As 3 situações para uma eleição direta no Brasil caso Temer caia

No caso das eleições diretas, as complicações e incertezas variam de caso a caso

Terraço Econômico

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*Por Rafael Barros de Oliveira, Colaborador do Terraço Econômico

Desde a última quarta-feira, o Brasil passa por um incêndio. Com a revelação das gravações da JBS envolvendo, entre outros, Michel Temer e Aécio Neves, a crise político-institucional que vem sendo cozinhada desde as eleições de 2014 atingiu seu maior pico de tensão – maior até do que o processo de afastamento da presidenta Dilma Rousseff.

Diante desse cenário, com a especulada saída de Temer – quer via renúncia, quer via impeachment, quer, ainda, via cassação da chapa Dilma-Temer –, há duas possibilidades que se abrem: ou teremos eleições indiretas, nos termos da Constituição Federal (artigo 81, §1), ou então teremos eleições diretas.

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A Constituição determina que as eleições indiretas aconteçam trinta (30) dias após a vacância do cargo, “na forma da lei”. O problema é que, desde 1988, Congresso Nacional não editou até agora, quase trinta (30!) anos depois lei que regulamentasse o processo de eleições indiretas. Essas decisões ficarão a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF), que, suprindo a omissão legislativa, deverá determinar até quem está apto ou não a concorrer.

No caso das eleições diretas, as complicações e incertezas variam de caso a caso. Vamos a eles.

1 – TSE e minirreforma eleitoral

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Uma primeira hipótese rumo às diretas seria a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – cujo julgamento está marcado para início de junho –, combinada com a aprovação, por parte do STF, de uma alteração no Código Eleitoral, realizada em 2015, que determina que deverá haver eleições diretas no caso de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente, exceto se a vacância ocorrer a mais de seis (6) meses das eleições agendadas.

A dificuldade desse caminho é a necessidade de interpretar a Constituição à luz do Código Eleitoral, e não o contrário.

Essas interpretações são – no mínimo – controversas, mas é verdade que o STF pode assumi-las. Ficaria difícil justificar o malabarismo jurídico, mas isso nunca foi impeditivo pra nada, não é mesmo?

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2 – Impeachment ou julgamento por crime comum ou renúncia e PEC

Se Temer sofrer processo de impeachment, for feito réu pelo STF em ação penal ou renunciar (a mais improvável das hipóteses), novamente teríamos o prazo de trinta (30) dias para a convocação de eleições indiretas pelo Congresso. No entanto, está em tramitação a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 227/2016, apresentada pelo deputado federal Miro Teixeira (REDE-RJ).

Trata-se de uma proposta de alteração do art. 81, §1 da Constituição, para que as eleições indiretas passem a ser previstas apenas nos casos de vacância da Presidência e da Vice-Presidência a menos de seis (6) meses do fim do mandato. Em suma, a PEC dá status constitucional à legislação eleitoral alterada em 2015, poupando o STF das dificuldades interpretativas apontadas acima.

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Para além disso, o STF precisaria entender que não se aplica, neste caso, o princípio da anterioridade da legislação eleitoral: segundo este princípio, novas regras eleitorais só se aplicam a partir de um ano após sua entrada em vigência (art. 16 da Constituição). Há quem diga que não existe conflito entre os dispositivos, porque o artigo fala em lei eleitoral e, se entendido em sentido estrito, não inclui textos da Constituição. Haverá uma disputa sobre a interpretação do termo lei, mas ela pode acabar favorável ao panorama das diretas.

Apesar do otimismo quanto à aprovação da PEC no Congresso, ela tem que passar por quatro votações – duas em cada casa legislativa. Não passou nem pela primeira, ainda. Serão necessários pelo menos alguns meses até que o texto tramite e seja incorporado à Constituição.

Mais uma vez, estamos diante de uma série de passos a serem dados até que se chegue ao resultado desejado (diretas), cada um deles independente do outro.

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3 – Plebiscito Diretas Já! e Constituinte Exclusiva

Outra via rumo às diretas implica uma ruptura institucional mais explícita. Trata-se de convocar o exercício direto da soberania popular via plebiscito (art. 14, I da Constituição), para que se determine a realização de eleições diretas.

Numa democracia constitucional, a ordem jurídica encontra seu fundamento na soberania popular – a ideia bem conhecida de que todo poder emana do povo. No modelo representativo, essa soberania é exercida pelos poderes do Estado, os quais a recebem por transferência, através do voto; no entanto, esse deslocamento não tira o povo de seu lugar de fonte legitimadora e base do regime.

Há quem defenda, portanto, que a melhor saída para a crise é recorrer ao fundamento de todo poder constituinte – o povo – para que seja destituído o atual governo e, também, para que se realize uma reforma política. Para quem defende essa proposta, isso resolveria a um só tempo – embora sejam passos distintos – dois problemas: a falta de legitimidade (e quiçá de legalidade) do governo Temer e o sistema deturpado e injusto de escolha de representantes políticos que, no limite, nos trouxe até aqui.

Há algumas questões a serem respondidas, no entanto: caberia ao(à) presidente que ganhar as eleições diretas convocar a constituinte? De que forma? E o Congresso, nesse ínterim, o que faria? Aguardaria em stand by? Uma vez realizada a constituinte, anteciparíamos o próximo ciclo eleitoral ou manteríamos o calendário para outubro de 2018?

A hipótese das diretas pela via de plebiscito e da constituinte para a reforma política possui base nos fundamentos do Estado democrático de direito. Ainda assim, ela é alvo de críticas contundentes que se aplicam, também, às demais hipóteses aqui elencadas.

Crise, diretas e responsabilidade institucional

O momento político pelo qual passamos é, sem dúvida, conturbado. Face a ele, é bastante sedutora a ideia de romper a normalidade institucional, chamar uma manifestação direta de soberania popular e mudar regras inconvenientes de transição – ainda mais se entendermos que essas regras têm sua parcela de responsabilidade na crise.

No entanto, há uma série de agravantes que se acumulam contra a saída das diretas. Qual o sentido de eleger o chefe do Poder Executivo para gerir essa massa falida que é um Congresso permeado de escândalos de corrupção? O que fará um(a) presidente à frente de um Legislativo composto por suspeitos, acusados e indiciados? Qual programa pode ser implementado há pouco mais de um ano das eleições previstas? Façamos diretas para todo o Congresso? Quem poderá se candidatar? Quem decide? Candidaturas independentes ou partidárias? Mandato tampão até o final de 2018 ou antecipação de calendário eleitoral? Com que condições de governabilidade? A que custo? Para implementar qual projeto de país? Aliás: quais projetos de país, lideranças articuladas e movimentos se apresentam, hoje, na sociedade brasileira?

Há, também, dificuldades procedimentais: imaginem, por exemplo, que Temer caia antes da aprovação das alterações que permitam eleições diretas. Qual o papel do STF quanto ao prazo para que se convoquem indiretas? Deve suspendê-lo em prol da tramitação da PEC? Sobre que fundamentos? Com qual legitimidade? Mais uma vez, chamaremos o menos democrático dos três poderes, o Judiciário, para suprir omissões do Legislativo – editar provisões sobre a transição em caso de vacância – e cumprir promessas constitucionais? Será ele, o Judiciário, novamente o agente de repactuação social? Não nos cansamos dessa modernização autoritária, de cima para baixo, que pontua nossa história há mais de um século?

Penso que chegou a hora de amadurecermos enquanto República e enquanto regime democrático. Para isso, é necessário aprender a seguir as regras e respeitar as instituições, e fazê-lo não apenas quando isso nos for conveniente, mas, ao contrário, principalmente quando não for. O que está em jogo não é, ao contrário do que pensam alguns dos grandes intelectuais brasileiros, o esgotamento da socialdemocracia cuja pactuação está consolidada na Constituição de 1988, mas de alguns dos instrumentos previstos nesse próprio texto para efetivá-la.

Muito se fala, hoje, na necessidade de reformas estruturais – em especial, da Previdência e da legislação trabalhista. Paradoxalmente (ou não), as mais urgentes são as que menos têm recebido a atenção de nossa classe política e dos grandes meios de comunicação: a Reforma Política e a Reforma Tributária. Somos um país que combina cleptocracia com plutocracia: um país onde uma classe política corrupta se deixa pautar (e comprar) pelos interesses de grandes agentes econômicos que aumentam seus lucros por meio de relações promíscuas com o Estado, Estado esse cujo financiamento se dá por um sistema tributário extremamente regressivo, que sobrecarrega as camadas mais pobres da população e alivia aqueles com maior capacidade contributiva. Isso tem que acabar.

Mas não a qualquer custo, nem por qualquer meio. Ainda que sejam reformas necessárias, do ponto de vista social ou econômico – não vou discutir isso aqui, mas separo a análise da necessidade da reforma e da necessidade de uma proposta específica de reforma–, a dimensão política e democrática do processo de tomada de decisão não pode ser desconsiderada. Talvez aqui eu me distancie de alguns colegas do Terraço Econômico, mas não me parece que baste dizer são as reformas que o Brasil precisa ou são as reformas que a economia precisa para legitimá-las: elas têm de ser tomadas por representantes insuspeitos e amplamente debatidas com a população; não se deve alterar a estrutura de uma sociedade sem a participação de amplos setores dela.

É por tudo isso que a melhor solução para o impasse atual no Brasil é seguir a Constituição: que sejam realizadas eleições indiretas para a Presidência, mantendo-se o calendário eleitoral de 2018. Quem quer que assuma, deve se comprometer a realizar duas tarefas: 1) não aprovar nenhuma reforma estrutural, reconhecendo a ausência de legitimidade do atual Congresso para tanto e transferindo essas decisões para a legislatura que assumirá em 2019; 2) garantir a transição democrática, especialmente por meio do aprofundamento das investigações envolvendo parlamentares, funcionários públicos de qualquer instância e membros do setor privado – respeitando, sempre, o devido processo legal –, e permitindo à sociedade civil construir alternativas políticas para o novo ciclo eleitoral.

Convocar uma constituinte exclusiva para Reforma Política, na atual conjuntura, traz consigo dois grandes riscos: 1) colocar o processo na mão de representantes corruptos, que podem, a qualquer momento, aparecer numa nova delação; 2) permitir-se seduzir e capturar por aventureiros, mobilizando os afetos da “anti-política” e se apresentando como o novo. Escrevi sobre essa última armadilha semana passada aqui no Terraço Econômico. Por isso, parece-me mais sensato e prudente permitir que essas discussões se deem na esfera pública e amadureçam rumo a outubro de 2018, quando enfrentarão o teste das urnas.

Num momento de turbilhão, crise e incerteza, temos a oportunidade de aprofundar nossa democracia, nossa construção republicana e nossas instituições. A alternativa é seguir, como estamos acostumados, de ruptura em ruptura, eximindo-nos da responsabilidade por nossas próprias escolhas e pactos sociais.

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