Ênfase de Powell na dependência de dados mantém analistas divididos entre fim de ciclo e nova alta de juros

Inflação desacelerou, mas núcleo permanece alto e mercado de trabalho aquecido; próximos indicadores são considerados decisivos

Roberto de Lira

(Photo by Win McNamee/Getty Images)
(Photo by Win McNamee/Getty Images)

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O mercado passará os próximos dias e provavelmente as próximas semanas ainda dividido sobre as futuras decisões do Fed a respeito das taxas de juros nos Estados Unidos. A linguagem mais neutra escolhida pelo Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) ao anunciar nesta quarta-feira (26) uma esperada alta de 25 pontos-base na taxa dos Fed Funds e a entrevista cuidadosamente equilibrada conduzida pelo presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, só enfatizaram a estratégia de reunião permanente da autoridade monetária até o encontro de setembro.

No comunicado, o Fomc afirmou que os indicadores recentes sugerem que a atividade econômica vem crescendo em ritmo moderado, mas alertou que os ganhos de empregos foram robustos nos últimos meses, que a taxa de desemprego permaneceu baixa e que a inflação segue elevada. Além disso, disse estar preparado para ajustar a orientação da política monetária conforme apropriado caso sujam riscos que possa impedir o alcance de suas metas.

O colegiado comentou ainda que as condições de crédito mais apertadas para famílias e empresas devem pesar na atividade econômica, nas contratações e na inflação, embora a extensão desses efeitos permaneça incerta.

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Um pouco mais tarde, Powell disse aos jornalistas que o Fomc continuará “a tomar decisões reunião a reunião com base na totalidade dos dados recebidos e suas implicações nas perspectivas de atividade econômica e inflação, bem como no balanço de riscos”.

No cômputo geral, houve mensagens tanto para quem acredita que a alta de hoje significou o fim do ciclo de aperto como para quem ainda vê a porta aberta para mais uma dose de 0,25 ponto percentual em setembro. Ou ainda para os que apostam numa parada na próxima reunião e retomada do ciclo em novembro.

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, por exemplo, afirma que no comunicado, apesar de sutis, foi possível ver sinais de que os membros se encontram de fato abertos a novos reajustes caso a conjuntura assim demande.

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“Apesar da semelhança enorme com os informes anteriores, o comunicado de hoje apresentou alguns trechos que sugerem tal cenário, especialmente no quarto parágrafo, quando afirmam que o comitê estará preparado para ajustar as instâncias de política monetária para o nível que julgar apropriado caso algum risco que impeça o atingimento das metas da instituição apareça”.

Pizzani destaca ainda que foi dada ênfase ao mercado de trabalho, à dinâmica da inflação, às expectativas, ao cenário internacional e às condições financeiras como variáveis a serem acompanhadas pela instituição.

Para ele, isso deu clareza de quais os possíveis vetores de impacto para a condição da política monetária nos próximos períodos. “Indiretamente mostrando que o desaquecimento da economia, cujo impacto seria sentido diretamente em praticamente todas essas variáveis, segue como condição necessária para o controle da inflação na conjuntura atual.”

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O economista da CM Capital diz ainda que, apesar da tentativa de Powell de não cravar nenhuma decisão de maneira antecipada, foi possível captar algumas sinalizações a partir da leitura de conjuntura feita por ele no início de sua fala. “A começar pelo mercado de trabalho, que segundo o presidente segue extremamente apertado, enquanto o nível de crescimento foi considerado como moderado”, destaca.

“Desta forma, caso os indicadores de inflação e mercado de trabalho não mostrem evolução expressiva até o mês de setembro, período em que teremos duas divulgações para cada indicador, o cenário de mais reajuste certamente deverá prevalecer”, prevê, ponderando que ainda há espaço para a manutenção.

Andressa Durão, economista da ASA Investments, também classifica o comunicado como neutro e que as falas de Powell não foram muito diferentes da coletiva de imprensa de junho. “Não tomaram nenhuma decisão sobre reuniões futuras e vão avaliar a necessidade de mais aperto a partir de novos dados. A única novidade seria a informação que o staff não enxerga mais recessão e sim uma desaceleração da atividade econômica”, comenta.

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Ela prevê que o Fomc deve manter o nível atual da taxa de juros, caso os próximos dados de inflação venham em linha com esperado, mas alerta que o risco segue para cima.

Já Marcelo Oliveira, co-fundador da Quantzed, diz que Powell deixou em aberto a reunião de setembro ao afirmar que precisa acompanhar os números de perto, sem trazer novidades sobre próximas decisões. “Foi uma decisão acertada e que veio de acordo com o que se esperava”, comenta.

Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, destaca que, embora a linha dependente de dados adotada pelo Fed tenha turbinado apostas de que esta seria a última elevação deste ciclo (a inflação ao consumidor ficou perto de 3% em junho), muitos analistas mantêm a visão de que novos aumentos serão necessários, uma vez que o núcleo da inflação permanece resistente (registrou 4,8% em junho) e o mercado de trabalho mostra-se resiliente.

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“O comunicado do Fomc reforçou essa perspectiva ao não sinalizar de forma explícita que o ciclo de alta de juros encerrou-se hoje. Na hipótese de que o ciclo de alta continue, o foco volta-se para se teremos mais dois aumentos ou se pulará a reunião de setembro (como fez em junho) e encerrará o processo com uma última elevação em novembro”, analisa. Para Igliori, a possibilidade dos juros começarem a cair ainda este ano parece ter perdido força após o comunicado.

Rumo ainda incerto

Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, afirma ter percebido uma mensagem equilibrada de Powell na coletiva, quando equiparou a probabilidade de elevação adicional de juros na próxima reunião do comitê à de manutenção dos juros básicos.

“Powell também enfatizou que os últimos dados de inflação e mercado de trabalho trazem certo alívio, sinalizando um importante processo de desinflação em curso no país”, afirma. Para ela, a mensagem do presidente do Fed tampouco pode ser considerada muito “dovish”, ou seja, muito mais flexível perante a inflação.

“Nesse cenário, o rumo dos juros na maior economia do mundo seguirão incertos, representando o principal fator de atenção entre investidores ao redor do mundo.”

Na mesma linha, Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, apontou que, no comunicado, houve pouca mudança na avaliação do cenário, com o Fed ainda deixando próximos passos nebulosos, sendo que a “nebulosidade” se manteve na fala de Jerome Powell, após a reunião.

“O presidente do Fed alegou que a autoridade monetária americana ainda está distante de cortar os juros, mas disse que altas posteriores serão decididas reunião a reunião, seguindo os objetivos do banco central sobre a inflação e o mercado de trabalho. Investidores segue acreditando que essa foi a última elevação do BC americano, com a ambiguidade do discurso de Powell sendo traduzido em um fechamento da curva de juros nos EUA nesta tarde”, avaliou.

Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos, afirma que o comunicado do Fed trouxe alterações mínimas, com um único destaque para uma mudança na palavra relacionada à atividade, que indicaria que ela está mais forte do que a última decisão.

Na coletiva, ele destaca que Powell seguiu o discurso de que o Fed segue “data dependent” e que não tem nada decidido acerca da reunião de setembro, de forma que os dados irão ditar a sua decisão.

“Por esperarmos dados de inflação mais fracos nos próximos dois meses, acredito que o discurso dele é condizente com uma pausa em setembro e potencialmente um fim do ciclo, uma vez que a inflação deve seguir vindo mais baixo e atividade deve moderar mais no segundo semestre. Ou seja, acredito que a decisão de hoje corrobora com minha visão de que essa foi a última alta de juros do ciclo”, analisa.

Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro Capital, diz que o cenário base é que o aumento de hoje será o último desse ciclo de alta de juros.

“Essa leitura se deve a perspectiva mais benigna que temos para a inflação americana. O núcleo da inflação sustentou um ritmo próximo de 5% em termos anualizados no primeiro semestre de 2023. Nossas projeções indicam que ele desacelerará para um ritmo anualizado abaixo de 3% no 2º semestre. Acreditamos que essa dinâmica da inflação dará conforto ao Fed para manter a taxa de juros estável em 5,4% ao longo dos próximos meses, mesmo com um ritmo de crescimento saudável”, estima

Núcleo da inflação

Após o comunicado e a entrevista de Powell, Claudia Rodrigues, economista do C6 Bank, está mantendo a mantendo a leitura que o Fed implementará mais uma alta nos juros até o fim do ano, em razão da inflação continuar elevada e persistente, com o núcleo ainda acima da meta e o mercado de trabalho aquecido. “Acreditamos que os juros devem permanecer elevados por um bom tempo, e o início do ciclo de cortes deve ocorrer apenas no final de 2024”.

Eduardo Moutinho, analista de mercado da Ebury, por sua vez, diz não considerar provável outro aumento de juros até o final do ano, embora isso não sido totalmente descartado pelo Fed hoje. “Uma reação significativa do mercado só foi observada durante a coletiva de imprensa. Jerome Powell não conseguiu sustentar a probabilidade de outro aumento de juros no futuro, mas a escolha das palavras sugeriu uma perspectiva melhor de um ‘soft landing’ (pouso suave da economia).”

Já André Cordeiro, economista-sênior do Inter, afirma que a reunião de hoje encerrou o ciclo de alta da política monetária americana. “Acreditamos que o Fomc irá pular a reunião de setembro, mas adotando tom cauteloso no comunicado deixando em aberto sobre as novas altas”, diz.

Para ele, no entanto, uma eventual alta adicional em novembro não será necessária, pois até lá o impacto acumulado da contração monetária será sentido de maneira mais intensa.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, é outro analista a prever uma nova alta de 25 pontos-base na reunião de 20 de setembro. “O Fomc destaca a atividade econômica em ritmo moderado, o nível do emprego segue sólido e a taxa de desemprego baixa. Neste cenário, a decisão recai sobre a necessidade de continuar reduzindo a pressão inflacionária até atingir a taxa alvo de 2%”, justifica.

Gustavo Zuquim, gestor de investimentos do Andbank US, no entanto, diz não acreditar em alteração da taxa de juros este ano. Ele destaca que Powell colocou muita ênfase que, na próxima reunião dos Fomc, os números do mercado de trabalho e leitura da inflação serão os principais auxílios para tomada da próxima decisão.

“Além disso, comparou as leituras de inflação ‘headline’ e ‘core’, e chamou atenção que o CPI headline pode não ser o melhor instrumento para se observar o caminho da inflação uma vez que conta com componentes mais voláteis e sazonais”, pondera, completando que o presidente do Fed destacou que é positivo o fato de a inflação estar desacelerando sem ter causado uma maior taxa de desemprego.