Piora nos núcleos do IPCA em abril ajuda a reduzir velocidade da desinflação, dizem analistas

Índice cheio foi menor que o de março, mas alta foi mais disseminada em abril e realinhamento de preços dos serviços permanece

Roberto de Lira

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O comportamento ainda errático dos núcleos do IPCA em abril, especialmente de serviços, foi considerado pelos economistas e analistas de mercado como o principal destaque na divulgação do indicador oficial de inflação do País nesta sexta-feira. O índice cheio foi de 0,61%, abaixo dos 0,71% verificados em março, mas acima da estimativa dos especialistas. As principais supressas vieram dos grupos de Alimentos e de Saúde e Cuidados Pessoais.

Para Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, o dado de abril frustrou parte do mercado, que esperava uma desinflação mais acelerada no mês, tanto pelo movimento de deflação dos preços no atacado (IGPs), como por sinais mais favoráveis vindos do governo federal.

“O número não foi ruim (do IPCA de abril), mas continua sinalizando que estamos num processo lento de desinflação, que era esperado”, comentou Tatiana. Entre os fatores que têm afetado essa velocidade menos ela cita o processo ainda em andamento de realinhamento dos serviços com os demais preços, e o questão da inércia inflacionária, que o peso da inflação do ano passado no atual.

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A economista destacou que cerca de 25% do peso do IPCA reflete a inflação do ano passado em alguma medida, umas vez que grande parte dos preços administrados é indexada à variação do ano anterior. Além disso, no setor de serviços, a formação de preços no presente é feita observando a inflação passada e isso representa cerca de 40% do indicador. “Tem aí uns 65% da inflação que é orientada pela inflação do ano anterior”, calculou.

Ela concorda que os núcleos de serviços do IPCA mostraram piora em abril, especialmente se comparados com a variação captada no IPCA-15 do mês, a prévia da inflação oficial. Mas Tatiana afirma que, ao analisar uma janela de tempo mais longa, desde janeiro, os núcleos estão “ziguezagueando”, com um mês vindo um pouco melhor e o seguinte um pouco pior.

A economista -chefe da Galapagos Capital trabalha com uma média de três núcleos que mostra uma inflação de serviços rodando na casa entre 7% e 7,5% no primeiro trimestre de 2023. Mas no último trimestre de 2022, essa média estava na casa dos 9%, lembrou. “Então, tem uma melhora, tem uma desaceleração, mas é um movimento lento”, disse. Ela acredita que esse pulso da inflação vai se reduzir ainda mais no 2° trimestre e, especialmente, no 3° trimestre.

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Tatiana afirmou ainda que é possível observar os efeitos da política monetária praticada pelo BC nesse movimento de preço e que é correta a estratégia montada pela autoridade monetária, de manter os juros mais altos por mais tempo para cristalizar a tendência da inflação para um patamar mais baixo.

Na análise do Banco Original, assinada pelos economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac, foi destacado que o IPCA de abril “perdeu” a influência da reoneração do ICMS na gasolina e na energia elétrica. Porém, foi lembrado todos os noves grupos pesquisados apresentaram alta.

“A surpresa negativa do IPCA foi concentrada principalmente em Alimentação e bebidas. No grupo, a principal contribuição foi da alimentação em domicílio, que saiu de uma deflação de 0,14% em março para uma alta de 0,73% em abril. Esse indicador preocupa, pois reflete aquilo que a população realmente não pode abrir mão”, comentaram.

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Mas foi na análise qualitativa do indicador que Caruso e Cadilhac observaram as maiores sinalizações de que a inflação apresentou uma composição pior. Os preços dos serviços, por exemplo, passaram de uma lata de 0,25% em março para 0,52% em abril. E também houve alta na média dos núcleos (de 0,36% para 0,51% na mesma comparação).

Por fim, abril trouxe aumento de 59,95% para 66,05% no índice de dispersão (que mede a porcentagem de itens do IPCA com variação positiva no mês) e os preços livres aceleraram de +0,17% para +0,53%.

Olhando à frente, os economistas do Original citaram como positiva para o indicador a notícia de que a Petrobras estuda reduzir o preço dos combustíveis na próxima semana. De acordo com a informação, a gasolina pode cair até R$ 0,30, o valor do diesel nas refinarias pode diminuir até R$ 0,10 e o preço do botijão de 13kg pode cair até 15 reais.

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“O impacto para a nossa projeção seria de -20 pontos-base distribuídos entre maio e junho. Caso isso se concretize, o arrefecimento esperado até o fim do 1º semestre seria ainda maior e moderaria a alta prevista a partir do 2º semestre. Nossa projeção de 6,1% para 2023 está sendo revisada com um viés baixista, também levando em consideração a queda nos preços das commodities em reais e a valorização do real”, estimaram.

Para Ariane Benedito, economista da Esh Capital, a piora dos núcleos e a alta no índice de difusão em abril são movimentos inflacionários que, somados às expectativas desancoradas, devem manter a estratégia do Banco Central de prolongamento do aperto monetários, sem possibilidade de cortes na próxima reunião do Copom. “Entretanto, acreditamos que há espaço para afrouxamento nos juros no segundo semestre e Selic terminal em 12,50%”, estimou.

Alerta em Alimentos

Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, também destacou a “surpresa” de alta em Alimentos, ainda que sua previsão estivesse acima da mediana do mercado. Ela atribuiu o repique inflacionários desses produtos, em especial os hortifrúti, a fatores temporários que tende a se dissipar até julho.

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A economista também chamou a atenção para a piora nos núcleos mais relevantes, comoo dos serviços subjacentes, não tanto pelo volume da alta, mas por sua direção. “É o terceiro número com uma surpresa levemente pior. Não vai gerar grandes revisões (do IPCA) para 2023, que atualmente estão em 5,9%, mas acende um luz de atenção”, comentou.

Segundo Mirella, esses números ajudam a medir a inflação de demanda na economia e, como estão vindo um pouco acima do esperado, e corroboram com o argumento que essa inflação no Brasil segue pressionada de forma significativa.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, foi outro especialista que classificou como ruim a análise qualitativa do indicador de abril. “Segue indicando um 2° trimestre com média de núcleos ainda elevada, que é o nosso cenário”, afirmou.

Ele chamou atenção para a desaceleração mais modesta dos bens, possível de verificar pelo vez no núcleo que exclui Cuidados pessoais. Para Costa, isso reforça o cenário de desaceleração lenta e aponta que derrubar uma de dois dígitos é mais fácil do que de fato convergir para meta. “Nossa projeção para o IPCA de 2023 é de 6%, de 2024 é de 4,6%.”

André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, acredita que o resultado do IPCA em abril sinaliza a perspectiva que o BC irá manter seu plano de voo atual, iniciando os cortes na taxa básica de juros apenas no segundo semestre.

Para ele, em que pese o IPCA ter vindo abaixo dos 0,71% de março, os núcleos pioraram marginalmente e o índice de difusão aumentou em abril.

Perfeito disse ver possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciar uma sinalização de corte de juros de maneira mais clara na sua próxima reunião, em junho, devido a algumas questões mais “baixistas” para inflação, como o avanço da discussão sobre o novo arcabouço fiscal no Congresso e um viés de cortes no preços internos da gasolina, que estão acima da paridade internacional. Também podem entrar nessa conta a estimativa pelo IBGE de uma supersafra agrícola, que pode em tese ajudar na acomodação no grupo alimentação, e o real, que segue se apreciando ante o dólar.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, avaliou que de forma geral a inflação deu alguns sinais de piora em abril, mas isso não muda a expectativa que é possível um início de cortes na taxa de juros no terceiro trimestre.

Entre os sinais negativos do IPCA no mês, Sung citou a alta no índice de difusão, a aceleração do preços de serviços e dos serviços subjacentes ante o mês anterior e a constatação que tanto os núcleos de inflação quanto os serviços adjacentes avançaram em abril na leitura da média móvel de três meses anualizada.

“Quando olhamos a média dos núcleos, eles subiram na passagem de março para abril, de 0,36% para 0,51% e, no acumulado de 12 meses, se encontra em 7,26%, bem acima do ideal esperado pelo Banco Central”, afirmou.

Ele ponderou que ainda é preciso analisar a tendência das próximos divulgações até a próxima reunião do Copom antes de cravar uma possível tendência para as futura reuniões do colegiado do BC. “A autoridade monetária só dará início ao processo de cortes na taxa de juros quando tiver certeza de que a inflação está em trajetória estável e em direção à meta, as expectativas ancoradas e sem grandes choques que o façam mudar a rota no meio do caminho”, declarou.

João Savignon, responsável pela área de pesquisa macroeconomica da Kínitro Capital, também destacou as surpresas de alta de Alimentos e Vestuário em abril, além dos serviços subjacentes, item relevante para o processo de desinflação e que confirmou o número elevado para o mês.

“Assim, a composição confirmou a nossa visão de que o IPCA viria com uma ‘cara’ pior em abril. No entanto, a surpresa altista de hoje não altera nossa perspectiva para a evolução das principais medidas subjacentes do índice nos próximos meses.”, disse.

Os preços de alimentação no domicílio podem resultar numa revisão para cima da projeção da Kinitro para maio, ainda em 0,57%, mas Savignon ponderou que possibilidade de cortes nos preços da gasolina e do GLP na próxima semana devem contrabalançar esse movimento.

Previsões mais pessimistas

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, a soma de vários sinais ruins do IPCA de abril passa a tornar questionável a previsão mais otimista de que o início do corte na Selic começaria em abril.

Ela considera que a aprovação do arcabouço fiscal com aprimoramentos pelo Congresso pode melhorar as perspectivas de médio e longo prazo e contribuir para que a ancoragem das expectativas de inflação retorne, abrindo espaço para a discussão sobre o início do afrouxamento monetário.

“Mas no momento, a expansão fiscal vem mantendo a demanda aquecida e pressionando a inflação, dificultando o trabalho da política monetária, mesmo com o elevado grau de restrição”, alertou.

Celso Pereira, diretor de investimentos da Nomad, coloca o mercado de trabalho como ponto que deve contribuir para a manutenção da taxa Selic alta no curto prazo. “Em março, a economia brasileira criou aproximadamente 195 mil novos postos de trabalho, superando as expectativas de mercado de 100 mil postos. Um mercado de trabalho em crescimento dificulta o controle da inflação”, afirmou.

Na análise de Daniel Karp and Felipe Kotinda, do Santander Brasil a trajetória benigna para a inflação de curto prazo observada até o final do ano passado não está se concretizando no início de 2023.

“Nossa principal preocupação ainda não é a inflação corrente, mas sim a desancoragem das expectativas, o que pode tornar a inflação de médio prazo mais elevada”, disseram.

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, também alertou que a inflação não seguirá no atual ritmo de desaceleração. “Nossa previsão é que o IPCA volte a acelerar já a partir do segundo semestre, quando o efeito da redução de impostos adotada pelo governo em 2022 tiver saído completamente da base do IPCA e a reoneração parcial deste ano ainda pesar no cálculo do índice”, previu.

Segundo Claudia, os núcleos de inflação acompanhados pelo BC, que expurgam elementos voláteis e não recorrentes, mostram que a inflação já está parando de cair e segue em patamar muito elevado.

“Em 12 meses, os núcleos do BC acumulam uma alta de 7,3%, corroborando nossa tese de que a desaceleração da inflação não é sustentável. Na nossa visão, a resiliência da inflação de serviços, a pressão nos núcleos de inflação e as expectativas não são compatíveis com a convergência da inflação para a meta.”

A projeção do C6 é que o IPCA termine o ano perto de 6% ao final de 2023, desacelerando um pouco em 2024, para 5,5%. “Incorporamos nesse cenário uma elevação da meta de inflação na reunião do CMN de junho, o que pode abrir espaço para queda da Selic na segunda metade do ano”, disse.

Para o banco, a taxa básica de juros começará a cair a partir de setembro, chegando a 12,5% ao final de 2023 e a 11% ao final de 2024.

Essa previsão de reaceleração da inflação no segundo semestre é compartilhada por Elisa Machado, economista-chefe da ARX Investimentos.

“A partir de meados do ano, a inflação subjacente pode consolidar esse movimento de aceleração, uma vez que a renda disponível tende a ter impulso adicional com a entrada plena do reajuste do Bolsa família e seus adicionais, reajuste do salário-mínimo e de funcionários públicos, que deve mais do que compensar o eventual enfraquecimento do mercado de trabalho induzido pela política monetária.”