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Se você tiver um filho hoje, a Instituição Fiscal Independente (IFI, ligada ao Senado) prevê que ele chegará à puberdade antes da dívida pública parar de crescer. É isso mesmo: em seu relatório de junho, a IFI prevê que a estabilização da dívida pública deve ficar para depois de 2033.
Essa projeção não se concretizará necessariamente, como frequentemente ocorre com as projeções. Mas é importante entender para que ela serve. Hoje, o cenário interno é feio. O ano de 2020 deve terminar com o pior crescimento do PIB já registrado no Brasil. O último relatório Focus indica que a economia deve encolher 6,5% neste ano – na série histórica mais antiga do IBGE, que começa em 1900, o pior valor já registrado é de -4,35% em 1981.
Em meio a tanta desgraça, há um componente do cenário macroeconômico que representa uma grande oportunidade para o país: tudo indica que os juros baixos devem continuar sendo a regra por mais alguns anos.
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Entre idas e vindas, as taxas de juros internacionais já vem caindo desde os anos 1980. Nos últimos anos, pela primeira vez na história, um cenário de juros negativos se consolidou em diversas economias desenvolvidas. Com o advento da pandemia, a tendência é que esta conjuntura se prolongue por muitos anos.
Sobre o assunto, vale ler o que o macroeconomista Guilherme Tinoco tem publicado em suas redes sociais. Em particular, um estudo divulgado por ele me chamou a atenção – “Longer-run economic consequences of pandemics”, publicado por três pesquisadores da Universidade da Califórnia.
Um ponto que me chamou a atenção foi a base de dados utilizada no estudo, que tem início no século 14. O estudo foi possível pela longevidade dos dados referentes a bancos europeus. Assim, foi possível construir uma estimação empírica que engloba 12 pandemias, cada uma delas responsável por pelo menos 100 mil mortes. Na história recente, não temos muitos eventos comparáveis à pandemia da Covid-19. Graças a esta visão de longo prazo, é possível entender melhor o que vai acontecer com a macroeconomia.
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A conclusão do estudo indica que pandemias diminuem as taxas de juros por longos períodos. É um impacto oposto ao observado em guerras, nas quais a destruição generalizada de capital leva a um aumento da taxa de juros.
Vale ressaltar que outras projeções seguem a mesma linha. O Fed, banco central americano, espera juros nominais próximos de zero nos EUA até 2022 – ou seja, os juros reais devem continuar negativos por um bom tempo. Mesmo num prazo mais longo, a expectativa é de juros nominais ao redor de 2,5%, com juros reais abaixo de 1%. O mesmo cenário é esperado na Europa e em grande parte das economias desenvolvidas.
O impacto para o Brasil é muito positivo e representa uma esperança na qual podemos nos agarrar em busca de dias melhores.
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Em primeira análise, esse cenário permite que a nossa taxa SELIC continue baixa por mais tempo, sem maiores preocupações. Com um cenário de juros negativos pelo mundo, os investidores se mostrarão mais dispostos a comprar títulos da dívida pública brasileira. Essa é nossa principal esperança para controlar o crescimento da dívida pública, dado que a população não parece disposta a aceitar aumento da carga tributária, nem diminuições radicais nos gastos públicos.
Noutro aspecto, vale lembrar que não faltam demandas por investimentos no Brasil. Nossa infraestrutura é péssima e muitos setores da economia tem grandes oportunidades de lucro que podem ser aproveitadas por quem quiser investir no país. Com a queda dos juros internacionais, é mais fácil atrair dinheiro estrangeiro para o Brasil, assim como manter o dinheiro brasileiro por aqui.
Para uma ilustração do cenário que se desenha, vale ler a matéria do Brazil Journal sobre o Calpers, fundo de previdência que atende a servidores públicos da Califórnia. Graças aos juros cada vez menores, os gestores do fundo estão sendo obrigados a fazer investimentos mais arriscados para garantir a aposentadoria dos seus cotistas.
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Não é fácil atrair esse dinheiro. No caso de fundos de previdência estrangeiros, diversas barreiras regulatórias restringem a aplicação desse dinheiros em países sem o “grau de investimento” das agências internacionais, que o Brasil perdeu há alguns anos e não deve recuperar tão cedo.
Para que esses valores aportem aqui – hoje, o mundo tem trilhões e trilhões de dólares sedentos por retornos adequados -, será preciso arrumar a questão fiscal e diminuir a incerteza que paira no ar.
Mas podemos caminhar também em outras frentes. Reformas como o PL do Saneamento, que deve ser votado na semana que vem, podem atrair investidores estrangeiros para projetos de infraestrutura no Brasil. Com diversos setores da economia brasileira tomados pela insegurança jurídica, pequenas reformas regulatórias podem trazer vultosos recursos para o país.
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Além disso tudo, um desafio será tranquilizar o investidor disposto a colocar dinheiro em nosso país. Com tanta confusão na política e níveis alarmantes de insegurança jurídica, nenhum gringo está disposto a acreditar em promessas vazias. O Brasil precisa mostrar que é capaz de garantir retorno ao investidor estrangeiro, evitando que a incerteza local se transforme em prejuízo futuro.
Se formos capazes de emitir esse sinal, todo mundo ganha. Nosso país recebe investimentos muito bem vindos num momento em que o Estado foca no saneamento fiscal, enquanto os investidores encontram taxas de retorno atrativas, que andam escassas no mundo desenvolvido.
A bola está pingando e o cenário de juros baixos indica que podemos fazer um golaço. Nos resta saber se vamos aproveitar a oportunidade. O cenário externo já foi cruel com o Brasil em momentos passados. Em 2020, a situação que se coloca é a oposta. Cabe a nós transformar essa conjuntura favorável em crescimento econômico.