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Quando surge uma proposta de corte no orçamento público, os beneficiários do gasto que se pretende cortar costumam antecipar um pequeno apocalipse. No caso do Sistema S, no qual Paulo Guedes prometeu “meter a faca”, o fechamento de escolas e projetos culturais vem sendo anunciado como consequência inevitável.
Até o momento, além das próprias organizações que compõem o sistema, diversos políticos registraram sua oposição aos cortes, como Armando Monteiro, ex-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), portanto beneficiário do Sistema. O MDB também firmou posição contra os cortes.
O senador Romero Jucá, famoso pela “boa interlocução” com grandes empresários, também quer estancar a sangria que a faca de Guedes causaria ao sistema. Em discurso no Senado, Jucá defendeu que:
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“[É] muito importante aprimorar os gastos públicos, mas eu queria também sugerir à equipe econômica do ministro Paulo Guedes que analisasse a forma de atuação do Sistema S, porque (…) não impacta diretamente o orçamento federal e, portanto, não impacta o teto dos gastos. E cada vez mais o governo vai ter que criar ações que não impactem o teto dos gastos.
Nós sabemos que esse recurso arrecadado pelo Sistema S não são recursos públicos, não são recursos do governo. Esses recursos, se não fossem gastos no Sistema S, não seriam do governo federal.”
O discurso de Jucá é interessante por citar os principais argumentos contra os cortes. Em tuíte na conta oficial do partido, o MDB citou mais um: o Sistema S seria bastante eficiente, não merecendo cortes, que deveriam focar nas ações do Estado que não funcionam:
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3- Os governos estão certos em rever ou até paralisar atividades de ações e programas que não funcionam, mas esse sem dúvida não é o caso das atividades do sistema S. É um desserviço e prejuízo ao futuro do nosso país desmantelar o que vem dando certo.
— MDB Nacional (@MDB_Nacional) December 18, 2018
Afinal, quem tem razão nessa história: Jucá ou Paulo Guedes?
O Sistema S é financiado por recursos públicos
As noções de Romero Jucá sobre o que é um recurso público soam bastante estranhas. Ele trata a expressão como se ela significasse exclusivamente a recursos orçamentários ou despesas diretas do governo.
Na acepção mais comum do termo, o Sistema S certamente é financiado por recursos públicos. Afinal, é do público que vem o dinheiro.
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Anualmente, o governo federal repassa entre 1% e 2,5% dos salários (a alíquota varia conforme o setor da economia) para o Sistema S. A cobrança é compulsória. Sob o ponto de vista do trabalhador, é um imposto que lhe retira parte do salário.
Em 2018, cerca de 18 bilhões de reais (mais ou menos metade do Bolsa Família) foram destinados pelo governo federal para financiar nove entidades – SENAI, SENAC, SESI, SESC, SEBRAE, dentre outras organizações cujos nomes tem a mesma inicial.
Teto de gastos, ajuste fiscal e Sistema S
Jucá comenta ainda que o teto de gastos não será afetado pela faca de Guedes. Como os repasses ao Sistema S não constam no teto, os cortes seriam pouco úteis para ajustar as contas públicas.
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É uma visão torta sobre o assunto, que olha apenas para o texto de uma lei, e não para a situação econômica do país. Esse tipo de distorção, infelizmente, é muito comum entre políticos da velha guarda e operadores do direito.
A situação pode ser colocada de outra forma: justamente por não constarem no teto de gastos, “meter a faca” nos impostos e contribuições que financiam o Sistema é um dos raros mecanismos à disposição do governo para estimular a economia sem afetar o cumprimento da regra constitucional.
Caso o governo tente diminuir as cobranças do Imposto de Renda, das contribuições previdenciárias ou de praticamente qualquer outra de suas receitas, o estímulo gerado pela redução virá acompanhado de irresponsabilidade fiscal. Com menores receitas, o rombo fiscal tende a aumentar.
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No caso do Sistema S, a cobrança viria acompanhada de menores repasses às entidades, não tendo impacto nas contas públicas. Por outro lado, a medida teria impacto direto nas contas privadas de empresas e trabalhadores.
No caso de uma economia que sai lentamente de uma recessão e não pode estimular a economia aumentando o déficit, tais cortes representam uma oportunidade única. Não por acaso, Paulo Guedes começou a falar do assunto ainda antes de assumir o Superministério da Economia.
E todos aqueles benefícios que o Sistema S traz para a sociedade?
O último argumento, repetido por Jucá, MDB e todos os atores políticos que criticaram a disposição de Paulo Guedes, vê no Sistema S uma fonte importantíssima de bem-estar social, que não merece faca.
O Sistema financia desde cursos profissionalizantes a eventos culturais. No ano passado, o SESC inaugurou uma unidade no centro de São Paulo projetada por Paulo Mendes da Rocha, o único brasileiro a ganhar o Pritzker (maior prêmio da arquitetura) além de Niemeyer. A sede do SESC 24 de Maio tem sido celebrado como um dos marcos urbanos da cidade neste século.
E uma celebração da arquitetura brasileira é só um detalhe frente aos milhões de brasileiros que aprendem, através de cursos oferecidos pelo SESC, atividades profissionais valiosíssimas, aumentando sua produtividade.
Em tudo isso, porém, há um problema: falta transparência e avaliação de impacto nos repasses de recursos ao Sistema S.
Num famoso ensaio do século 19, o economista francês Fredéric Bastiat discutiu um ponto central da análise de políticas públicas: é preciso avaliar o que se vê e o que não se vê.
O que se vê são as atividades promovidas pelo Sistema S. O que não se vê é a atividade econômica que poderia ser liberada caso o governo deixasse de cobrar a conta bilionária que financia o Sistema.
A contribuição compulsória, hoje administrada por entidades dominadas por grandes empresas, seria dividida entre trabalhadores e empresários caso Paulo Guedes meta sua faca. Estes usariam o dinheiro como lhes convém, e não em atividades centralmente planejadas conforme dispositivos constitucionais.
De certo modo, o debate sobre o Sistema S repete o velho embate entre planejamento central e ordem espontânea de mercado – nesse caso, grandes capitalistas defendem a planificação econômica.
O MDB defende o que se vê sem comentar o que não se vê. Em grande parte, porque não há avaliações sobre o que não se vê.
Os repasses ao Sistema S são administrados com pouca transparência, sem as exigências de prestação de contas detalhadas que são tão comuns ao setor público. Sendo assim, o Sistema fica ainda mais vulnerável à corrupção do que o Tesouro Nacional.
Além disso, os repasses derivam de uma determinação constitucional que independe de avaliações de impacto por economistas. Caso exista um retorno social tão patente em suas atividades, bastaria substituir as atuais regras por repasses condicionais, que dependeriam da comprovação de impacto.
Por que deveríamos manter uma caixa preta que recebe dinheiro público incondicionalmente, sem prestar contas sobre o seu retorno à sociedade? Quem garante que grandes industriais e comerciantes gastam melhor do que empresários e trabalhadores independentes em decisões descentralizadas?
Caso exista uma comprovação técnica razoável sobre seu retorno social, não haveria um absurdo em repassar impostos ao Sistema S, desde que as entidades tenham a transparência digna do dinheiro público.
Mais importante do que acabar com SENAC ou SENAI é permitir que entidades do tipo existam sem tanta dependência do Estado. O desenvolvimento de uma sociedade civil ativa e consciente é condição necessária para um país saudável. Há uma oportunidade de ouro para construir um colosso da sociedade civil brasileira, no qual o Estado atue no máximo como coadjuvante.
Para isso, será necessária uma boa dose de coragem para mudar o estado de coisas. Infelizmente, mudanças ambiciosas não são o assunto favorito do MDB ou do grande empresariado nacional. Eles estão aí para manter tudo como está e estancar qualquer sangria que atinja interesses poderosos.
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