3 lições sobre vacinação que Israel pode deixar ao Brasil (e ao mundo)

O país do Oriente Médio já vacinou 24% da sua população com as duas doses; planejamento e tecnologia foram cruciais no processo

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Pouco mais de um mês depois do início da vacinação, mais de 40% da população de Israel já tomou pelo menos uma dose da vacina, de acordo com dados da Our World In Data, painel feito pela Universidade de Oxford que mostra a proporção de pessoas vacinadas em cada país. Os dados são desta segunda-feira (8). Emirados Árabes Unidos, Sychelles e Gibraltar aparecem logo depois, com cerca de 40% de suas respectivas populações vacinadas. Ainda, o Reino Unido aplicou uma dose em pelo menos 17% da sua população, enquanto os Estados Unidos, em 9,5% de seus cidadãos.

Considerando a vacinação completa, ou seja, com duas doses já aplicadas, Israel já imunizou cerca de 24% de sua população. O país lidera com folga em relação ao restante do mundo. Cerca de 2 milhões de pessoas receberam duas doses e 3,5 milhões receberam pelo menos a primeira, conforme os dados do governo local desta segunda-feira (8).

No caso do Brasil essa distância é grande. Por aqui, apenas 1,7% da população foi vacinada com pelo menos uma dose, e apenas 0,01% da população já recebeu as duas doses, segundo o levantamento da Universidade de Oxford.

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Porém, a comparação objetiva é injusta em alguns aspectos – já que há muitas diferenças entre os países que impactam o processo de vacinação. A começar pela quantidade de pessoas. A população de Israel conta com cerca de 8,5 milhões de habitantes, praticamente um quinto da população do estado de São Paulo. Depois, o tamanho: com uma área territorial de 22.145 quilômetros quadrados, Israel é cerca de 380 vezes menor que o Brasil (ou tem praticamente o mesmo tamanho do estado de Sergipe, que é o menor estado do país).

Isso significa que mesmo as vacinas que precisam ser mantidas em temperaturas ultrabaixas durante o transporte, como a vacina feita pelos laboratórios Pfizer/BioNTech, são possíveis de transferir de uma ponta a outra do país. Na prática, essas doses podem ser transportadas do depósito central perto de Tel Aviv, capital do país, para os centros de vacinação em todo o condado em questão de horas, segundo a revista britânica The Economist. Isso seria impossível de se fazer no Brasil. Do ponto de vista logístico, os desafios não são comparáveis.

Ainda que as diferenças sejam grandes, Israel pode ensinar ao Brasil (e ao mundo) algumas lições – ou pelo menos a direção a se seguir em relação à vacinação. O InfoMoney compilou três delas:

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1. Planejamento é crucial (ainda mais em meio à crise)

Em um contexto de corrida pelas vacinas ao redor do mundo, o planejamento antecipado de Israel se mostrou efetivo. Em junho de 2020, o país assinou seu primeiro acordo de compra de suprimentos, para a vacina do laboratório americano Moderna. Os testes com o imunizante ainda estavam no início. Mais tarde, em novembro, o país anunciou outro acordo, desta vez com a Pfizer, e conversas com a farmacêutica AstraZeneca.

As primeiras doses do imunizante da Pfizer chegaram a Israel em 9 de dezembro de 2020, e as vacinações começaram no dia 19 do mesmo mês. Foram negociados grandes lotes, na comparação com a população do país. O acordo envolveu 8 milhões de doses da vacina, suficientes para imunizar 4 milhões de israelenses, ou quase metade da população, de acordo com o site local The Times of Israel.

Já em relação à AstraZeneca, o contrato inicial previa até 10 milhões de doses, mas a negociação ainda não foi finalizada e as doses não foram enviadas ao país, segundo informações da agência de notícias Reuters.

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A vacina da Moderna foi aprovada pelo órgão regulador de Israel no início de janeiro deste ano, e o acordo fechado inclui 6 milhões de doses. O país já começou a vacinação com o imunizante do laboratório americano e enviou também 2 mil doses para a região da Palestina. Em tese, se o acordo com a AstraZeneca se concretizar em breve, o país terá vacinas o suficiente para vacinar toda a sua população em poucos meses.

Além de ter iniciado as conversas com bastante antecedência perto de outros países, o que ajudou a garantir vacinas mais rapidamente, o governo de Israel também concordou em pagar mais caro para receber uma leva antecipada de vacinas. De acordo com o jornal The Times of Israel, o país pagou um preço considerado premium, de US$ 47 por duas doses – mais do que União Europeia e EUA, por exemplo, que pagaram cerca de US$ 19 por dose (ou US$ 38 duas doses), segundo dados da Reuters.

Netanyahu aproximou o contato e fez várias ligações para o CEO da Pfizer depois do anúncio de eficácia de 90%, segundo a reportagem do jornal local. Vale lembrar que o primeiro-ministro israelense pode também ter interesses políticos, já que as eleições do país estão marcadas para o dia 23 de março.

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O primeiro-ministro argumentou que o custo extra para adquirir as doses seria compensado pelo benefício econômico de suspender as restrições relacionadas à Covid-19 mais cedo. O país já passou por três lockdowns nacionais. O que está em vigor atualmente compreende, entre outras coisas, o fechamento do espaço aéreo por meio de voos comerciais. Em qualquer dia e horário, os encontros estão limitados a 10 pessoas em áreas externas e a cinco pessoas em locais fechados. As regras estão válidas até dia 21 de fevereiro.

“Ainda temos várias restrições. Muita gente trabalhando em home office ainda. Não se pode passar de 1 mil metros de distância da própria casa, e tem bastante fiscalização na rua. Voos comerciais estão proibidos, então ninguém entra e nem sai. O governo está trabalhando para tentar trazer israelenses que estão em outros países de volta”, comenta Adriana Del Giglio, médica brasileira que trabalha e mora em Tel Aviv há dois anos, em entrevista ao InfoMoney.

O planejamento segue como parte crucial da campanha de vacinação. Inclusive, Netanyahu já afirmou que, com as mutações do vírus, o país quer estar preparado para possíveis compras de mais lotes de vacinas.

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“Estamos em uma corrida armamentista. É uma corrida entre mutação e vacinação, especialmente com a mutação britânica. Existem mais mutações, e haverá mais mutações no futuro. Isso significa que temos que correr o mais rápido possível para vacinar primeiro os grupos de risco na população e depois todos os demais, a fim de dar imunidade”, disse Netanyahu durante uma aparição na conferência da Agenda de Davos do Fórum Econômico Mundial, no fim de janeiro.

“Acho que teremos que nos vacinar pelo menos uma vez por ano. Esse é o meu palpite. Estou estocando as prateleiras de Israel, por assim dizer. Espero que seja absolutamente como uma gripe. Essa será a nossa vida nos próximos anos. Eu não acho que vamos fugir disso. Mas podemos superar o vírus”, complementou o primeiro-ministro no evento.

Segundo dados da Universidade de Hopkins desta segunda até 10h, Israel tinha 693 mil casos confirmados de Covid-19 e 5.129 mortes.

2. Tecnologia de ponta faz a diferença 

A tecnologia disponível no sistema de saúde de Israel também ajuda na campanha de vacinação. Por lá, o governo oferece uma cobertura universal de seguro saúde por meio de quatro organizações de manutenção de saúde (HMO, na sigla em inglês), similares aos SUS. As organizações, que são públicas e administradas pelo governo, devem aceitar qualquer cidadão.

Adriana, médica brasileira, explica que o sistema de saúde como um todo é muito eficiente porque o financiamento dessas organizações varia conforme a quantidade de clientes que elas têm. “Por isso, há uma competição saudável entre elas para oferecer serviços de qualidade. Na prática, os cidadãos pagam valores simbólicos se compararmos com os preços dos planos de saúde no Brasil. O pacote mais completo disponível hoje custa cerca de R$ 110 e inclui de depilação a laser a cirurgias”.

Ran Balicer, diretor de inovação da HMO Clalit, explicou à Reuters que Israel integrou infraestruturas de dados digitais com “cobertura total de toda a população, do berço ao túmulo”. “Portanto, é fácil identificar a população-alvo certa e organizar a vacinação com o auxílio de dados, porque isso é algo que é feito em nossa rotina diária de cuidado [com a saúde]”, disse.

Essas organizações investiram fortemente na digitalização de seus sistemas ao longo do tempo, com o objetivo de diminuir custos e agilizar processos. Assim, estão preparadas para organizar o processo de vacinação e receber as doses contra a Covid-19 conforme o número de pessoas atendidas.

Adriana, que trabalha no Ichilov, um hospital em Tel Aviv, já recebeu as duas doses da vacina da Pfizer e compartilhou o processo até ser imunizada.

“Para receber a primeira dose, chegou uma mensagem de texto do governo informando que eu seria vacinada, com um link para um cadastro e com a indicação do local e hora da vacinação. Tudo eletrônico. Logo depois da primeira dose, no mesmo dia recebi também por mensagem o lote, a hora e a data que tomei a vacina. Depois, em outra mensagem já foi informado o dia e horário para a segunda dose – que é tomada no mesmo local no qual você recebeu a primeira, sempre 21 dias depois”, disse. Segundo ela, caso o usuário não consiga tomar a vacina, pode pedir para remarcar a aplicação também de forma eletrônica.

Outra estratégia, criticada por alguns, foi o compartilhamento de dados. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, as entregas da vacina contra a Covid-19 da Pfizer/BioNTech foram aceleradas no início do mês de janeiro, após um acordo do país com a Pfizer para compartilhar dados sobre o programa de vacinação.

Na prática, com o acordo, Israel recebe as doses de que precisa mais rápido do que qualquer outro lugar, enquanto seu sistema de saúde, que tem experiência em tecnologia e está aplicando a vacina de forma eficiente, envia os dados à farmacêutica.

No comunicado do Ministério da Saúde, Netanyahu afirmou que os dados compartilhados com a Pfizer são os mesmos que o público tem acesso nos canais do governo. Segundo ele, esse conjunto de informações ajudará outros países a desenvolver estratégias para acabar com o surto.

“Não há nenhum outro lugar onde você possa ver uma sociedade inteira sendo vacinada. É um carro-chefe para o mundo”, disse Yarden Vatikay, ex-chefe do diretório nacional de informações de Israel, à Bloomberg.

Rivka Abulafia-Lapid, virologista do Hadassah Medical Center, de Jerusalém, entende que Israel se tornou “um grande ensaio clínico”, segundo o The Times of Israel. Mas não enxerga isso como um problema. Embora os EUA e o Reino Unido estejam distribuindo mais vacinas do que Israel em números absolutos, ambos não possuem um registro eletrônico centralizado como as quatro organizações de saúde de Israel.

“Como todos em Israel pertencem a um HMO e seus registros são mantidos junto ao histórico médico, isso significa que teremos uma boa imagem da capacidade de resposta à vacina, no contexto de idade, sexo e condições médicas existentes”, afirmou Abulafia- Lapid ao jornal.

Mais crítico, o jornal britânico The Guardian afirma que o “governo de Israel capitalizou sua capacidade de realizar uma campanha de vacinação rápida e analisar seu impacto sobre as infecções em tempo real, para persuadir a Pfizer a manter o país constantemente abastecido”, diz a reportagem. Com o compartilhamento de dados, “na verdade, o país será usado como teste em massa para ver os efeitos da vacina contra a pandemia”.

3. Vacinação em massa tem efeito 

A organização em prol da vacinação tem resultados animadores. Na última terça-feira (2), o Ministério da Saúde de Israel divulgou dados que mostram que a vacina reduziu significativamente os níveis de infecção. Na última semana de janeiro, apenas 0,04% das 715.425 pessoas foram infectadas uma semana depois de tomarem a segunda dose. Das pessoas vacinadas que foram infectadas, 0,002% tiveram que ser tratadas no hospital.

Outro estudo de uma das organizações de saúde de Israel, a Maccabi Healthcare Services, revelou que, de 163 mil israelenses que receberam as duas doses da vacina, apenas 31 foram infectados (ou 0,02%).

De acordo com o The Times of Israel, um grupo de médicos do governo começou a rastrear os níveis de infecção em cerca de 600 mil pessoas que receberam pelo menos uma dose da vacina da Pfizer/BioNTech, grupo quase 30 vezes maior do que o envolvido no estudo de Fase 3 da farmacêutica. Conforme Israel for distribuindo a segunda dose, o estudo dará mais informações sobre quanto tempo leva para que a imunidade total se concretize e dará às autoridades de saúde mais informações sobre quanto tempo dura essa imunidade.

Na prática, quase 70% de pessoas com mais de 60 anos já receberam as duas doses, conforme dados do governo israelense. O país está vacinando cerca de 200 mil pessoas por dia e, na semana passada, já disponibilizou as vacinas para qualquer pessoa com mais de 35 anos. Desse grupo, cerca de 40% já recebeu pelo menos uma dose. Toda a população que tem acima de 16 anos anos já está no cronograma para tomar a vacina.

Adriana conta que o sistema de saúde vem sendo rígido e busca conscientizar a população em relação à aplicação das duas doses e ao intervalo entre elas. “Todo mundo tem acesso ao sistema de saúde eletrônico, então o governo consegue contatar todo mundo facilmente pelo celular. Ninguém esquece da segunda dose. Depois da primeira, você já recebe o alerta para a segunda, com o dia. Recebe também mais mensagens de lembrete até a data. Estão sendo bastante rigorosos com o intervalo de 21 dias entre as doses, para seguir os protocolos das vacinas da Pfizer e da Moderna”, diz.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.