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“Os melhores cavalos perdem quando competem com os mais lentos e vencem contra os melhores rivais.”
Albert Blithe foi um soldado americano que esteve presente na invasão do Dia D, na Normandia, em 6 de junho de 1944. O soldado, com poucos dias de combate, sofreu uma cegueira histérica devido ao estresse de guerra.
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Blithe ficou conhecido no mundo todo ao ter sua história retratada em Band of Brothers, um seriado da HBO que ganhou 6 prêmios internacionais, incluindo o Emmy de “Melhor Minissérie”, maior e mais prestigioso prêmio atribuído a programas e profissionais de televisão.
A série produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg conta como uma Companhia inteira do Exército americano, a famosa Easy Company, chegou do litoral da Normadia até o ninho de Hitler.
É famosa a cena que um amigo de Blithe, ao vê-lo paralisado, diz: “você está desesperado e paralisado porque você ainda acha que pode sair vivo daqui. Você tem medo de morrer a cada bala que passa e por isso vai ficar aí com medo….”.
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A história de Albert Blithe mostra como o soldado americano evitava e se escondia do caos. E como o seu amigo – ao contrário – já tinha aceitado a desordem em sua vida. Quanto mais Blithe fugia do caos, mais ele cristalizava em combate. Alguns de seus amigos, por outro lado, queriam a desordem.
Incerto
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Essa é a definição e exemplo de Frágil e Antifrágil. Coisas frágeis perdem com o caos. Coisas antifrágeis se beneficiam! É sobre este conceito – nunca antes nomeado pois trata-se de um neologismo – que escreve Nassim Nicholas Taleb, professor de riscos da Universidade de Nova York. Taleb é considerado um dos maiores pensadores do mercado financeiro, uma indústria repleta de incertezas e fragilidades.
O livro, na verdade, é parte de uma coletânea maior que intitulamos de Incerto, um ensaio filosófico e prático sobre a incerteza. Incerto é composto por cinco volumes: Iludidos pelo acaso (2004), A lógica do Cisne Negro (2007), Leito de Procrusto (2010), Antifrágil (2012), Skin in The game (2018).
Embora não sejamos um soldado da segunda guerra mundial, Antifrágil tem aplicação total na vida de qualquer pessoa pois ajuda a lidar com os riscos e incertezas presentes nos mais diversos âmbitos de nossas vidas.
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No fundo, o que dita o nosso futuro é como lidamos e encaramos o risco das coisas em nossas vidas. E, em geral, tendemos a fugir do risco, pois achamos que sairemos mais fraco de situações de desordem. Porém, se nos tornarmos antifrágeis, poderemos ganhar com o caos!
Sua coletânea trata da probabilidade, do erro humano, do risco e da tomada de decisão quando não entendemos o mundo. A obra é um ensaio pessoal com seções autobiográficas, histórias, parábolas e discussões filosóficas, históricas e científicas. Os volumes não são sobrepostos que podem ser acessados em qualquer ordem.
Frágil, Robusto, Antifrágil e a estratégia de Barbell
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Este é o conceito central de Taleb em Antifrágil. Todos os sistemas podem ser categorizados como um desses três: robusto, frágil e antifrágil. Coisas frágeis perdem com a volatilidade, coisas robustas resistem, coisas antifrágeis se beneficiam disso.
Fragilidade implica mais em perder do que ganhar em situações de estresse. Em outras palavras, há mais desvantagem que vantagem (assimetria desfavorável). Antifragilidade implica mais a ganhar do que a perder (assimetria favorável). E os robustos estão no meio termo, se ganha e se perde de maneira igual.
Mas como usar esse conceito na prática? Taleb utiliza a sua visão de mundo sobre não fugir dos riscos no mundo das finanças. Sua abordagem é conhecida como a Estratégia Barbell. A estratégia consiste em alocar a maior parte do seu capital (60%-90%) em ativos extremamente seguros, como renda fixa e ações de empresas consolidadas. Por outro lado, o investidor aloca o restante (10%-30%) em ativos mais arriscados como opções de pequenas empresas.
A ideia dessa estratégia é permitir que o investidor proteja a maior parte do seu capital, porém quando acontecem os cisnes negros, o investidor pode captar esses grandes ganhos. Para quem tinha essa estratégia em 2008 ou 2012, nas crises do subprime e da dívida grega, com certeza obteve grandes retornos.
Cuidado com os gurus e especialistas: skin in the game e Iatrogenia
Se o mundo é dominado por riscos e incertezas, haverá aqueles que nos dirão o que fazer em situações de riscos. Acadêmicos, consultores, burocratas, economistas e generais (todos debaixo de um ar-condicionado) são alguns dos tipos que Taleb mais despreza.
Segundo ele, os “especialistas” quando dão alguma dica ou sugestão a um outro individuo prometem um benefício no caso de sucesso, mas terceirizam esses riscos a ao tomador de decisão. O resultado são generais mandando suas tropas em excesso para a guerra, ou gurus financeiros mandando investirem em algo que eles mesmos não acreditam.
São essas pessoas que posam de especialistas, mas ao causar um dano saem ilesos, que devemos evitar. É justamente a falta de “Skin in the Game” (nome de sua mais recente obra de 2018), que leva à Iatrogenia, outro conceito abordado por Taleb em seu livro.
No contexto médico, Iatrogênia é o nome dado à intervenção médica que em vez de resultar em benefícios para o paciente causa danos a ele ou o expõe a riscos desnecessários.
Posto de outra maneira, a Iatrogenia é o mal causado com a boa intenção de curar. O mal vai desde submeter o paciente a um procedimento cirúrgico desnecessário, a interná-lo em um hospital onde as chances de ele contrair outras doenças aumenta exponencialmente o seu risco de morrer.
Fosse apenas comum no mundo da medicina estaria tudo bem! A Iatrogênia é comum principalmente nos políticos que têm uma mentalidade intervencionista. Isso porque políticos são eleitos para “fazer alguma coisa”, não para “deixar de fazer alguma coisa”.
Consequentemente, os governantes são os responsáveis pelas maiores “catástrofes Iiatrogênicas” da História.
Se desenharmos mecanismos para que as pessoas sejam mais parte das consequências de suas ações, reduziríamos os riscos de Iatrogenia.
Mais via Negativa e menos mentalidade Iatrogenia…
A razão pela qual há tanta Iatrogenia é a seguinte: os charlatães são reconhecidos na medida em que lhe darão conselhos positivos. E nós somos responsáveis por querermos fórmulas mágicas e rápidas. Poucas pessoas são lembradas pelo que elas evitaram ou pelos conselhos de “não ação”.
Ninguém é lembrado por ter dito em 2008: “não invista em ações do mercado imobiliário”. Quantos ficaram famosos por evitarem atentados terroristas como os das Torres Gêmeas em 2011? Somos reconhecidos pela ação, não pela inação.
Mas não deveríamos, segundo Taleb. O autor diz que melhor que agir em excesso é agir pela Via negativa. Via negativa é quando removemos o que achamos que é errado. É adicionar subtraindo.
O conhecimento negativo (o que está errado, o que não funciona) é mais robusto ao erro do que o conhecimento positivo (o que é certo, o que funciona). Assim, o conhecimento cresce por subtração muito mais do que por adição.
Na prática, é o negativo que é usado pelos profissionais, aqueles selecionados pela evolução: os mestres do xadrez geralmente ganham por não perder; as pessoas tornam-se ricas por não perderem a dinheiro; a aprendizagem da vida é sobre o que evitar. Você reduz a maioria dos seus riscos pessoais de acidente graças a um pequeno número de medidas.
Uma aplicação da via negativa é gastar menos. A Iatrogenia vem do viés de intervenção, via positiva, a propensão a querer fazer alguma coisa, causando todos os problemas já discutimos. A via negativa, segundo Taleb, remove as coisas pode ser uma ação bastante potente. Na vida, a antifragilidade é alcançada por não ser um otário.
A mentalidade Soviet-Harvard. Sobrevalorizando os PhDs e se esquecendo do bom e velho conhecimento comum…
Mas quem são os charlatães? Os grandes especialistas criticados por Taleb são aqueles que possuem a mentalidade Soviet-Harvard, responsáveis pela Iatrogenia. Filosofia “Soviet-Harvard” é a ilusão de que os dilemas do mundo podem ser resolvidos com mais pesquisas, mais estudos, mais teorias.
Por exemplo, o pai é um comerciante que ficou rico sem educação formal, mas faz questão de mandar o filho para a Sorbonne, de onde voltará para tocar os negócios ou virar consultor em alguma coisa.
Para Taleb, é melhor nos fixarmos em conhecimento ancestral, porque se é ancestral é porque durou. Se durou é porque é “antifrágil”.
Graças à mentalidade “Soviet-Harvard” que, atualmente, muitos sobrevalorizam ter uma faculdade de grife em seu currículo. Universidades como Harvard viraram grifes para alguns comprarem legitimidade social, tal como “bolsas Louis Vuitton”. O resultado, porém, é que desprezam o conhecimento adquirido pela tentativa e erro.
Neomania e por que desprezamos o conhecimento dos ancestrais?
Há um motivo para as pessoas terem a mentalidade Soviet-Harvard e o desprezo pelo (conhecimento) antigo. É o que Taleb chama Neomania, ou, uma obsessão pelo novo e um desconto do antigo.
Danny Kahneman – prêmio Nobel de Economia – e seus colegas estudaram a reação do cérebro humano ao adquirir coisas novas. Segundo os autores, as pessoas que adquirem um novo item, sentem-se mais satisfeitas depois de um impulso inicial, porém que volta rapidamente à sua base de bem-estar. Então, quando você adquire algo novo, você sente um aumento de satisfação com as mudanças na tecnologia. Mas então você se acostuma e começa a procurar a nova coisa nova.
É desse mesmo motivo que as pessoas tem a atração por conhecimento novo. Para Taleb não deveria ser assim já que o velho é mais robusto e uma tecnologia que sobreviveu por um longo tempo provavelmente sobreviverá por mais tempo.
A postura antifrágil. Buscando o risco em nossas vidas
Após aprendido todos esses principais coneitos, fica a lição final: a postura de um atifrágil. Segundo Taleb, alguém antifrágil cria a consciência de que existem fatores externos e inesperados. Diante desses riscos, o antifrágil encara a aleatoriedade com naturalidade e como fator benéfico, sempre buscando aperfeiçoamento. Enquanto todo mundo aposta em prevenção de riscos e antecipação de crises, o antifrágil é o único que cresce e se desenvolve diante dessas situações.
Taleb associa à desordem com agentes estressores no nosso corpo, responsáveis por nos fazermos progredir. Ambientes calmos e com subcompensações pela ausência de um agente estressor e a ausência de desafios, degrada o melhor dos melhores. Por isso a frase, “os melhores cavalos perdem quando competem com os mais lentos e vencem contra os melhores rivais.”
Você chegou de um longo vôo? Dê uma quantidade de agentes estressores. Ao invés de descansar, vá para academia. Se você quer que algo seja feito de maneira rápida? Peça ao mais ocupado que está sob pressão. Se você quer se preparar para uma prova, faça simulados para estimular agentes estressores. Aprende-se melhor um idioma na dificuldade da situação, de erro em erro, quando é preciso se comunicar em circunstâncias urgentes, do que em 8 anos de um curso de inglês em uma sala confortável.
A lição é: não devemos evitar adversidades. Muitas situações se beneficiam de ambientes de imprevisibilidade e inconstância. Por exemplo, a melhor maneira de divulgar um livro é proibindo-o. A curiosidade gerada neste evento será muito mais eficaz do que qualquer campanha de marketing. Um exemplo? My Kampf de Hitler gera até hoje curiosidade entre os jovens, por ser um livro proibido.
Fugir dos agentes estressores não é nem de longe a melhor maneira de melhorarmos, de nos aperfeiçoarmos. Adiar crises não é o caminho. Sem aleatoriedade, sem desordem, sem perigo, sem estresse, sem incerteza, sem instabilidade, não há como desenvolver o “antifrágil” dentro de nós. Toda vez que se opta pela segurança, evitando-se o risco e por não enfrentar as crises que surgem, na verdade, camuflamos as nossas fragilidades, e só.
Sendo Antifrágil no mundo moderno.
Embora o conceito tenha sido definido agora, há pessoas que o compreender muito antes de Taleb criar esse neologismo.
Em 1980, Donald Trump foi acusado de construir hotéis com benefícios fiscais e utilizar mão de obra de imigrantes ilegais. Seu novo empreendimento ganhou a capa de todos os jornais, por motivos que ele não gostou. A propaganda, porém, estava feita! Trump disse nunca ter vendido tantos apartamentos como daquela vez. Foi então que ele cunhou a frase “there is no such thing as bad publicity”.
Trump entendia como ninguém o conceito de Antifrágil. Foi se beneficiando do caos que ele ficou conhecido. E foi entendendo que em cada declaração polêmica sua, ele estaria nas rodas de conversa dos outros. Com métodos nada ortodoxos, Trump – um dos maiores antifrágeis que conhecemos – chegou a presidente dos Estados Unidos.
Leonardo de Siqueira Lima
Economista pela EESP/FGV, mestre em economia pela Barcelona Graduate School of Economics
Associado do Instituto de Formação de Líderes – SP