Selic a 2% ou a 5%? Persevera e Occam explicam diferentes previsões para os juros em 2021

Para parte expressiva do mercado financeiro, início de um processo de aumento dos juros para conter a inflação deve começar neste semestre

Mariana Zonta d'Ávila Beatriz Cutait

(Getty Images)
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SÃO PAULO – Já foram quatro reuniões com a taxa Selic mantida no patamar de 2% ao ano pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). Mas se depender das expectativas de parte expressiva do mercado financeiro, a situação deverá ser alterada ainda no primeiro semestre deste ano, com o início de um processo de aumento dos juros para conter a inflação.

A primeira sinalização foi dada com a retirada da expressão “forward guidance” (prescrição futura, no jargão em inglês), que funcionava como uma “barreira técnica” para a alta de juros, no comunicado após a última reunião.

Segundo a ata referente ao encontro de janeiro, parte dos integrantes do Copom já considerava a necessidade de dar início à elevação da Selic, mas, diante das incertezas, foi decidido aguardar mais informações sobre o cenário econômico e a pandemia do coronavírus.

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Na última quinta-feira (11), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que a intenção dessa parcela do colegiado com relação a mudanças na Selic dizia respeito a março. E ressaltou que o fato de o BC comunicar um dissenso não deveria ser interpretado como uma sinalização sobre sua política monetária, enfraquecendo a visão do mercado de uma alta de juros na próxima reunião do Copom no mês que vem.

O último relatório Focus, do BC, que compila semanalmente as expectativas de mercado (bancos, gestoras de recursos, empresas não-financeiras, consultorias, associações de classe, academia, entre outras), apontava para a manutenção da Selic no encontro do Copom em março, porém com aumento para o patamar de 3,50% ao fim do ano, e de 5,00%, em dezembro de 2022.

O boletim ainda mostra uma perspectiva de inflação de 3,60% registrada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2021 e de 3,49%, em 2022.

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Diante desse cenário, são poucas as gestoras que têm se posicionado a favor da manutenção dos juros no nível atual. Uma das vozes dissonantes parte da equipe da Persevera, encampada por Guilherme Abbud, um dos fundadores e diretor de investimentos.

Coragem, BC

Em carta a investidores referente a janeiro, a Persevera afirmou serem compreensíveis os temores de que o “dragão da inflação” ressurgirá com força, dada a magnitude e a velocidade dos estímulos fiscais e monetários implementados em 2020, em uma ordem de grandeza superior ao que foi feito na crise financeira global. A gestora defende, contudo, uma visão na direção oposta, com a avaliação de que o mundo apresenta questões estruturais “incomodamente inflacionárias”.

“O mercado vai se decepcionar com a atividade, vai se surpreender com uma inflação baixa e ver que o câmbio vai gerar apenas um repique inflacionário”, diz Abbud, ressaltando esperar alta de 3% do IPCA neste ano, um crescimento de 2,5% do PIB e o dólar a R$ 4,50, em dezembro. “Achamos que a Selic não está fora de lugar para a realidade vigente, até deveria cair mais.”

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Para o diretor, o grosso do repique de preços já ocorreu, em meio ao auxílio emergencial, à alta das commodities e à forte desvalorização cambial. Ele chama atenção para o elevado nível de endividamento no país e com uma taxa de desemprego também elevada, o que endossa a perspectiva de que a retomada levará alguns anos.

“Se o Banco Central tiver sangue frio, paciência, vai ficar claro daqui a alguns meses que a atividade brasileira está se desacelerando forte e que a inflação mais alta foi um repique”, afirma Abbud.

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A preocupação, em sua avaliação, é que o BC esteja deixando dois fatores competirem com a visão de inflação sob controle. O primeira seria a “sensação genérica” de que os juros já caíram demais, como se o atual patamar fosse incompatível com a realidade da economia brasileira.

E a segunda questão diz respeito a uma impressão de que a autoridade monetária conseguiria normalizar o câmbio com os juros mais altos, o que é contestado pela Persevera.

O investidor estrangeiro com grande peso no mercado, que historicamente buscava o carry trade – estratégia que envolve a venda de moeda de um país de juro mais baixo, tida como mais segura, e a compra de uma divisa de outra nação com juros mais elevados –, não deve retornar tão cedo, destaca Abbud.

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“O Brasil expulsou o dinheiro que só vinha pelo carry trade, e não adianta levar a Selic de 2% para 4%, o carry trader não virá. Teria que levar os juros acima de 10% para essa volta.”

O diretor defende que o Banco Central aguarde pelo menos duas reuniões para observar os indicadores antes de tomar uma decisão de mudança nos juros. E, se não subir a Selic até maio, Abbud acredita que não vai aumentar mais neste ano.

Diante do cenário descrito, a Persevera defende uma combinação no portfólio de Bolsa e juros prefixados com vencimentos no máximo em três anos.

Na preparação para a alta

Com visões diferentes das da Persevera, há gestoras que veem razões para a Selic ser elevada substancialmente em 2021. É o caso da Occam Brasil, que espera que a taxa básica de juros encerre dezembro em 5% ao ano, com seis altas consecutivas.

Na avaliação de Pedro Dreux, sócio e gestor da Occam Brasil, após a exclusão do forward guidance, o BC está preparando o terreno para a alta da Selic, que deve acontecer a partir de março ou em maio, a depender dos dados divulgados no período.

Ainda que a inflação tenha registrado em janeiro a menor taxa desde agosto, com alta de 0,25% do IPCA, Dreux espera que os preços voltem a surpreender negativamente este ano, encerrando 2021 com uma inflação de 4,10%, novamente acima do centro da meta estabelecida pelo governo, de 3,75%. Em 2020, a inflação medida pelo IPCA ficou em 4,52%.

“Quanto antes o BC agir, melhor. Quanto mais tarde, maior terá que ser o ajuste”, avalia o gestor da Occam.

Janela de oportunidade

Além da inflação, entre os principais fatores que contribuem para uma projeção da Occam para a Selic acima do esperado pelo mercado financeiro, estão o ambiente de grande liquidez global e o ritmo de retomada da economia mundial, com destaque para China e Estados Unidos, que tendem a aumentar a demanda por commodities.

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Dreux acredita que a retomada da atividade também implica um cenário mais altista para os juros globais, com as taxas nominais nos EUA já acentuadas desde o segundo semestre de 2020.

“O BC está identificando uma janela favorável ao ambiente internacional e deveria aproveitar isso para iniciar o processo de normalização dos juros por aqui”, avalia.

Segundo o gestor da Occam, caso a autoridade monetária tenha que subir a Selic mais rapidamente diante da fragilidade fiscal e excesso de endividamento, e isso ocorrer em um momento em que o apetite ao risco é negativo, o processo pode ficar “desordenado”.

Alocação

No Brasil, a casa possui posição tomada (que ganha com a alta das taxas) em contratos de juros futuros e em inflação implícita (expectativa da variação futura dos preços). A Occam vê queda de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, seguida por uma expansão tímida de 3% da atividade brasileira em 2021.

No câmbio, Dreux diz esperar depreciação do real em relação ao dólar, embora a casa tenha posição neutra na moeda americana.

Com o tema de recuperação da atividade tomando conta do cenário em 2021, o gestor diz gostar de temas cíclicos nas bolsas globais, com exposição a commodities, além de manter uma posição relevante em empresas de tecnologia.

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