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100 dias de guerra na Ucrânia: o que aprendemos neste período e quando o conflito acabará?

Expectativa é de que o final ainda esteja bem longe, uma vez que Vladimir Putin não conseguiu atingir seus principais objetivos
Por  Roberto Dumas Damas -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Hoje a guerra na Ucrânia completa cem dias. Cem dias onde na Rússia guerra não pode ser considerada guerra e invasão não é invasão, sob pena de prisão.

O que aprendemos, o que mudou na economia e na geopolítica nesses cem dias? Quando acabará essa invasão?

Algumas dessas questões parecem já mostrar seus direcionamentos, ainda que muitas dúvidas permaneçam.

O que aprendemos?

Aliás, este seria um ponto importantíssimo para a antiga chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Apesar dos inúmeros avisos, ela preferiu colocar a Alemanha e países da União Europeia mais dependentes do gás da Rússia.

Mas não é só isso. Aprendemos que, com a guerra, juntamente com o lockdown na China devido à política de Covid-Zero, não devemos depender somente de um único fornecedor, ainda mais com ímpetos expansionistas czaristas.

Diminui-se o apelo para a globalização offshore (negócios além das fronteiras), buscando mais uma globalização onshore (recolocação de negócios dentro das próprias fronteiras) ou nearshore (recolocação de negócios em países próximos). Obviamente, na medida do possível. Diversificação de fornecedores ganha uma nova importância estratégica ao passo que a administração “just in time” vai caindo em desuso.

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Mas o que mudou na economia e na geopolítica?

O multilateralismo do pós-guerra e pós-queda do muro de Berlim nasceu e cresceu retumbantemente. Neste contexto, a aliança para lá de estratégica entre Rússia e China buscando se projetarem em um novo tabuleiro geopolítico preocupa os agentes econômicos, os políticos e a população mundial.

Os preços de alimentos com o cerceamento das importações e as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia dão o tom de um cenário econômico bem mais difícil, com enorme possibilidade de escassez de alimentos, mais inflação, mais taxa de juros e possível estagflação nos países da União Europeia e recessão em outros.

E quando achávamos que “dois cavaleiros do apocalipse” já eram demais – a doença (Covid) e a guerra -, eis que surge o terceiro trazendo consigo o quarto cavaleiro também. A fome e a morte. Triste momento para o mundo.

Juntas, a Rússia e a Ucrânia alimentam mais de 400 milhões de pessoas ao redor do mundo. Ambas as nações são responsáveis por 28% do trigo transacionado mundialmente, 29% da cevada, 15% do milho e 75% do óleo de girassol.

Tudo isso representa aproximadamente 15% de toda a caloria consumida pelo mundo. Desde o começo da guerra, ao redor de 26 países já impuseram restrições às exportações de alimentos, que cobrem 10% das calorias transacionadas mundialmente.

Dado que aproximadamente quatro quintos da população mundial vivem em países que são importadores líquidos de alimentos, estima-se que entre 120 a 190 milhões de pessoas podem cair na miséria e na fome, principalmente em países localizados na África e no Oriente Médio.

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Famílias em mercados emergentes gastam 25% de seu orçamento com alimentos e, em alguns países da África subsariana, esse número sobe para 40%. Silos de milho e óleo de girassol na Ucrânia estão danificados pela guerra e os fazendeiros não têm onde estocar a próxima safra de junho, além da falta de mão de obra e energia.

E quando terminará essa invasão?

Como sempre digo, difícil precisar, mas se fizermos uma análise um pouco mais detalhada, infelizmente ouso dizer que o final está bem longe.

Os três principais objetivos de Putin eram o de “desnazificar” a Ucrânia – apesar de já ter abandonado essa narrativa pra lá de embaraçosa intelectualmente -, “desmilitarizar o país” e depor o presidente Volodymyr Zelensky, anexando o país ou colocando um governo fiel à Moscou. Putin não conseguiu nada disso. E dificilmente voltará para o Kremlin com as mãos abanando.

Na realidade, a guerra entrou em um verdadeiro e terrível impasse. Os russos não conseguem evoluir para a capital Kiev e os ucranianos, apesar da ajuda militar do Ocidente, não conseguem expulsar os bárbaros russos. Difícil acreditar em capitulação de qualquer um dos lados.

Aparentemente, Putin está buscando uma saída honrosa para essa guerra. Conquistar todo o lado leste da Ucrânia, limitando seu acesso ao Mar de Azov e ao Mar Negro. Luhansk, Donetsk, Zaporizhia, Kherson, Crimeia e Odessa são objetivos estratégicos de Putin.

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Veja o mapa da Ucrânia a seguir:

Cerceando a Ucrânia ao acesso, principalmente do Mar Negro, a Rússia tem utilizado a fome como sua mais nova arma letal nessa guerra.

Mas se isso seria uma saída honrosa para Putin, o que dirão o Ocidente e os ucranianos quanto a esses objetivos? Acreditar que a brava e corajosa população ucraniana e os países do Ocidente permitirão essas conquistas almejadas por Putin está bem longe de uma possibilidade real.

Sanções continuariam e a guerra evoluiria para um terrível confronto de guerrilhas. Que estejamos preparados para mais 100 dias.

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Roberto Dumas Damas Roberto Dumas Damas é estrategista-chefe do Voiter e representou o Itaú BBA em Xangai de 2007 a 2011. Em 2017, atuou no banco dos BRICs em Xangai. Dumas é mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), além de professor de MBA e pós graduação do Insper e da FIA e professor convidado da China Europe International Business School (CEIBS) e Fudan University (China)

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