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A campanha de Jair Bolsonaro está com um problemão. Seu plano de governo só é sério se fizer exatamente o que uma campanha altamente rejeitada não pode fazer caso queira a vitória.
Se quiser defender mercados, concorrência e responsabilidade fiscal, o presidente precisa cortar e desproteger. Quem quer ser cortador de gastos precisa contar detalhes incômodos à sociedade, sob pena de vivermos outro 2014. Enfim, está chegando a hora de saber quão sério é o reformismo do capitão.
Justamente nesse momento crítico, a ordem de Bolsonaro foi mandar Paulo Guedes calar a boca. Depois de ontem, o mesmo tende a ocorrer com Mourão. O crime deles foi propor demais, aprofundar-se nos assuntos que a campanha faz questão de manter superficiais, para não perder votos.
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A estratégia até agora é fugir do assunto. É mais seguro, eleitoralmente, fingir que Bolsonaro tem o primeiro programa de governo austero que não exige sacrifícios à população. Com diversos furos nas suas promessas para a economia, Paulo Guedes tem uma porção de respostas para dar à população.
Em geral, as respostas são sobre o problema fiscal. Candidato e economista falam num ajuste rápido, duro, implacável. Para isso, precisam apontar o que será cortado. O que eles nos oferecem é o contrário: contas que não fecham, slogans vazios como respostas para problemas sérios e pouquíssimos projetos palpáveis.
Se Paulo Guedes estivesse saindo a público, ele precisaria de respostas para as perguntas que faço abaixo. Sem elas, o projeto encabeçado por Guedes e Bolsonaro não para em pé.
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Até agora, a única ideia de Bolsonaro para a previdência envolve o aumento do déficit previdenciário. O candidato tem alguma ideia para cobrir esse rombo no curto e médio prazo?
A reforma previdenciária será o assunto mais importante do próximo presidente. Mais de metade do orçamento federal vai para a previdência social, uma parcela que cresce a cada ano por determinação constitucional, a despeito dos desejos de governantes.
Bolsonaro ainda não apresentou uma proposta razoável sobre o assunto.
Atualmente, os trabalhadores ativos contribuem para a previdência, que repassa o valor para quem está aposentado. O grande problema brasileiro é que as contribuições não são suficientes para cobrir os benefícios, levando a um déficit na previdência.
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A única proposta bolsonarista é implantar um regime de capitalização no Brasil. A principal diferença é que as contribuições dos trabalhadores ativos irão para um fundo que renderá juros e devolverá o dinheiro acumulado no momento da aposentadoria. Assim, cada brasileiro bancaria a própria previdência.
Não é difícil notar por que a mudança para capitalização aumenta o déficit no curto prazo, ainda que torne o sistema mais sustentável dentro de algumas décadas. Se os trabalhadores financiarem a própria aposentadoria, quem vai pagar os benefícios de quem já se aposentou?
A proposta de reforma apresentada por Bolsonaro aumenta o rombo previdenciário. Sendo inviável, é provável que o candidato apresente termos bem diferentes após a eleição, empurrando o desgaste político com a barriga.
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Quais regras vão mudar na reforma previdenciária de um eventual governo Bolsonaro? Qual será a idade mínima? E a regra de transição?
O plano de governo do capitão propõe apenas a criação de um fundão para arrecadar dinheiro para essa transição. Em outras palavras, o déficit ganharia um nome. Quem leva o problema a sério precisa de mais respostas, dado que o deputado Bolsonaro votou contra a maioria das propostas de mudança na previdência.
Bolsonaro disse com todas as letras que não vai criar novos impostos ou aumentar os que já existem. Vocês vão desistir publicamente da promessa de zerar o déficit no primeiro ano de governo? Ou pretendem trabalhar com metas públicas nas quais ninguém acredita, como fazia Dilma?
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Recentemente, escrevi um texto para o blog explicando por que é impossível zerar o déficit em poucos anos sem aumentar ou criar impostos. Você pode ir direto ao original para uma explicação mais detalhada, mas as linhas gerais são as seguintes:
A esmagadora maioria das despesas (previdência, funcionalismo, pisos de educação e saúde, etc) é determinada por lei e não pode ser controlada pelo presidente. Alguns anos são necessários para que esses cortes de gasto se efetivem, inclusive (mas não apenas) por conta de duras negociações parlamentares;
O resto dos gastos, os discricionários, já estão estrangulados após diversos presidentes empurrarem a reforma dos gastos obrigatórios com a barriga. Essa foi a estratégia de Dilma e Temer para o ajuste fiscal. Não tem dado certo, nem é suficiente, levando o Brasil a inúmeras obras públicas paradas.
No lado da receita, privatizações são demoradas, inclusive por força de lei, que obriga o presidente a cumprir diversos prazos e rituais antes de vender ativos públicos.
Consequentemente, a única alternativa para zerar o déficit em pouquíssimos anos está na arrecadação de impostos.
Na recente polêmica sobre a CPMF, que dividiu Bolsonaro e Guedes, o presidenciável fez questão de negar qualquer criação de novo imposto ou aumento dos que já existem. Consequentemente, o plano de zerar o déficit em um ano deixou de ser realista.
O posto Ipiranga pretende admitir que mudou de ideia? Durante o governo Dilma, os brasileiros cansaram de assistir a um governo cujas metas não eram respeitadas por nenhum analista independente. O plano de Bolsonaro e Guedes é repetir a falta de credibilidade dilmista?
Quando a campanha vai divulgar um número sério sobre o potencial arrecadatório de privatizações e concessões? Existe um economista independente e respeitado que leve sua estimativa (R$ 1 trilhão) a sério?
O plano de governo apresentado por Bolsonaro e Guedes no TSE promete pagar 20% da dívida pública, que hoje está em R$ 5 trilhões, com privatizações, concessões e vendas de ativos diversos. Esta estimativa de um trilhão de reais é irreal por três motivos:
– Os ativos do Estado que possuem liquidez suficiente ao plano não chegam nem perto do trilhão.
– Não seria possível vender tudo tão rápido.
– Bolsonaro não concorda com a privatização dos ativos mais valiosos (Petrobras, Caixa e Banco do Brasil).
Como lembrou a economista Zeina Latif, economista-chefe da XP, “o valor de mercado das principais estatais listadas em bolsa estava em R$ 430 bilhões ao final de junho, sendo a participação da União em torno de R$140 bilhões”. A maior parte do valor envolve as estatais que Bolsonaro não quer vender.
A esmagadora maioria dos economistas não leva a promessa do trilhão a sério. Escrevo “esmagadora maioria” por preciosismo, porque ainda não vi um caso.
Em entrevista recente ao Estadão, Armínio Fraga disse que seria possível arrecadar “algo como um terço do que estimou o Paulo Guedes”, desde que BB e Caixa façam parte da lista de vendas.
Em outras palavras: ou o plano de Bolsonaro e Guedes muda, ou não se trata um plano, tamanho o descolamento da realidade.
Há muita coisa para se perguntar no Posto Ipiranga. Até agora, o ajuste fiscal proposto não tem pé, nem cabeça. Também não tem um líder político experiente em negociações, nem um líder técnico experiente em política pública.
Bolsonaro e Guedes parecem achar que será fácil resolver esses dilemas, mesmo sem qualquer experiência no ofício que pretendem assumir. Ou eles estão iludidos, ou acham que o eleitor é otário. Para os dois casos, o confronto entre Paulo Guedes e jornalistas seria muito útil. Infelizmente, por ordens de Jair Bolsonaro, ninguém consegue perguntar no Posto Ipiranga.