Por que é preciso mexer nas vinculações orçamentárias de saúde e educação?

Num país continental e com grandes diferenças demográficas entre os municípios, não faz sentido tratar todo mundo da mesma forma

Pedro Menezes

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Marcos Corrêa/PR)
(Marcos Corrêa/PR)

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Dentre as mudanças propostas pelo ministro Paulo Guedes, uma das mais comentadas certamente serão as vinculações orçamentárias referentes a saúde e educação. São temas centrais da Constituição de 1988, dos protestos de 2013 e de todas as pesquisas sobre o que é caro ao eleitor brasileiro.

Por que, então, mexer nas leis que direcionam um mínimo da arrecadação do Estado para saúde e educação? Para muita gente, defender mudanças nisso soa como maldade pura e simples. Não é bem assim.

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Hoje, as vinculações orçamentárias para saúde e educação funcionam da seguinte forma: 25% da receita corrente líquida dos estados e municípios precisam ser destinadas à educação; no caso da saúde, esse percentual é de 12% para estados e 15% para municípios.

A proposta do governo é de que esses percentuais sejam somados, transformando duas vinculações em uma só. Ou seja, municípios seriam obrigados a gastar 40% da sua receita corrente líquida com saúde ou educação. A alocação do gasto entre essas duas áreas caberia aos gestores locais.

O motivo para uma mudança do tipo é simples: o Brasil é um país de tamanho continental. Nestas condições, não faz sentido tratar todos os municípios da mesma forma.

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Para exemplificar vale observar os dados de 2012, baseados no último Censo do IBGE.

Em Sapezal, no Mato Grosso, cerca de 1,5% da população tem mais de 65 anos. O mesmo vale para Luís Eduardo Magalhães, cidade importante do oeste baiano. Já em Coqueiro Baixo, no Rio Grande do Sul, mais de 20% da população tem mais de 65 anos.

No mesmo ano de 2012, segundo dados do Banco Mundial, um dos países com menor quantidade de idosos era o Quênia – 2% da população tinha mais de 65 anos. Na outra ponta, estava a Suécia, onde quase 19% dos residentes são idosos. Nesta métrica, Suécia e Quênia estão mais próximas do que Luís Eduardo Magalhães e Coqueiro Baixo.

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Nesse contexto, faz sentido que cidades tenham diferentes sejam obrigadas a cumprir uma mesma vinculação orçamentária para os gastos com saúde?

Vale o mesmo para a educação. Há municípios onde menos de 10% da população tem até 18 anos – Balbinos, em São Paulo. Em Uiramutã, Roraima, mais de 60% da população estava nessa faixa etária em 2012.

Mesmo considerando cidades com mais de 100 mil habitantes, a conclusão se mantém: as diferenças são grandes demais num país como o Brasil. Parauapebas, no Pará, tinha 18,6 jovens (0 a 18 anos) para cada idoso (65 anos ou mais) em 2012. São Caetano do Sul, em São Paulo, tinha 1,5 jovem por idoso na mesma métrica.

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É claro que, além de ser um país continental, o Brasil também é uma democracia que decidiu constitucionalmente priorizar saúde e educação. Essa é a vontade expressa dos eleitores desde o fim da ditadura. Juntando os dois fatos, é possível entender por que a soma das duas vinculações orçamentárias faz sentido.

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Por razões óbvias, as cidades com maior percentual de idosos tendem a ter maior percentual de jovens, e vice-versa. Por isso, cidades com menor demanda relativa por gastos com saúde tendem a ter maior demanda relativa por gastos com educação.

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Como resultado, a soma das duas rubricas permite que as cidades realoquem seus gastos conforme as necessidades da população. Continua existindo a obrigação de direcionar parte relevante dos impostos para as duas áreas.

A heterogeneidade entre os estados e municípios brasileiros não é o único motivo para mudar vinculações. No caso de saúde e educação, a manutenção faz sentido por se tratar de indiscutíveis desejos da sociedade. Mas vinculações tem um custo, dificultam a gestão pública, especialmente em momentos de crise.

Caso não se restrinjam às prioridades maiores do país, determinações constitucionais deste tipo acabam consumindo a maioria do orçamento público. Eleições se tornam menos relevantes, dado que o político eleito não pode adequar suas prioridades de mandato às necessidades momentâneas da população.

Regras constitucionais de efeito geral tem um defeito claro: não permitem adaptação às especificidades locais e temporais. Nesse país com mais de 5 mil municípios, mais de 200 milhões de habitantes e grandes diferenças regionais, essa questão é ainda mais relevante.

Paulo Guedes queria acabar com as vinculações, o que inevitavelmente desencadearia uma guerra no Congresso. Com a soma dos pisos, o ministro encontrou um meio termo. É o único caminho possível para o Brasil: sem diálogo e construção coletiva, não chegaremos a lugar algum.

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.