Fusão Boeing-Embraer: quais os motivos e o que ela significa para você?

O que explica o interesse da Boeing pela Embraer e a forte repercussão desta notícia nas páginas internacionais?

Terraço Econômico

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*Por Beni Fisch, colaborador do Terraço Econômico

Os últimos dias de 2017 trouxeram uma notícia que colocou uma das maiores empresas brasileiras no centro das atenções das principais páginas de economia do mundo: a norte-americana Boeing, a maior fabricante de aviões do mundo, está negociando a compra da Embraer. As reações foram imediatas: no mercado financeiro, as ações da gigante brasileira dispararam 23% no dia do anúncio. Em Brasília, a reação foi de desconfiança: o governo, que detém o controle acionário da empresa (mecanismo denominado de golden share), não apenas enxerga a empresa como símbolo de sucesso e de soberania nacional, como também tem interesses estratégicos na empresa através de sua divisão de programas militares. Mas o que explica o interesse da Boeing pela Embraer e a forte repercussão desta notícia nas páginas internacionais? A resposta encontra-se na briga pela supremacia do mercado de jatos de pequeno porte, bem como nas disputas comerciais que esta briga vem gerando.

No mercado geral de aviação, a Boeing e sua rival europeia Airbus formam um duopólio: olhando o total de aeronaves de cada empresa atualmente em operação comercial, a americana lidera com 11.803, seguida de perto pela Airbus com 9.329 (dados referentes a 2017). Juntas, elas representam cerca de dois-terços das aeronaves em operação comercial. A canadense Bombardier e a Embraer disputam um longínquo terceiro lugar, com 2391 e 2324 aeronaves em operação, respectivamente.

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Dentre os jatos de pequeno porte, no entanto, a situação se inverte. Dentre as aeronaves que comportam de 61 a 120 passageiros, a Embraer detinha em 2013 uma fatia de mercado de 53%, contra 45% da Bombardier. E o que pode parecer um mero prêmio de consolação para estas duas empresas é, na realidade, o mercado mais disputado da aviação comercial atualmente. Na Europa, a popularização das empresas aéreas de baixo custo tem tido como um de seus principais catalizadores a conveniência e economias de custo provenientes do dito “point-to-point transit” – quer dizer, a possibilidade de voar diretamente para seu destino, ao invés de fazer escala em um hub. Já nos EUA, centenas de pequenos aeroportos regionais mantêm-se ativos através de subsídios públicos para garantir o acesso a pequenas comunidades em partes remotas do país. E estes dois tipos de trânsito aéreo na Europa e nos EUA são ideais para jatos de pequeno porte, já que eles têm como pressuposto básico a existência de diversas rotas cuja demanda não justifica aeronaves maiores.

O lançamento da família E-Jets, em 2001, foi um marco para a Embraer. Desde lá, mais de 1500 vendas foram concretizadas, impulsionando a brasileira à liderança deste mercado. Na Europa, alguns aeroportos operam inteiramente com estes jatos; o London City Airport, próximo a um dos principais centros financeiros da capital britânica, é um dos principais exemplos: sua pista curta e sua necessidade de um ângulo de descida acentuado (de maneira a evitar os arranha-céus próximos) fazem com que os jatos a família E-Jet sejam os únicos habilitados a operar lá.

A competição por parte da Bombardier, no entanto, tem se mostrado cada vez mais feroz. O lançamento da família C-Series em 2007 foi muito bem recebido pela indústria devido aos avanços tecnológicos que reduzem o consumo de combustível e ao grande alcance das aeronaves (suficiente para realizar um voo transatlântico entre Europa e América do Norte). Atualmente, 14 aeronaves já estão em operação na Europa, além de quase 350 encomendas já feitas.

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O entrave, no entanto, é o mercado americano. A venda de 75 aeronaves à Delta por um preço de US$20 milhões – ¼ do valor de mercado listado – levou a Boeing a entrar com um processo no Departamento de Comércio americano pedindo uma tarifa de importação de 80% na venda destas aeronaves, alegando uma prática predatória conhecida no mundo do comércio internacional como dumping: uma certa quantidade do produto é vendida a preços muito abaixo do mercado (muitas vezes abaixo até do custo de fabricação) de forma a criar um monopólio, para posteriormente subir o preço a valores muito mais elevados do que os praticados em um mercado competitivo. Em setembro do ano passado, o Departamento de Comércio americano não apenas acatou o pedido da Boeing, como estabeleceu a taxa cobrada em estratosféricos 300%.

Muitos esperavam que a resposta da Bombardier seria de levar o caso ao Mecanismo de Resolução de Disputas da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde as quatro grandes da aviação mundial travam disputas constantes sob alegações de subsídios ilegais por parte das concorrentes. Em outubro, no entanto, a Bombardier anunciou que havia vendido 50,1% da participação no programa C-Series à Airbus. Mais do que apenas unir forças com outra gigante do mercado da aviação, esta venda dá à Bombardier acesso ao tão cobiçado americano: a Airbus detém uma planta responsável pela linha de montagem final de suas aeronaves no estado americano do Alabama, o que torna os jatos da C-Series produtos americanos para os efeitos de regras de comércio – sendo, desta forma, isentos de qualquer tarifa de importação.

A grave ameaça representada pela união destas duas gigantes explica a rapidez da Boeing em manifestar seu interesse em adquirir a Embraer – assim como a boa receptividade dos acionistas da empresa brasileira à fusão. Para a americana, ela permite a entrada neste tão cobiçado mercado de jatos de pequeno porte para fazer frente à investida da Airbus; para a brasileira, representa um fôlego adicional na disputa com a Bombardier.

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O que exatamente tudo isto tem a ver com você, consumidor brasileiro que não é acionista nem da Embraer, nem da Boeing? Até o presente momento, a maioria dos comentários acerca desta negociação na imprensa brasileira têm focado nos aspectos relativos à soberania nacional: seja os efeitos práticos na divisão de programas militares da Embraer, seja o simbolismo da venda de uma gigante brasileira a um grupo estrangeiro, com as esperadas acusações de “entreguismo” típicas do debate sobre privatizações (mesmo tendo sido a Embraer privatizada em 1994). No entanto, para os consumidores não apenas no Brasil, mas em todo mundo, há uma terceira questão a ser considerada: a fusão da Embraer com a Boeing não apenas cementaria ainda mais o duopólio já existente no mercado da aviação, como o estenderia ao importante mercado dos jatos de pequeno porte, no qual atores emergentes como a japonesa Mitsubishi, a russa Sokhoi, e a chinesa Comarc ameaçavam desestabilizar o status quo. Esta consolidação do mercado tende a ter o efeito de elevar o custo de aquisição de novas aeronaves para as empresas aéreas. O preço final, quem paga, é obviamente o consumidor – esteja ele no Canadá, EUA, Europa, ou em São José dos Campos.

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