Vendas no varejo mostram desempenho desigual, com prevalência do consumo mais essencial

Segmentos mais ligados à renda se favorecem do mercado de trabalho aquecido, enquanto os afetados pelo crédito sofrem com os juros altos

Roberto de Lira

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O resultado das vendas varejistas no Brasil em julho, divulgado nesta sexta-feira (15) pelo IBGE, mostra a mesma fotografia observada nos meses anteriores, com o desempenho mais forte nas atividades relacionadas à renda e mais fraco naquelas que dependem do crédito, segundo análise de economistas. Isso reflete, por um lado, o momento de aquecimento do mercado de trabalho e, por outro, o cenário contracionista causado pelos juros altos.

Os dois dados principais refletem isso: as vendas no conceito restrito subiram 0,7% em julho ante junho, superando até as expectativas de mercado, mas o varejo ampliado, que inclui veículos e material de construção, recuou 0,3%.

“Avaliando as características dos grupos que apresentaram alta, é possível observar que o consumo está concentrado, em sua maioria, nos grupos que detêm itens essenciais. Esse efeito pode ser explicado por um cenário ainda contracionista para juros, o que leva tanto as empresas como as famílias a optarem pelo conservadorismo no consumo”, comentou a economista da Esh Capital, Ariane Benedito.

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Ela destaca ainda que, mesmo com o crescimento acima das expectativas na medição de julho, a PMC se encontra 2,2% abaixo do nível recorde da série, observado em outubro de 2020.

João Savignon, chefe de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital, também ressaltou a forte heterogeneidade no desempenho do varejo como o destaque do mês. No comércio varejista ampliado, ele lembra que as  vendas de veículos tiveram queda de 6,2%, impactadas pelo fim dos estímulos do governo.

“As atividades relacionadas à renda estão com recuperação mais acentuada no ano, refletindo o bom momento do mercado de trabalho e o incremento da renda das famílias”, comentou. “No entanto, nesse mês tivemos algumas atividades que surpreenderam, como materiais de escritório, de informática e outros bens de uso pessoal.”

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Para os próximos meses, Savignon diz que as perspectivas devem seguir desafiadoras para o comércio. “Dos fatores limitadores, temos o crédito caro e alto endividamento das famílias. Já entre os fatores que dão suporte ao varejo, se destacam o processo de desinflação -especialmente de alimentos e bens industriais – e o mercado de trabalho apertado”, listou.

Rodolfo Margato, economista da XP, também disse ver o setor varejista brasileiro crescendo num ritmo modesto nos próximos meses. “O consumo de bens tende a desacelerar, em linha com a dinâmica recente do mercado de trabalho. Além disso, as condições de crédito ainda apertadas e o alto endividamento das famílias continuam a pesar sobre as atividades ligadas aos bens de consumo semiduráveis e duráveis”, afirmou.

Os economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac, do PicPay, disseram ter observado sinais de que o endividamento e a inadimplência estão começando a cair na ponta e estimam que essas melhores condições de consumo das famílias devem se traduzir em um aumento da demanda e uma consequente expansão do comércio doméstico. “Por outro lado, ainda devemos sentir os efeitos defasados da política monetária restritiva”, ponderaram.

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Com uma leitura parecida, Claudia Moreno, economista do C6 Bank, mantém a projeção de que o comércio fique “de lado” até o final do ano, impactado principalmente pelo efeito do juro alto na economia. “Revisamos nossa projeção para o crescimento do varejo ampliado em 2023 de 4,3% para 4,1% depois dos dados mais fracos de julho”, disse.

Mas esse desempenho não alterou a previsão de crescimento do PIB de 3% em 2023 e de 1,5% em 2024.

Para o Santander Brasil, após um impacto positivo em junho, as vendas no varejo ampliado retornaram à trajetória de queda logo após o fim da redução fiscal para a compra veículos. Olhando para o futuro, esperamos que a atividade varejista ampla mantenha uma tendência de desempenhos mornos”, segundo relatório assinado por Gabriel Couto.

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“Continuamos a ver sinais de desaceleração para a atividade global no futuro, uma vez que segmentos mais cíclicos indicam uma tendência contínua de desaceleração devido a condições financeiras altamente restritivas. Além disso, esperamos contribuições negativas para a produção agrícola, na margem, no 2º semestre, após forte expansão no 1º semestre.”

André Cordeiro, economista-sênior do Inter, também cita os desempenho diferenciados do varejo em sua análise. Segundo ele, não é possível ver um padrão muito claro, mas é nítido que atividades mais ligadas ao consumo discricionário estão sofrendo mais, como vestuário e móveis, uma vez que, no acumulado dos últimos 12 meses, mostraram recuo de mais de 10%.

“Por outro lado, atividades mais ligadas ao setor de serviços mostram bom desempenho, como combustíveis e lubrificantes e materiais de escritório, com altas de 19% e 1,4% nos últimos 12 meses, respectivamente”, comentou.

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Para ele, o resultado do varejo ainda sugere uma demanda enfraquecida, o que é reforçado pelo comportamento do varejo ampliado, que recuou 0,3% em julho, devido à queda de 6,2% nas vendas de veículos. “Portanto, o ambiente de elevada taxa de juros e alta comprometimento da renda das famílias tem sido um empecilho para o setor, lembrando que o corte da taxa Selic em agosto ainda não foi capturado pelo resultado de hoje.”