Recuo recente do endividamento ainda não espelha impacto do Desenrola, mas o aperto do crédito

Segundo a CNC, em outubro ainda havia 76,8 milhões de pessoas endividadas; impacto do programa federal poderá ser sentido no início de 2024

Roberto de Lira

Ilustração sobre dívidas (Shutterstock)

Publicidade

O programa federal Desenrola, de renegociação de dívidas, já beneficiou cerca de 7 milhões de pessoas, que conseguiram tirar seus nomes do vermelho, segundo dados divulgados na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas, embora os mais recentes indicadores oficiais de endividamento e de inadimplência tenham mostrado um ligeiro recuo ou estabilidade, isso ainda não está totalmente ligado ao programa, que precisa de tempo de maturação mostrar seus efeitos.

Segundo a mais recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) o número de pessoas endividadas em outubro caiu entre setembro e outubro, de 77,4 milhões para 76,8 milhões. Esse dado inclui quem tem dívidas a vencer em contas de cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, cheque pré-datado e prestações de carro e casa.

Outra pesquisa, da Serasa Experian, mostrou um número de 71,8 milhões de inadimplentes no país em setembro, mais do que os 71,7 milhões de outubro.

Continua depois da publicidade

Além disso, a CNC apontou que 29,7% das pessoas atrasaram o pagamento de suas dívidas em outubro, ante 30,2% em setembro, com melhoras mais visíveis entre as famílias de baixa  e média renda.

No entanto, o volume de consumidores que relatam não ter condições de pagar dívidas atrasadas referentes a meses anteriores permanece e segue estável com 13% das famílias. E quase metade (48,5%) dos consumidores com atrasos ainda possui dívidas não honradas há mais de 90 dias, uma proporção que continua crescendo.

Felipe Tavares, economista chefe da CNC, afirma que já era esperada uma demora para que o programa mostrasse efeito com a redução no número de famílias endividadas, uma vez que atinge dívidas com o tíquete médio é mais baixo. “Não são as dívidas maiores, das inadimplências mais complexas. Conforme forem encaminhadas as próximas fases do Desenrola, isso vai começar a se tornar mais sensível”, prevê. “A medida é boa, mas não podemos ser imediatistas, deixa o negócio maturar”, afirma.

Continua depois da publicidade

Sobre a atual melhora no endividamento, o economista diz que ele não pode ainda ser atribuído 100% ao Desenrola poque não há uma causalidade direta. Ele cita outras variáveis que estão gerado impacto no momento, como o início da redução dos juros e a menor oferta de crédito, por conta do aperto orçamentários das famílias.

A pesquisa de setembro da Serasa Experian mostrou que a demanda dos consumidores por crédito havia caído 13,8% em setembro, com índices muito próximo em todas as classes de renda.

“Quando as famílias diminuem o consumo, melhora o endividamento. Isso se confirma quando se observa que a expectativa de consumo das famílias está se reduzindo mês a mês, estão consumindo menos e estão prevendo que vão consumir menos. Esse é um indicador de que tem ouros fatores além do Desenrola”, explica.

Continua depois da publicidade

Tavares lembra que isso já aconteceu no início do FGO (o fundo garantidor de crédito criado para viabilizar o Pronampe) na pandemia. “Ele demorou uns quatro meses para tracionar o volume de crédito, pois as famílias começaram a entender como ir buscar essa linha de garantias. Acho que o Desenrola vai ser mais ou menos no mesmo ritmo”, estima.

Para ele, os efeitos mais aparentes do programa de renegociação de dívidas devem aparecer durante o primeiro trimestre de 2024.

A primeira varável que deve mostrar o impacto do programa será na proporção de pessoas que acham que não vão conseguir pagar alguma dívida. Essa variável, das famílias que dizem que não vão ter condição de pagar, está no seu pico histórico, a gente nunca teve essa variável tão elevada. E ela é a raiz do Desenrola, que pega prioritariamente quem está inadimplente há mais tempo e que precisa negociar. Esse indicador tende a recuar com o sucesso do Desenrola”, acredita.

Continua depois da publicidade

Para o economista chefe da CNC, a expectativa é que a porcentagem de famílias endividadas possa recuar para padrões históricos, dos atuais 76,9% para algo entre 60% e 65%.

Já a taxa de inadimplência pura, que hoje está em 29,7%, cairia para um número entre 22% ou 23%, que é a média de longo prazo brasileira. “Então, a gente tem entre 15 e 16 pontos percentuais de endividados e 7 pontos percentuais de inadimplência para buscar uma queda”, calcula.

Sobre as contribuições que podem vir do emprego e da renda, Tavares observa que o mercado de trabalho até vem respondendo bem, com a melhora no nível de emprego, mas com nível de salários menores e o piso sendo levado para baixo. “Isso está refletindo em nossas projeções. Mês a mês, a gente está vendo que a taxa de crescimento do setor de comércio está positivo, mas com taxas decrescentes. Vamos fechar com um bom ano, o comércio vai crescer uns 3%, porém com taxas decrescentes”, estima.