Em 31 de dezembro de 2022, entrará em vigor a Lei 14.286/21, que define o novo marco cambial. Essa lei dispõe sobre o mercado de câmbio nacional, o capital brasileiro no exterior, os recursos que entram no país e a prestação de informações ao Banco Central.

Na prática, tudo isso tem como principal objetivo tornar as transações internacionais mais simples, o que beneficiará principalmente a atuação do Brasil no comércio exterior. Mas o novo marco cambial não alcança somente exportadores e importadores, pois essas mudanças também terão impacto sobre viagens internacionais e remessas de recursos ao exterior.

Portanto, se você atua no Comex, ou se está programando uma viagem, costuma enviar ou receber dinheiro de fora do país, ou tem algum recurso investido no exterior, continue a leitura e entenda quais os efeitos da nova lei sobre as suas finanças.

O que é o novo marco cambial?

O marco cambial é um mecanismo criado para facilitar as transações em moedas estrangeiras, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. 

Algumas leis brasileiras sobre operações de câmbio são centenárias, e isso faz com que existam vários aspectos já bastante defasados sobre o tema. Por exemplo, você sabia que não pode vender para um amigo os seus dólares ou euros que sobraram de uma viagem? 

É isso mesmo. Legalmente, só bancos ou casas de câmbio podem negociar moedas internacionais. Logo, se você já fez isso, saiba que cometeu uma contravenção. Com a nova legislação, a negociação entre pessoas físicas passa a ser permitida, até o limite de US$ 500 por operação. Assim, se você fizer essas transações eventualmente e de forma eventual e não profissional, não estará mais infringindo a lei.

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Além de transações entre pessoas físicas, o marco cambial também trará mudanças para o comércio exterior, viagens internacionais e contas fora do país, conforme veremos mais detalhadamente a seguir.

O que são operações de câmbio?

Basicamente, operações de câmbio são transações que envolvem compra ou venda de moedas estrangeiras para diferentes objetivos. Nesse sentido, elas podem se aplicar ao comércio entre dois países, à compra de moeda para viagens internacionais ou a remessas e recebimentos de valores do exterior, por exemplo.

Quando uma empresa exporta seus produtos, ou importa uma máquina de um fornecedor estrangeiro, está fazendo uma operação de câmbio. Da mesma forma, quando você compra dólares, euros ou alguma outra moeda para viajar, isso também é uma operação cambial.

Dependendo do tipo de operação, haverá um contrato de câmbio diferente para formalizá-la. Lembrando que só é possível fazer uma operação de câmbio com uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central.

Quando passa a valer o novo marco cambial?

A Lei 14.286/21, que rege e moderniza a regulação cambial no Brasil, foi sancionada em 31 de dezembro de 2021. De acordo com o texto da lei, a sua vigência está prevista para iniciar em 30 de dezembro de 2022.

Em 10 de outubro, o Banco Central divulgou as minutas das novas normas do marco cambial. O conteúdo desses documentos, disponíveis no site do BC, trouxeram algumas mudanças em relação ao texto original da lei a partir de uma consulta pública realizada pela própria autoridade monetária. Segundo declarou o BC, os novos textos, que ainda serão validados por sua diretoria, buscam maior alinhamento das operações de câmbio com outras do sistema financeiro.

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Como o novo marco cambial vai afetar as viagens internacionais?

A nova lei aumenta o limite de dinheiro em espécie que cada pessoa pode portar nas viagens internacionais. Nesse sentido, o valor passará dos atuais R$ 10 mil para US$ 10 mil. Isso vale tanto para quem sai do Brasil quanto para quem chega no país.

É importante saber que o atual limite de R$ 10 mil foi definido em 1994, ano em que o real e o dólar estavam em paridade de 1 x 1. Ou seja, o que o novo marco cambial propõe não é, de fato, um aumento desse limite, mas sim uma simples equalização dos valores com os praticados pelo mercado internacional, visto que, nos EUA, esse limite também é de US$ 10 mil.

Como ficam os investimentos no exterior?

Para alguns especialistas, o novo marco cambial deverá impactar mais a gestão de fundos e outras operações do que propriamente o investidor. Ou seja, essas mudanças serão mais sentidas de forma indireta por quem investe em ativos internacionais.

Em entrevista ao Estadão, Diego Cordeiro, head de Câmbio da Golden Investimentos, afirmou que a nova legislação auxiliará a criar novas estruturas de investimentos. Segundo ele, isso deverá contribuir para o aumento dos investimentos no exterior, o que é vantajoso quando se pensa em diversificar e proteger o patrimônio.

“É sempre importante ter algo atrelado ao dólar na carteira para proteger o ganho de capital. Desde o pão até a gasolina que consumimos são influenciados pela moeda”, explicou Cordeiro na entrevista.

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Leia também: Novo marco cambial promete reduzir entraves para investidores, facilitar remessas e ampliar a concorrência

Mas ainda há questões a serem definidas quanto às novas normas em relação aos investimentos no exterior. No início de novembro, o Banco Central realizou a terceira consulta pública sobre o novo marco cambial. Dessa vez, a proposta abordou pontos referentes ao dinheiro brasileiro que vai para fora do país.

Nesse sentido, um dos principais aspectos é a possibilidade de investir em qualquer modalidade já existente no mercado internacional. Outras disposições da proposta são a prestação de informações de capitais brasileiros no exterior à entidade e a manutenção da periodicidade e dos pisos declaratórios das declarações atualmente em vigor.

Impactos do marco cambial sobre o comércio exterior

Com a nova legislação, as empresas terão mais liberdade para gerir e alocar as suas receitas de exportação que mantêm no exterior. 

Pela lei atual, o exportador não pode repassar recursos às suas filiais ou subsidiárias no exterior. Em outras palavras, quando uma empresa do grupo tem sobra de caixa e outra que está fora do Brasil precisa de recursos, não pode haver uma simples transferência de dinheiro entre elas. 

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Para suprir essa necessidade, ou a empresa lá fora toma um empréstimo ou faz uma operação de câmbio para receber dinheiro da coligada. O novo marco cambial permitirá esse fluxo direto de recursos entre empresas do mesmo grupo, inclusive permitindo o pagamento em moeda estrangeira de débitos contraídos por empresas brasileiras.

Outro ponto importante sobre o comércio exterior é o fato de as novas normas adaptarem o mercado cambial brasileiro às recomendações da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), principalmente no que diz respeito a padrões de flexibilização burocrática. Isso facilitará o fluxo de dinheiro no mercado nacional, e ampliará os serviços financeiros para exportadores brasileiros.

Quanto às importações, também haverá algumas facilidades. Isso porque, no caso de uma importação financiada, não será preciso que o produto esteja fisicamente no Brasil para que se possa iniciar o seu pagamento. 

Abertura de contas em dólar no Brasil

Atualmente, poucos segmentos no mercado brasileiro podem ter contas em moeda estrangeira. É o caso de corretoras, administradoras de cartão de crédito, seguradoras e operadoras de turismo. Por sua vez, os bancos brasileiros só podem oferecer esse serviço se fizerem parceria com bancos internacionais.

No entanto, com o novo marco cambial, o Banco Central permitirá que instituições financeiras abram diretamente contas em outras moedas.  Além disso, essa autorização também será estendida a setores estratégicos da economia, como  energia, petróleo e gás. E o motivo é simples: esses segmentos movimentam enormes cifras todos os anos e são fundamentais para fomentar o desenvolvimento do país.

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Por isso, a possibilidade de essas empresas terem contas em dólar, euro ou outra moeda forte poderá melhorar a dinâmica dos seus negócios, o que contribuirá para o desenvolvimento da economia nacional como um todo.

Abertura de contas em reais no exterior

Outro ponto contemplado pelas novas normas é a ampliação da permissão para que se possa ter contas em reais no exterior. 

Atualmente, existe grande burocracia para que não-residentes possam abrir contas fora do país. No entanto, a nova lei quer mudar esse cenário, ao determinar que contas em reais de não-residentes e de residentes tenham o mesmo tratamento. Segundo especialistas, a tendência é de que a maior presença do real no cenário internacional facilite também a entrada de investimentos estrangeiros no Brasil. 

Lembrando que o Pix internacional já é uma realidade e está em testes. No início de 2023, a previsão é de que o Bank for International Settlements (BIS), entidade conhecida como o “Banco Central dos bancos centrais”, anuncie os próximos passos para o lançamento desse serviço.

Estímulo à concorrência

A nova lei cambial também permitirá a redução de estruturas operacionais e jurídicas de quem atua nesse mercado. Dessa forma, isso pode ser um estímulo para que novas empresas passem a oferecer serviços de câmbio, como fintechs e algumas instituições de pagamento, sem precisar de associação com bancos e corretoras. Com mais players no mercado e estruturas mais enxutas, espera-se reflexos na redução de custos das transações para os clientes.

Vantagens e desvantagens do novo marco cambial

De forma geral, o novo marco legal do câmbio se mostra como uma alternativa para melhorar o ambiente de negócios do Brasil, à medida que visa promover o fortalecimento do real. Para isso, simplificará as transações em moeda estrangeira, desde as mais simples (como entre pessoas físicas) até as de comércio exterior, facilitando a inserção de mais empresas nas cadeias globais.

Com mais visibilidade no cenário externo, espera-se maior fluxo de capital estrangeiro no Brasil, tanto para investimentos no mercado financeiro quanto na própria estrutura produtiva das empresas. 

Outro impacto das novas normas diz respeito aos custos para os usuários. Com novos players nesse mercado, a expectativa é de que os custos das operações de câmbio sejam reduzidos ao longo dos anos. Isso sem falar na evolução tecnológica, que agilizará as transações com outros países, contribuindo também para a maior eficiência do comércio internacional.

Todos esses pontos levam a crer que o novo marco cambial poderá contribuir positivamente para o fortalecimento do real frente a outras moedas. No entanto, especialistas chamam atenção para o fato de que poderá haver desestabilização do câmbio se esse fluxo financeiro não ocorrer de forma equilibrada.

Sobre o risco, o economista José Paulo Kupfer observa que, em momentos de real mais depreciado, poderia haver um incentivo para não-residentes se endividarem em reais para comprar dólares e revendê-los em seguida. Kupfer cita também possibilidades de ataques especulativos contra a moeda brasileira, o que aumentaria a volatilidade do câmbio.

Outros especialistas também alertaram para os riscos das novas normas ainda em 2019, quando o projeto de lei foi enviado ao Congresso. Na ocasião, os economistas Pedro Rossi e Daniela Magalhães Prates (professores da Unicamp) e Nathalie Marins (doutoranda da Unicamp) publicaram artigo no Valor Econômico no qual observaram que o novo marco cambial poderia incentivar a migração do real para o dólar em momentos de incertezas.

“No limite, o país pode adentrar por uma trilha sem volta em direção à dolarização e à situação de instabilidade vigente na Argentina e no Equador”, concluíram os economistas.