É “quase impossível” China bater meta de crescimento, mas deve avançar 4% a 5% em 2022, diz Michael Pettis

Resultado, no entanto, será de baixa qualidade, pois está focado no investimento em infraestrutura e não no consumo, diz professor da Universidade de Pequim

Mariana Segala

Michael Pettis (Divulgação)
Michael Pettis (Divulgação)

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É “quase impossível” que a China atinja a meta de expandir o Produto Interno Bruto (PIB) em 5,5% em 2022, mas não se trata de um ano perdido. Na visão de Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim e grande conhecedor da dinâmica econômica chinesa, o país deve crescer de 4% e 5% – a menos que um ressurgimento importante da Covid aconteça no segundo semestre.

“O problema é que esse será um crescimento de muito baixa qualidade, gerado por um aumento nos gastos com infraestrutura que a China não queria e não teria feito se a economia não tivesse sido tão atingida pela pandemia”, disse Pettis em entrevista por e-mail ao InfoMoney.

Nas últimas semanas, várias casas de análise cortaram projeções para a economia chinesa, dado o impacto das políticas de “Covid zero” adotadas pelo país. Dados divulgados recentemente, no entanto, jogam dúvidas sobre o tamanho da desaceleração que está por vir. A balança comercial do país, por exemplo, veio melhor que o esperado em junho – as exportações cresceram e o superávit alcançou quase US$ 98 bilhões, ante US$ 79 bilhões em maio.

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Embora positivos, dados como esses revelam os desequilíbrios entre a oferta e a demanda doméstica na China, segundo Pettis, já que os chineses se apropriam de uma parcela pequena do que produzem como renda. Para o professor, o grande desafio para a China é gerenciar a transição de uma economia liderada pelo investimento para uma economia liderada pelo consumo.

Em sua visão, o crescimento de “baixa qualidade” que o país apresenta atualmente se assemelha ao verificado no Brasil do milagre econômico dos anos 1960 e 1970, quando “tomou emprestadas enormes quantias de dinheiro estrangeiro para financiar investimentos em grandes projetos de infraestrutura que, no final, trouxeram poucos benefícios para a economia e deixaram o país com um fardo de dívida muito alto”.

Nos próximos anos, avalia Pettis, a China deverá experimentar uma contração acentuada no investimento em desenvolvimento imobiliário e infraestrutura, enquanto migra para o consumo e o investimento empresarial como seus “novos motores de crescimento”. “O resultado será um crescimento muito menor, mas muito mais saudável”, diz, prevendo que o período dessa transição “provavelmente será muito instável”.

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Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

InfoMoney: Há dúvidas sobre o quanto a política de “Covid zero” da China afetará a economia do país. Alguns analistas dizem que haverá um colapso, mas enquetes recentes mostram que gestores de recursos estão aumentando suas posições em ações chinesas – que, acreditam, poderão se sair melhor do que as de outros mercados globais. O que podemos esperar para a economia chinesa neste ano?

Michael Pettis: Essas duas visões não são contraditórias. O mercado de ações chinês sempre foi completamente descorrelacionado do PIB e dos lucros das empresas, então é perfeitamente possível que o crescimento do PIB contraia enquanto o mercado de ações sobe. Na verdade, eu mesmo estou pessimista em relação ao crescimento da economia, mesmo tendo dito a meus clientes nos últimos meses que achava que as ações tinham mais probabilidade de subir do que de cair.

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Acho que será quase impossível para a China atingir sua meta de crescimento este ano, mas, a menos que vejamos outro grande ressurgimento da Covid no segundo semestre, acredito que a China conseguirá avançar entre 4% e 5%. O problema é que esse será um crescimento de muito baixa qualidade, gerado por um aumento nos gastos com infraestrutura que a China não queria e não teria feito se a economia não tivesse sido tão atingida pela pandemia.

Esse crescimento de “baixa qualidade” é muito semelhante às altas taxas de crescimento que o Brasil alcançou na segunda metade da década de 1970, quando tomou emprestadas enormes quantias de dinheiro estrangeiro para financiar investimentos em grandes projetos de infraestrutura que, no final, trouxeram poucos benefícios para a economia e deixaram o país com um fardo de dívida muito alto.

InfoMoney: Há razões para ser otimista com a China?

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Pettis: Entre os formuladores e os conselheiros de políticas econômicas, há um crescente reconhecimento de que o modelo de crescimento que foi tão bem-sucedido nas décadas de 1990 e 2000 levou a China a um crescimento pouco saudável e a um aumento da dívida na última década.

Muitos países adotaram esse modelo e, após muitos anos de crescimento elevado e saudável, seguidos por outros tantos anos de crescimento elevado e pouco saudável, tiveram de fazer ajustes muito difíceis. Pequim quer adiar o ajuste porque este é um ano politicamente muito importante, mas não pode adiá-lo para sempre. [Ocorrerá neste ano o 20º congresso do Partido Comunista chinês, que deve conceder um terceiro mandato de presidente do país a Xi Jinping, que ocupa o cargo atualmente]

Isso não significa, no entanto, que tudo está ruim. O que eu espero ver é uma contração muito acentuada nos antigos motores de crescimento, que são o investimento em desenvolvimento imobiliário e em infraestrutura, e uma mudança para novos motores de crescimento, que devem ser o consumo e o investimento empresarial. O resultado será um crescimento muito menor, mas muito mais saudável. No entanto, o período em que mudamos de um modelo para outro provavelmente será muito instável.

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InfoMoney: Países exportadores de commodities como o Brasil acompanham a demanda chinesa com muito interesse. Quanto a demanda enfraquecida da China deve pesar sobre os preços das matérias-primas – e quais delas em particular?

Pettis: Os preços das commodities industriais subiram acentuadamente nas últimas duas décadas, principalmente devido a um aumento maciço na demanda chinesa, a ponto de a China absorver mais de 50% da produção global de muitas dessas matérias-primas.

Mas essa demanda foi em grande parte impulsionada pela forte dependência da China de investimentos em desenvolvimento imobiliário e em infraestrutura. À medida que a China se afasta desse tipo de crescimento, a demanda chinesa por commodities industriais cairá drasticamente.

InfoMoney: A inflação tem sido um problema em todo o mundo, mas não na China, ao menos por enquanto. A demanda dos consumidores está mais fraca, e por isso não deve pressionar os preços. Mas a inflação importada também é uma preocupação importante em várias economias, como o Brasil, por exemplo. Por que isso não parece causar um grande problema para a China?

Pettis: Isso ocorre porque a China tem o problema oposto da maioria das outras grandes economias. Tem muito pouca demanda doméstica em relação ao que produz, e é por isso que a China tem superávits comerciais tão grandes.

O problema, como Pequim reconheceu em um discurso de 2007 do então primeiro-ministro Wen Jiabao, é que o consumo é extraordinariamente baixo principalmente porque as famílias chinesas retêm uma parcela muito baixa daquilo que produzem. Por exemplo, enquanto o chinês médio é cerca de 1,6 vez mais produtivo que o brasileiro médio, ele ganha apenas cerca de 1,3 vez a renda de um brasileiro.

Pequim tem tentado aumentar a renda do povo chinês com urgência, mas isso é politicamente muito difícil porque significa transferir renda do governo para as pessoas, e isso não pode acontecer sem uma mudança significativa nas instituições políticas.

O pior é que, enquanto o governo tenta estimular a economia para impedir que o crescimento caia, ele só tem as ferramentas para implementar políticas do lado da oferta, e não políticas do lado da demanda. Isso significa que quanto pior a economia ficar e quanto mais Pequim tentar estimulá-la, maior será o desequilíbrio entre oferta e demanda.

Podemos ver isso não apenas nos números baixos da inflação – que, na verdade, foram negativos em maio – mas também no crescente superávit comercial da China, que é uma medida de seu desequilíbrio doméstico.

InfoMoney: Qual é sua previsão para a inflação na China?

Pettis: Pequim quer manter a inflação abaixo de 3%. Acho que vai fazer isso facilmente.

InfoMoney: Em que medida as consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia afetam a economia chinesa?

Pettis: Elas prejudicaram a economia, forçando os preços da maioria das principais commodities para cima. A China não é apenas a maior importadora mundial de commodities industriais. É também o maior importador de alimentos do mundo.

InfoMoney: Depois do calote do grupo Evergrande, o setor imobiliário chinês ficou sob escrutínio. O senhor acredita que ele seja a principal vulnerabilidade econômica do país?

Pettis: O setor imobiliário é uma das duas maiores vulnerabilidades da China. O outro, ainda pior, é o setor de infraestrutura. Em ambos os casos, houve muitos anos de muito investimento, muitos dos quais contribuem muito pouco valor para a economia, ou até negativamente.

Pequim sabia que tinha que controlar o setor imobiliário, e no ano passado tentou, mas foi surpreendida com o quão doloroso isso seria porque subestimou o quanto o investimento imobiliário era pró-cíclico para a economia.

O país também sabe que precisa controlar o setor de infraestrutura, mas ele também é altamente pró-cíclico, e Pequim ainda não tem apetite político para fazê-lo.

InfoMoney: Na sua visão, quais são os principais desafios econômicos para a China atualmente?

Pettis: O maior desafio para a China é gerenciar a transição de uma economia liderada pelo investimento para uma economia liderada pelo consumo. Muitos tentaram, mas sempre foi difícil.

Por exemplo, a União Soviética tentou fazer isso na década de 1970, o Brasil tentou na década de 1980 e o Japão nas últimas três décadas. Em todos os casos, isso envolveu muitos anos de crescimento lento e mudanças institucionais politicamente difíceis de absorver.

Todos os três países foram economias “milagrosas” – na verdade, acredito que o Brasil foi o primeiro país a ser chamado de “milagre econômico” – que em seus últimos anos foram apanhados em meio a enormes quantidades de investimentos improdutivos e dívidas crescentes. Nenhum achou fácil resolver os desequilíbrios consequentes.

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Mariana Segala

Editora de Investimentos do InfoMoney