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Com a seca que está assolando as regiões Norte e Nordeste do Brasil e as chuvas que estão deixando o Sul debaixo d’água, economistas e casas de análise acreditam que o fenômeno climático El Niño pode pressionar a inflação — e o trabalho do Banco Central — em 2024.
As preocupações (e os possíveis impactos) são menores no curto prazo, pois o El Niño até agora poupou as principais culturas agrícolas brasileiras — a expectativa para os próximos meses é de que os reflexos negativos sejam pontuais e se concentrem nas plantações do Nordeste e do extremo Sul, sem afetar a tendência de aumento das colheitas nacionais de grãos.
Por isso, a aposta é de que os primeiros sinais do El Niño na inflação serão sentidos só a partir do final do ano, e principalmente no próximo.
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“O impacto mais esperado deve acontecer na safra de 2024. Ali é que está o problema”, afirma André Braz, economista da FGV que faz parte da equipe responsável pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da entidade desde 1989. “Pode inclusive impactar a política monetária do Banco Central”.
Braz diz que as fortes chuvas e ciclones extratropicais no Sul podem comprometer não só a próxima safra na região mas também em outras, como a do setor sucroalcooleiro no Sudeste. Já a seca no Nordeste pode afetar a produção do feijão, por exemplo.
Neste cenário, o impacto nos preços seria sentido especialmente pelas famílias de baixa renda. “Pode mudar o destino da agricultura em 2024, e quase 20% do orçamento familiar é comprometido com alimentos. Quanto maior for o fenômeno, mais vai afetar as famílias de baixa renda, que gastam mais em proporção à renda. Isso muda o nosso cenário à frente e preocupa”.
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Outro impacto relevante pode ocorrer na política monetária do Banco Central, que iniciou seu ciclo de corte de juros em agosto, já reduziu a Selic duas vezes em 0,5 ponto percentual e indicou cortes da mesma magnitude nas próximas reuniões. “É o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário”, afirmou o BC na última redução.
“A política monetária não é tão eficaz para combater um choque de oferta”, afirma Braz. “Os efeitos do El Niño vão se materializar em aumento de preços sem que o BC tenha um remédio para combatê-lo. Pois a alta de preços não teria a ver com a demanda, mas com a oferta dos alimentos. Seria um desafio para a política monetária”.
Intensidade do El Niño
A principal dúvida atualmente é qual será a intensidade do El Niño.
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O economista da FGV pondera que ele ainda está no começo e ainda é difícil estimar seu impacto, pois seus efeitos costumam surpreender. “Às vezes a previsão é que ele virá forte e vem fraco, ou que será fraco e vem forte. Se for só um início conturbado, pode não ter impacto relevante [na inflação]. Mas parece que este já está trazendo grandes modificações”.
Para o Bank of America (BofA), “o El Niño será forte, mas os efeitos ainda são incertos”. Relatório dos economistas Natacha Perez e David Becker aponta que, no Brasil, o impacto sobre a inflação será provavelmente limitado neste ano, mas haverá uma “pressão altista” no primeiro trimestre do próximo. “Acreditamos que a inflação alimentar será afetada no 4T23 e, de forma mais intensa, no 1T24”.
O banco estima uma alta de até 1 ponto percentual no IPCA, “no caso de um aumento mais intenso do fenômeno”. “Se isso ocorrer, a previsão do IPCA poderá caminhar para perto de 6,0% ao final
do próximo ano. “[No momento], esperamos uma inflação de 4,8% no ano de 2023 e de 3,7% no ano de 2024”.
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Na última reunião do Copom, os diretores do BC discutiram potenciais riscos para a inflação devido ao El Niño e incorporaram um pequeno impacto à previsão do IPCA de 2024. “Ressaltou-se a incerteza com relação ao El Niño no que tange à sua magnitude, ao período em que o fenômeno teria maior impacto e aos impactos individuais sobre diferentes produtos alimentícios”, afirma trecho da ata da reunião.
“O comitê optou por incorporar um impacto relativamente pequeno do El Niño em suas projeções de inflação de alimentos, mas alguns membros enfatizaram os impactos inflacionários no caso de ocorrência de um fenômeno El Niño mais extremo”, aponta o texto.
Mudança na queda da Selic?
Para o BofA, o BC deve continuar a reduzir a Selic no ritmo atual, de 0,5 p.p. por reunião, “a menos que o choque desancore as taxas de longo prazo de inflação”. “Esperamos a Selic em 11,75% ao final de 2023 e 9,50% ao final de 2024”.
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Relatório do Citi afirma que a probabilidade de um El Niño mais forte “está aumentando” e isso é preocupante, mas “acontecimentos e dados passados indicam que os choques diferem entre países e eventos, uma vez que o contexto macro é importante”.
A expectativa do banco não é que o bancos centrais da América Latina parem completamente com os cortes de juros, “mas sim que abrandem os ciclos de corte, dadas as fracas perspectivas de atividade”. “Atualmente, há cerca de 70% de probabilidade de um evento forte se materializar até o final de 2023. Isso aumenta os riscos para a inflação e para o afrouxamento da política monetária, embora a forma como o choque se manifesta nos padrões climáticos seja diferente na América Latina”.
Já o Bradesco BBI tem uma visão mais positiva no curto prazo e afirma que os preços dos grãos devem continuar caindo, até atingir os níveis de 2019. “São esperadas colheitas robustas nas Américas, impulsionadas pelas chuvas do El Niño, o que deverá levar os preços dos cereais a continuarem a cair nos próximos 3 a 6 meses”.
Impacto na energia?
Há também a preocupação de o El Niño afetar a geração de energia das hidrelétricas, o que elevaria o custo da eletricidade com reflexos na inflação. Mas o fenômeno costuma aumentar as chuvas no Sul e no Sudeste, o que favorece a recuperação dos reservatórios das usinas nessas regiões.
“O El Niño causa mais chuvas no Sul e Sudeste, onde estão os maiores reservatórios, e isso diminui as chances de um efeito desagradável”, afirma Braz, da FGV. “Mas fico preocupado com a geração de energia, pois pode não chover onde tem de chover, depois de uma seca intensa que acabou em 2023”.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) afirma que o País vai conseguir atravessar a estiagem no Norte e Nordeste graças às condições favoráveis de outros reservatórios. Sandoval Feitosa, diretor-geral da agência, afirmou em audiência na Comissão de Infraestutura do Senado na quinta-feira (4), que a seca histórica não deverá elevar os preços da energia elétrica ao consumidor — ao menos até dezembro.
Feitosa minimizou a decisão do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) de quarta-feira (4), de liberar a operação das usinas termelétricas nas regiões atingidas pela seca, para assegurar o abastecimento no Acre e em Rondônia. “Claro que quando se liga as térmicas, que não estavam previstas antes, há um custo. Mas, por enquanto, não há necessidade de se mexer nas bandeiras tarifárias”.
Mesmo a paralisação nesta semana da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, não afetou os preços no mercado livre de energia, em que grandes consumidores compram diretamente de geradoras e comercializadoras.
Desde segunda-feira (2), quando a parada foi oficializada, o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), medido pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que é a referência de preço à vista (“spot”) no mercado tem oscilado próximo às mínimas do ano, na casa de R$ 69,04 por Megawatt-hora (MWh), bem longe do pico de R$ 765,11/MWh observados durante a crise hídrica de 2021.