodities. “A Índia não registrou safras boas e existe uma inflação de alimentos no mundo que está puxando a demanda. Como o Brasil exporta muitas ‘soft commodities‘, como soja, açúcar e carnes, nosso mercado é favorecido.”
Problemas na cadeia de suprimento global decorrentes da pandemia também ajudaram a elevar os preços ao provocar restrições de oferta no mundo todo. “É uma combinação de demanda forte, com retomada da China, Coreia do Sul, de Taiwan e outros países, contra a performance ruim dos fornecedores”, diz Cardoso.
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Há ainda razões para o ‘boom das commodities’ que vêm do mercado de capitais. Com o PIB global crescendo mais, investidores embarcaram em um movimento de rotação desde o fim de 2020: os recursos migram de ações de growth (crescimento), como techs, para ações de value (valor) ou cíclicas, como commodities e bancos.
Conforme explica Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, na última década empresas com forte crescimento, como as techs, ganharam atratividade porque avançavam muito em um mundo de “PIB de lado”. Já num mundo de retomada do crescimento, investidores vão para ações que acompanham o ciclo econômico.
“Nossa Bolsa tem uma exposição cíclica muito grande, é um clássico exemplo da velha economia. Com EUA e China crescendo bastante e juros voltando a subir, esses dois fatores beneficiam setores cíclicos e o Brasil fica muito bem posicionado nessa rotação” diz Ferreira.
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Em relatório divulgado no dia 22 de abril, o Bank of America disse esperar, mais uma vez, que ações de empresas da América Latina ligadas a commodities registrem forte crescimento na atual temporada de balanços, com as receitas do primeiro trimestre crescendo, em média, 115% no ano contra ano, e o Ebitda (capacidade de geração de caixa), 247%.
Ressaltando que, até a data de publicação do relatório, 66% das empresas americanas superaram expectativas de vendas e lucro por ação, o BofA diz que as revisões de ganhos seguem positivas tanto globalmente quanto no Brasil. “Os setores mais fortes do Brasil são os de alimentos básicos e cíclicos: commodities e financeiros. […] Do lado negativo, ações ligadas ao consumo discricionário, de TI, setor imobiliário e industriais estão sendo revisadas para baixo, à medida que a segunda onda da pandemia prossegue.”
Qual é o espaço para alta?
De forma geral, os economistas avaliam que boa parte do movimento de alta das commodities já passou, mas ponderam que ainda dá tempo de surfar na onda.
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“Se pensarmos em um ciclo, mais de dois terços já ficaram para trás, mas os preços devem se manter razoavelmente altos. É verdade que a China está desacelerando, mas os EUA continuam crescendo e os pacotes de Biden ainda devem sustentar a demanda”, afirma Gilberto Nagai, head de renda variável da BNP Paribas Asset Management.
Igor Lima, gestor de renda variável da Trafalgar Investimentos, afirma que algumas commodities já estão “fazendo um platô”, como o minério de ferro. “Metálicas e petróleo já completaram 70% ou 80% do movimento de alta, mas ainda têm um espaço de ganho de 30%. As mais interessantes para entrar agora são as agrícolas, como a soja e a carne bovina, que subiram em reais, mas bem menos em dólar”, diz.
Para que a tendência de alta das commodities se revertesse, seria necessário um “fundamento pior”, segundo Lima. “Estamos num ciclo de alta ainda, de recuperação da atividade global e não há sinais de fadiga. Pelo contrário, vemos mais estímulos, principalmente dos EUA, além da reabertura das economias no mundo todo.”
Mas qual seria o espaço para avanço exatamente? O Goldman Sachs prevê que os preços das commodities subam 13,5% nos próximos seis meses. O banco destaca que metade delas têm preços de curto prazo superiores às cotações para entregas futuras, um padrão altista conhecido como backwardation, que “mostra como os mercados de commodities estão cada vez mais apertados”.
Já o banco UBS projeta ganhos acima de 10% para as commodities em seis meses, citando os fortes dados macroeconômicos, o aumento da demanda por cobre e a contínua disciplina na oferta da Opep, entidade que representa os países exportadores de petróleo.
Em um relatório publicado no dia 12 deste mês, a gestora BlackRock destaca que a retomada econômica tem gerado comentários sobre um novo “superciclo de commodities”. Mas enquanto o consumo da China foi a chave do último superciclo, no início dos anos 2000, desta vez é diferente.
“Vemos uma demanda mais ampla por metais em mercados desenvolvidos e emergentes, graças a uma revolução política global em resposta ao choque da Covid e também à uma demanda estrutural que surgiu com os gastos massivos de governos com energia renovável e infraestrutura”, diz o relatório da BlackRock.
Os analistas acreditam que a retomada pós-pandemia não é uma típica recuperação econômica e provavelmente será muito mais rápida do que as retomadas no passado.
“O crescimento na China – o maior consumidor de commodities do mundo – já está de volta ao nível pré-Covid e os EUA estão logo atrás. Essa dinâmica impulsionou as commodities nos últimos meses, mas o suporte deve desaparecer assim que a economia retornar a uma tendência de crescimento modesto”, diz a BlackRock, que cita estimativas de mercado que apontam que a economia americana deve voltar ao patamar pré-pandemia no fim do ano.
A gestora ainda afirma que há perspectivas diferentes entre os grupos de matérias-primas: a retomada ainda deve sustentar os preços do petróleo no curto prazo, mas a “transição verde” deve erodir a demanda por combustíveis fósseis no longo prazo. Já metais industriais estão prontos para desfrutar de uma demanda estrutural provocada por essa mesma transição verde nos próximos anos.
Ações ainda não refletem avanço das commodities
Apesar de concordar que boa parte da alta das commodities ficou para trás, Thomas Giuberti, da Golden Investimentos, diz que o investimento em ações ligadas a matérias-primas ainda pode valer a pena porque o avanço dos preços das commodities não foi incorporado pelos papéis.
“Se a China continuar forte e o minério acima dos US$ 170, a Vale (VALE3), por exemplo, tem muito espaço para revisão para cima. E isso vale para todas as empresas produtoras de commodities: as ações não estão precificando o preço à vista das commodities”.
O gestor da Trafalgar afirma que o fundamento das empresas melhorou, com as receitas impulsionadas por preços elevados e aumento da demanda, mas o preço das ações não avançou na mesma velocidade. Ao observar o múltiplo EV/Ebitda (valor de mercado mais dívidas sobre a geração de caixa) da Vale, por exemplo, a empresa negociava a 4,1 vezes em dezembro. “Agora, com a melhora dos fundamentos, vemos a Vale negociando a 3,1 vezes o EV/Ebitda, mesmo após a forte alta da ação.”
Quanto menor o EV/Ebitda, mais próximo o valor da empresa está da sua capacidade de gerar caixa, portanto mais “descontado” está o papel. “E são companhias que, a essa cotação das commodities, geram muito caixa e estão pouco endividadas”, diz Lima. Hoje, a maior posição do portfólio da Trafalgar, composto por 15 ações, é a Vale, mas a carteira também inclui os frigoríficos Marfrig (MFRG3) e JBS (JBSS3), esse último com uma participação menor.
Citando os fortes resultados das ações ligadas a commodities esperados para o primeiro trimestre, a Levante Ideias de Investimentos afirma que as ações do setor também podem ser uma boa proteção contra as turbulências da política e contra a alta da inflação.
“O IPCA-15 de abril mostrou uma desaceleração em relação a março, mas, mesmo assim, a edição mais recente do relatório Focus mostra que os prognósticos para a inflação em 2021 superam 5%. Ou seja, vale a pena pensar em ações de commodities como uma estratégia defensiva contra a inflação”, diz a Levante, que além da Vale, cita também a Usiminas (USIM5) como ações que se beneficiam da alta das commodities.
Ao divulgar no fim de abril relatórios sobre as expectativas para os balanços do primeiro trimestre, destacando que “as commodities devem brilhar”, o BofA reiterou recomendações de compra para: CSN (CSNA3), cujo preço-alvo foi elevado de R$ 45 para R$ 53; CSN Mineração (CMIN3), com preço-alvo subindo de R$ 10 para R$ 11,50; Vale, com preço-alvo de US$ 25 para os ADRs (recibos das ações negociados em Nova York); JBS, com preço-alvo elevado de R$ 40 para R$ 46; e Marfrig, cujo preço-alvo subiu de R$ 22 para R$ 27.
O banco também tem recomendação de exposição acima da média (overweight) para ações ligadas a papel e celulose, com Klabin (KLBN11) e Suzano (SUZB3) como os papéis preferidos no setor na América Latina. Os preços-alvos para as ações são de R$ 36 e R$ 99, respectivamente.
Superaquecimento pode ameaçar ciclo de alta
O principal risco no radar é o superaquecimento das economias chinesa e americana, já que a inflação pressionada poderia levar a aumento de juros, esfriamento da economia e redução na demanda por commodites. Inclusive, acertar quando ou se a inflação vai se acelerar é o grande dilema do mercado hoje.
Em relação à China, o presidente Xi Jinping já pediu às províncias que tentem regular preços de matérias-primas para evitar a inflação acima da meta. “O governo chinês já tentou segurar preços antes, com medidas ligadas a estoques e crédito, mas é difícil fazer esse controle porque a China importa muita matéria-prima, 80% do minério usado no país vem de fora”, diz Cardoso, da Ohm.
Os elevados estímulos econômicos feitos no país em 2020 são sentidos nos preços agora, segundo Cardoso, uma vez que investimentos em infraestrutura têm um ciclo de nove meses entre o anúncio das injeções, a elaboração dos projetos, o empenho de verbas e, finalmente, o aumento da demanda para executar obras.
“Neste primeiro semestre a demanda chinesa não deve mudar muito, mas no segundo semestre pode começar a perder força e em 2022 devemos ter um ano mais normal”, diz Cardoso, prevendo que a perda de ímpeto na China pode levar a um arrefecimento do boom das commodities no Brasil a partir do fim deste ano.
Roberto Reis, sócio da Meraki Capital, trabalha com um cenário-base sem sustos em relação à China, com o país ainda sustentando um “grande ciclo de commodities” neste ano. “Dados mostram que o crescimento está indo bem e o governo chinês tem capacidade de movimentar a economia mais do que governos do Ocidente. Não estou muito preocupado”, diz.
Sobre os EUA, a inflação nos 12 meses encerrados em março ficou em 2,6%, acima da meta de 2% do Fed, o banco central americano. O Fed vem batendo na tecla de que a inflação pressionada é transitória e que, para subir juros, o índice deveria ficar acima de 2% por tempo prolongado e o país deveria alcançar o pleno emprego.
E mesmo que a alta em março (0,6%) seja a maior desde agosto de 2012, analistas de mercado ponderam que a inflação núcleo, que desconsidera energia e alimentos, está mais estável, com variação de 0,3% em março e 1,6% em 12 meses.
“Parte do mercado acha que a inflação cede e vai para 2,10% ou 2%, se isso acontecer ótimo, segue o jogo, mas se continuar pressionada aí gera um desconforto. Mas a capacidade de fôlego adicional do Fed deve ser mais questionada no fim do ano, ainda estamos no capítulo ‘EUA com crescimento absurdo de 7%, 8%’, e o mercado está dizendo ‘vamos ser felizes'”, diz Reis.
Fernando Ferreira, da XP, cita outro ponto que reduz as preocupações sobre a inflação. “Essa alta da inflação global tem acontecido por um bom motivo, que é a recuperação da economia. Então, mesmo com aumento de preços, o cenário continua sendo construtivo para commodities.”
Ainda assim, o risco é monitorado de perto. “Embora o Fed diga que vai tolerar nível maior de inflação, se o problema sair do controle podemos ter um ruído mais forte no mercado, que hoje trata isso como um risco marginal. Uma inflação nos EUA acima de 5% é o pior risco do nosso cenário hoje, qualquer sinal nesse sentido faz a curva americana abrir mais rápido, por isso é importante observar pincipalmente o segundo semestre”, diz Lima, da Trafalgar.
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