Investimento em infraestrutura pode avançar, mas precisa superar dilema entre público e privado

Há décadas, Brasil investe em proporção ao PIB menos da metade do recomendável por especialistas do setor

Roberto de Lira

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O investimento em infraestrutura, tanto público como privado, é um desafio crítico para qualquer país, em especial para as nações emergentes ou em desenvolvimento, que precisam elevar seu PIB potencial, sua competitividade internacional e sua geração interna de empregos, além ofertar melhores serviços para a sociedade. Mas o Brasil continua a patinar nessa questão por conta de falta de recursos, planejamento, insegurança jurídica e custo de capital.

A estagnação desse tipo de investimento no País é explicitada por estudos do próprio setor. Segundo estimativas da consultoria KPMG, o Brasil investiu no ano passado cerca de R$ 140 bilhões em projetos de energia, transporte e logística, ferrovias e mobilidade urbana, entre outros, o equivalente a 1,7% do PIB. Mas as recomendações de organismos nacionais e internacionais giram em torno de uma necessidade entre 4% a até 7% de investimentos para que seja atingido um crescimento orgânico.

A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) lembra que o Brasil estacionou no atual patamar desde 2016, mas que, mesmos no melhores momentos das últimas décadas, esse patamar mal chegou aos 2,5% do PIB em aportes.

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A defasagem fica ainda mais crítica quando o dado oficial é confrontado com as necessidades. A associação calcula que seriam necessários investimentos de R$ 374 bilhões ao ano até o final da década, ou 4,3% do PIB ao ano até 2030 só para reduzir gargalos do desenvolvimento econômico e social.

E esse déficit pode até ser maior. Existem estudos do Banco Mundial que apontam para necessidade de uma recorrência de 5% a 7% do PIB em investimentos nos países emergentes.

E conforme o Brasil vai perdendo tempo e oportunidades de avançar, o estoque de capital no setor vai se depreciando. A Inter.B Consultoria destaca que parte significativa da infraestrutura do país tem entre 30 e 40 anos e baixo nível de manutenção, levando a perdas significativas de eficiência, elevados custos de operação dos ativos e até riscos de integridade física.

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Claudio Frischtak, sócio e gestor da Inter.B destaca que o investimento tem sido historicamente pouco para a necessidade de modernização da infraestrutura. O estoque de capital na área, segundo estudos da consultoria, está em torno de 37% do PIB, enquanto países no estágio da economia brasileira necessitam de 60% do PIB de estoque. “Na maior parte dos países que se modernizaram, a infraestrutura é de 70% a 90%, depende do tamanho do território”, comparou.

Fronteiras entre público e privado

Nesse contexto, o Brasil também vê avanços muito lentos nas fronteiras entre o investimento público e o privado, uma vez que a fragilidade fiscal do governo federal só tem piorado nos últimos anos e os marcos regulatórios e reformas que propiciam um ambiente melhor de negócios para a iniciativa privada demoram a ser aprovados e ainda ficam sob a ameaça de mudanças quando há troca de poder.

Um sintoma disso é que a participação do setor público nos investimentos em infraestrutura tem recuado sistematicamente: alcançou 57,3% do total em 2010 e chegou a estimados 33,6% no ano passado. E mesmo com o investimento privado ficando com praticamente dois terços dos aportes na atual fase, o momento é de estagnação.

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Tatiana Gruenbaum, sócia-diretora líder do segmento de Infraestrutura da KPMG no Brasil, lembra que houve um período de crescimento econômico muito acelerado em 2003 e 2010, que propiciou uma alta nos investimentos, mas que o País atravessou uma forte recessão a partir de 2013. Houve um novo declínio forte em 2017 e, a partir de 2019, tanto o setor público como o privado voltaram a investir em infraestrutura.

Ela defende que é importante saber diferenciar os objetivos, a finalidade de cada um dos agentes. “O segmento público vai investir de acordo com uma agenda setorial e o setor privado de acordo com o retorno, muito mais voltado para a parte financeira. Depende das agendas, que são bem diferentes”, afirma.

Para Leonardo Giusti, sócio-líder de Infraestrutura, Governo e Saúde da KPMG, é importante frisar que a máquina pública não tem os recursos para fazer o que é necessário.

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“Acho que a sociedade civil vai empurrar as agendas e o governo precisará assumir um papel de coautor, mas não de financiador. Porque, se ele se coloca no papel de financiador, ele traz gargalos que voltam para uma desaceleração e um estrangulamento da economia, bate no social e volta contra ele próprio”, explica.

Giusti lembra que infraestrutura é pauta de qualquer governo há décadas, ou seja, sempre é prometido algo que não necessariamente é entregue. “Existe claramente uma intenção de avançar, uma clareza de necessidade. Mas essa ideologia de até onde é máquina pública, do governo e até onde é contrato para a iniciativa privada é uma equação que nunca fechou”, observa.

Qualidade e governança

Para Frischtak, da Inter.B, tão importante quanto discutir os volumes de investimentos é observar a boa governança dos aportes. Para ele, há uma clara distância entre o discurso e a prática. “O investimento é baixo. Isso é fato. Mas sempre fui muito crítico sobre a má gestão dos recursos”, diz. Ao se decidir por mais recursos públicos, sugere, é preciso garantir que sejam bem alocados e distribuídos. “Tem que estabelecer prioridades certas”, defende

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Para esse trabalho de estabelecer melhor as oportunidades e fazer ponderações de custo-benefício, o consultor argumenta que já existe um sistema de avalição de projetos no Ministério do Planejamento – a secretaria de avaliações de políticas públicas, sob o comando do economista Sérgio Firpo. “Tem que empoderar essas áreas no governo federal”, afirma.

O novo governo petista já deu mostras que pretender elevar sua fatia no bolo – ainda pequeno – do investimento na infraestrutura. A KPMG destaca que apenas no Ministério do Transportes, estão esperados R$ 20 bilhões de aportes em obras de transporte e logística, que deve totalizar R$ 136 bilhões até 2027. Só em rodovias, União, Estados e municípios deve investir R$ 8 bilhões neste ano e R$ 61 bilhões nesse prazo e cinco anos.

Para Tatiana, o Plano de 100 dias do Ministério está muito focado nessa retomada, com declarações de que há interesse em atrair o investidor estrangeiro para os projetos.

Leonardo Giusti concorda que os sinais são positivos, mas avalia que ainda é cedo para saber efetivamente para onde isso vai. “O novo governo nesses primeiros meses tem enfrentado muitas turbulências. Tem que se apropriar do que existia antes, o que estava em andamento, rever prioridades e realinhar com a filosofia e o idealismo do novo governo. Apesar de termos indícios, a gente ainda tem que aguardar um pouco as ações de fato”, pondera.

“Entendo que tem uma agenda que parece ser favorável, mas tem que aguardar um pouco mais fatos e dados concretos para materializar para onde estamos indo”, completa.

Estados e municípios

Na semana passada, o ministro dos Transportes, Renan Filho, participou de uma audiência pública nas comissões de Serviços de Infraestrutura e de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado e disse que os dois caminhos que o governo pretende seguir são a recomposição do orçamento público e o avanço na parcerias público-privadas.

Em rodovias, lembrou aos senadores, o Brasil tem quase 15 mil quilômetros de estradas concedidos e a tendência é chegar, nos próximos anos, a 20 mil ou 25 mil quilômetros de concessões.

No início do ano, Renan Filho já havia garantido a continuidade de alguns s de concessão em andamento. Um eles é referente a seis lotes, que englobam mais de 3,3 mil quilômetros de extensão, do sistema rodoviário do Paraná.

A expectativa otimista de alguns investidores está baseada nesse processo que estavam mais avançados. O último Barômetro da Infraestrutura ABDIB/EY, divulgado em dezembro, destacou a esperança de a agenda de concessões e PPPs continuaria sendo estimulada no novo governo. Já na agenda de privatizações, foi citado um indicativo de resistência do novo governo ao mecanismo.

O barômetro citou que as agendas municipais de concessões devem experimentar uma aceleração a partir de 2023, com o início do terceiro ano de mandato dos atuais prefeitos. Uma forte expectativa nesse sentido está voltada para o setor de iluminação pública, que em 2022 teve como destaque o leilão da PPP do projeto de Curitiba, que registrou um deságio superior a 71%, histórico no setor.

O documento da ABDIB citou anda diversos outros investimentos como o início da concessão dos cemitérios de São Paulo, PPPs de hospitais e até da área de segurança pública, o do Complexo Prisional de Blumenau (SC).

Essa é uma outra característica que separa o momento atual ao passado não tão distante, quando o governo federal tocava todos os projetos e as demais esferas de poder iam atrás.

“Cada um cuida do seu e a estrutura federativa é supercomplexa. Tem as iniciativas que são federais, com um uma linha mestra no governo central, mas as execuções e a autonomia estão nos Estados e nos municípios”, analisa Giusti.

O sócio da KPMG alerta, no entanto, que deve ser buscada uma integração nesses esforços, para que projetos e investimentos estejam alinhados e não sejam conflitantes. Do contrário, pode haver prejuízo para o desenvolvimento social e econômico da população.

“Muitas vezes, sinto que estão todos com boas intenções, só que vai um para um lado e o outro o outro. Precisa debater como colocar o foco e a energia para desenvolver com consistência e não com direções opostas. Falta um pouco disso: o impacto nacional em prol do desenvolvimento. E aí todo mundo põe energia onde entende e acordou, o federal e o estadual”, defende.

Frischtak concorda que o governo federal deve entender que não está sozinho. “Vivemos num sistema federativo. Tem estados que são quase países, como São Paulo, Paraná e Minas Gerais, em termos de massa de investimentos e de PIB. Seria um enorme tiro no pé criar um ambiente adverso para concessões e PPPs. Acabou a época do governo federal liderando e os estados a reboque”, destaca.

O Estado de São Paulo, agora sob a gestão de Tarcísio de Freitas, ex-ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro, qualificou no final de fevereiro 15 projetos de concessões e de PPPs para os próximos anos, que devem atrair investimentos de até R$ 180,17 bilhões.

Estão na lista vários empreendimentos nas áreas de educação, cultura, desenvolvimento urbano e habitação, loterias, transporte rodoviário intermunicipal e aquaviário, rodovias, recursos hídricos e infraestrutura rodoviária.

A grande aposta do governador, no entanto, será a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com processo ainda em fase de estruturação e que deve acontecer em 2024.

Nessa área de saneamento, aliás, está um dos pontos mais críticos para o atual governo federal. O PT sempre foi contrário à aprovação do novo marco regulatório do setor, que já favoreceu a concessão de algumas companhias estaduais e tem alavancado investimentos. E nunca é demais lembras que o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, concorreu ao governo de São Paulo contra Tarcísio de Freitas e a privatização da Sabesp foi um tema muito debatido na campanha em 2022.

Políticos mais à esquerda e áreas do governo federal têm afalado abertamente de rever alguns pontos do marco do setor, algo que os especialistas consideram um enorme erro.

“É comum que um novo governo queria se contrapor ao anterior e se diferenciar, mas creio que tem que ele deve se diferenciar  das coisas ruins.  do governo anterior. “Há um conjunto de legislações que foram bem-sucedidas. Não precisa se diferenciar em relação a isso.  O novo marco é transformador”, defende Frischtak.

Giusti, por sua vez, afirma que o novo governo não pode ficar contra essa maré de exigência de eficiência dos serviços. “A pauta do governo atual é uma pauta social. Vai botar recurso na educação, na saúde e na segurança pública. E não vai ter dinheiro para botar em outros lugares. Isso é papel da iniciativa privada”, reafirma.

“Independentemente de ideologia política, de direita, esquerda, de estado mais forte ou estado menos forte, tem um recurso que é o escasso, é a parte financeira da coisa. Não tem dinheiro para fazer tudo o que se quer fazer”, completa.

Para ele, é mais importante o governo cumprir bem seu papel de regulador, para evitar que aconteçam desequilíbrios entre o concessionário e o usuário. Vejo com bastante clareza isso. Infelizmente não é necessariamente o que gente vê na prática. Mas é um caminho que temos que seguir.

Tatiana, também da KPMG vê esse tema hoje como essencial. “Em alguns contratos como o de concessão de rodovias existe a necessidade de ter um reequilíbrio econômico-financeiro do contrato”, diz.

Ela destaca que, durante a pandemia, em vários meses houve baixa circulação de carros de passeio nas estradas, com um fluxo grande caminhões. “Isso não estava previsto no plano inicial. Não era o caso de conversarem concessionária e poder concedente e chegar a um denominador comum?”, questiona.

Para a KPMG, do ponto de vista do custo-benefício para a sociedade, faz mais sentido essa flexibilização do um litígio que leve à devolução da concessão.

Insegurança jurídica

A insegurança, no entanto, não está apenas na rigidez dos contratos. Os especialistas alertam que, quando o governo federal passa a questionar os marcos regulatórios e reformas que já foram discutidos e aprovados pelo Congresso, isso causa uma natural reação negativa por parte dos investidores. E isso tem acontecido não só na proposta de rediscussão do marco do saneamento, como também nas condições da privatização da Eletrobras.

“Nossos estudos mostram que a maior barreira para o investimento público e privado é a insegurança jurídica”, afirma o sócio-gestor da Inter.B. Sobre o setor de saneamento, ele lembra que o novo marco já foi aprovado e que muitos dos questionamentos vêm de empesas estaduais que estão com dificuldade para se adaptar.

Pra Giusti, esse tipo de questionamento pode atrapalhar planos até da agenda que o novo governo está tentando impor, reconhecendo a  clara necessidade de interligação dos modais de transportes. Um risco é de começas a interferência política em ações que deveriam ser técnicas.

Custo de capital

Apesar de reconhecerem o momento de elevação do custo de capital, os especialistas não veem nisso um impedimento para a atração de investimentos, já que a maioria dos projetos de infraestrutura é de longo prazo.

“O custo de capital está altíssimo, mas tem muito dinheiro também. Esta questão é momentânea. Não podemos falar quanto tempo isso vai perdurar ou não, a cada dia que passa novos fatos vêm à mesa que tonam o cenário um pouco mais complexo e nebuloso. Nas investimento de infraestrutura é de longo prazo. Então o custo de capital hoje traz esse impacto, mas na visão de longo prazo fica superfavorável”, diz Giusti.

Tatiana, por sua vez destaca que há muito interesse de empresas de fora no momento, principalmente nos projetos de ferrovias, mesmo com essa condição adversa.

Para Claudio Frischtak, a composição da conta de investimentos é bastante diferenciada, dependendo do setor que é analisado. Na infraestrutura, lembra, há uma inércia muito grande. “Difícil dizer que vão colapsar porque o custo do capital vai subir muito. Alguns não são tão sensíveis”, afirma.

O especialista disse não estar ainda enxergando um impacto material no interesse em investidores em infraestrutura em novos projetos. Ele apresenta como prova o recente leilão do trecho norte do Rodoanel, em São Paulo, que teve um número relevante de competidores “(O juro alto) Ainda mão afetou o suficiente te para ter um vazio no leilão”, ressalta.