Publicidade
SÃO PAULO – A notícia da renúncia de Wilson Ferreira Junior da presidência da Eletrobras, por motivos pessoais, comunicada pela companhia na madrugada de domingo (24), não foi bem recebida pelos investidores no mercado internacional, que já manifestavam preocupação com os obstáculos políticos aos planos de privatização.
Os ADRs (American Depositary Receipt) da empresa negociados na bolsa de Nova York fecharam com forte queda de 11,76%, a US$ 4,95.
Por conta do feriado de aniversário da cidade de São Paulo, a B3 permanecerá fechada, retomando os trabalhos no dia seguinte, o que tem direcionado as atenções dos investidores ao pregão no mercado americano.
Continua depois da publicidade
Na última semana, as ações da Eletrobras (ELET3, R$ 30,24,; ELET6, R$ 30,58) acumularam queda de cerca de 11%, em meio às declarações do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), candidato à presidência do Senado Federal, de que a privatização da estatal não é uma prioridade.
O recado do candidato – apontado por analistas políticos como o favorito na disputa e que conta com um amplo arco de alianças, que vão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a siglas da oposição – foi um balde de água fria para as pretensões de alguns investidores.
Depois das falas, o Bradesco BBI reduziu a recomendação dos ativos para neutra (veja mais clicando aqui), mantida após a notícia deste domingo. O banco apontou na semana passada que a privatização poderia render R$ 30 bilhões, e disse que não está claro se Pacheco poderia mudar de ideia.
Continua depois da publicidade
Uma avaliação comum no mercado financeiro é que, sem um fortes apoiadores em posições de destaque no Congresso Nacional, a votação de uma possível privatização da companhia poderia se arrastar – o que a aproximaria dos movimentos para as eleições de 2022, quando são esperadas dificuldades adicionais ao processo.
Diante deste quadro, analistas já avaliavam o risco de a equipe de gestores liderada por Wilson Ferreira deixar a empresa, em busca de mais visibilidade. Eles lembram que o grupo se juntou à Eletrobras em 2016, com a missão de resgatar a companhia de um momento delicado e prepará-la para a privatização.
O comunicado da saída de Wilson Ferreira Júnior foi prestado em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários. Segundo o ofício, o executivo vai deixar a presidência da empresa no dia 5 de março. Ainda não há um sucessor indicado. A companhia convidou os investidores para uma teleconferência às 15h desta segunda-feira com a presença do executivo.
Continua depois da publicidade
Ferreira assumirá o comando da BR Distribuidora, conforme comunicado pela própria companhia em fato relevante ao mercado. Convidado pelo conselho de administração, ele sucederá o atual presidente Rafael Salvador Grisolia, que deixa o posto em 31 de janeiro.
Segundo a nota, foi feita uma consulta à Comissão de Ética Pública da Presidência da República para analisar eventual necessidade de cumprimento de quarentena por parte do executivo antes de assumir a nova posição.
E agora?
Em novo relatório publicado nesta segunda, o BBI reforçou que a saída de Ferreira Júnior “é um golpe” nas expectativas de privatização da companhia.
Continua depois da publicidade
“No entanto, ficaríamos surpresos se os comentários de Pacheco pudessem ter sido o único motivo para fazer Wilson sair”, ressaltam, apontando que enxergam as falas do senador como “negativas, mas não definitivas”.
Agora, os analistas acreditam que o investidor deva esperar, principalmente para ver quem será o sucessor do executivo, já que grande parte da tese de investimento depende de saber se as melhorias operacionais feitas na empresa nos últimos anos serão mantidas.
“Embora seja difícil trazer um executivo do setor privado, esperamos que o governo nomeie alguém com formação técnica que possa dar continuidade ao bom trabalho realizado pela administração de Wilson”, aponta o Bradesco BBI.
Continua depois da publicidade
Segundo os analistas, também é preciso esperar a eleição para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, já que “talvez” a privatização ainda tenha chances de ocorrer, processo que eles estimam ter potencial de gerar R$ 30 bilhões ao Tesouro Nacional.
Já a equipe do Credit Suisse enxerga a privatização como algo difícil de acontecer, mas não impossível. “Acreditamos que o processo de privatização é complexo e pode levar muito tempo para ser concluído, dependendo de mudanças que precisem destinar mais recursos para investimentos na região Norte, limitação de direito de voto para investidores e garantia de um colchão para o eventual aumento de preços ocasionado pelo fim do regime de cotas”, explicam.
No curto prazo, os analistas projetam um impacto bastante negativo nas ações, mas reforçam a ideia de que o investidor deve aguardar. O Credit tem uma preferência pelos ativos ELET6 da companhia por conta não só dos maiores dividendos mas também pelos riscos da privatização, que impactam mais as ações ON.
“A renúncia de Ferreira Júnior também levanta preocupações sobre a sustentabilidade dos atuais níveis de geração de caixa; continuamos a acreditar que é difícil mudar o bom desempenho operacional da Eletrobras em um curto espaço de tempo e as mudanças implementadas por ele são de longa duração”, avaliam.
Na política, a saída de Wilson Ferreira Júnior reforça uma percepção de que a privatização da companhia está mais distante de acontecer – menos em função de eventual resultado da disputa pelas presidências das casas legislativas e mais pelo baixo empenho do Palácio do Planalto em implementar tal agenda.
Dois eventos são lembrados como claros exemplos de dificuldades no horizonte: 1) a fala de Rodrigo Pacheco; 2) a movimentação que quase resultou na demissão de André Brandão do Banco do Brasil.
No primeiro, além de ser um claro sinal de que a privatização não está entre as prioridades do candidato favorito nas eleições para o comando do Senado Federal, há indicações de que o assunto não foi tratado com atenção nas conversas com o Palácio do Planalto. Sem o empenho do Poder Executivo, a pauta não avança.
Já no segundo, ao dar ordem de demissão ao comandante do BB, Bolsonaro apresentou credenciais de intervencionista, e precisou ser convencido por membros do governo a desistir da ideia. Episódio que engrossou a fala enfática do presidente contra a desestatização da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) um mês atrás.
“Dificilmente a empresa será assumida por alguém com o objetivo de privatizá-la em dois anos, diante da falta de apoio do Planalto nesse sentido”, observam os analistas da XP Política.
A renúncia traz à tona uma preocupação no mercado sobre possível uso político da companhia para composições do governo com sua nova base de apoio no parlamento, em uma tentativa de garantir governabilidade no segundo biênio de mandato.
Histórico
Wilson Ferreira Junior estava à frente da Eletrobras desde 2017, quando foi nomeado pelo então presidente Michel Temer (MDB). O executivo é um dos principais defensores do plano de privatização da companhia, processo que enfrentou reveses ao longo dos anos e acabou não se concretizando.
No fato relevante, a Eletrobras reconheceu méritos do executivo, como a redução de alavancagem e a diminuição de custos operacionais com privatizações de distribuidoras e programas de eficiência.
“Sob sua gestão, a companhia atingiu lucros históricos, reduziu sua alavancagem a patamares compatíveis com a geração de caixa, reduziu custos operacionais com privatizações de distribuidoras e programas de eficiência, colocou em operação obras atrasadas, simplificou a quantidade de participações acionárias, com a venda, incorporação e encerramento em cerca de 90 sociedades de propósito específico, aprimorou seu Programa de Compliance, padronizou estatutos sociais e alçadas de aprovação das Empresas Eletrobras e resolveu contenciosos importantes nos Estados Unidos decorrentes de reflexos da Operação Lava Jato, dentre outras realizações relevantes”, diz o documento.
O executivo chegou a se envolver em polêmicas no início da sua gestão. Em junho de 2017, a divulgação de uma conversa de Ferreira Júnior com sindicalistas gerou mal-estar na empresa, depois de o então presidente da companhia se referir a funcionários com adjetivos como “safados” e “vagabundos.”
(com Agência Estado)