A proposta de Campos Neto e Maia para autonomia do Banco Central

Em caso de aprovação, Roberto Campos Neto presidirá o Banco Central até março de 2024, seja qual for o resultado das eleições de 2022

Pedro Menezes

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(Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
(Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

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Imaginemos o seguinte cenário: estamos em 2022 e um candidato economicamente populista está próximo de vencer a eleição. Ele quer gastar o que o Estado brasileiro não tem, liberar crédito e subsídios sem critério. Sua prioridade é crescer amanhã, mesmo que isso arrisque o futuro.

Com o teto de gastos em vigor, o populista apostaria todas as suas fichas no Banco Central. Através da taxa de juros e da concessão de subsídios, seria possível abrir a porteira de estímulos à economia. Um simples decreto presidencial seria suficiente para revogar até mesmo o regime de metas de inflação.

Rodrigo Maia e Roberto Campos Neto querem fechar esta porta. Este deve ser o primeiro grande debate econômico do Congresso em 2020: a autonomia do Banco Central. Os presidentes da Câmara e do BC querem votar o projeto ainda no primeiro trimestre.

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Em caso de aprovação, Campos Neto ficaria na presidência do BC até março de 2024. Se o próximo presidente da República quiser demiti-lo antes dessa data, 41 senadores precisam aprovar a decisão.

O Congresso em Foco publicou o texto que Rodrigo Maia pretende levar ao plenário, uma proposta originalmente apresentada por Itamar Franco em 1989, hoje relatada pelo deputado Celso Maldaner e apoiada pelo Banco Central desde o governo Temer. Tanto Maia quanto Maldaner cogitam até mesmo a hipótese de votar o projeto ainda em fevereiro, sob regime de urgência.

O que muda se a Lei de Responsabilidade Monetária for aprovada

São 14 artigos. Já no primeiro, o projeto assume para si um nome grandioso: “Lei de Responsabilidade Monetária”. O segundo artigo coloca o controle da inflação como objetivo fundamental do Banco Central, que deve também zelar pela estabilidade do sistema financeiro.

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O terceiro artigo começa a estabelecer regras para a política econômica: o Conselho Monetário Nacional (CMN) decide qual é a meta de inflação, cabendo ao Banco Central o cumprimento da meta. O CMN tem 3 integrantes – o presidente do BC, o ministro da economia e o secretário especial de Fazenda. Na prática, o governo federal – dono de 2 dos 3 votos – é responsável por definir a meta de inflação.

O artigos 4º e 5º definem valores, critérios de transparência e prestação de contas do BC, além de estabelecerem um fundo voltado à estabilidade do sistema financeiro. No artigo 6º, a diretoria do BC é caracterizada como colegiado formado por um presidente e oito diretores, cuja nomeação depende de aprovação do Senado. Há ainda critérios semelhantes aos exigidos em indicações ao STF: reputação ilibada e notório saber.

As novidades mais relevantes surgem no artigo 7º, que estabelece mandatos fixos de 4 anos para o presidente do BC e seus oito diretores. A demissão do presidente ou diretor do BC dependeria de aprovação no Senado por maioria absoluta – 41 dos 81 senadores. Hoje, a aprovação legislativa é desnecessária. Outra novidade é o limite de dois mandatos consecutivos (8 anos) para diretores do Banco Central.

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O artigo 8º define a duração e início de cada mandato, o que representa novas grandes mudanças. O mandato de presidente do BC começaria em março do segundo ano do mandato presidencial. Como resultado, por um ano e três meses, Roberto Campos Neto seria o banqueiro central do vencedor das eleições de 2022. Em compensação, o próximo presidente da República indicará um banqueiro central para comandar o BC até março de 2028.

Esse modelo é consagrado em diversos países como os Estados Unidos. Obama indicou Janet Yellen, que foi presidente do Federal Reserve no início do governo Trump. Jerome Powell, indicado pelo atual presidente americano, continuará no cargo após as eleições desse ano.

O artigo 8º também estabelece uma escala que renova, a cada ano, o mandato de 2 dos 8 diretores. Desta forma, todo presidente da República indicaria toda a diretoria do Banco Central durante o seu mandato, sempre no terceiro mês do ano. O artigo 12º determina o período de transição. Os diretores indicados por Bolsonaro terão mandatos mais curtos, permitindo que o próximo presidente renove toda a diretoria caso deseje.

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Os artigos 9º, 10º e 11º regulam aspectos gerais da atuação do BC, como a publicação de atas das reuniões que estipulam a taxa SELIC, com justificativas para a decisão. O artigo 13º tira o status de ministro do presidente do BC, enquanto o 14º revoga disposições antigas sobre o assunto.

Esse é o texto que, segundo os presidentes da Câmara e do Banco Central, já está pronta para a votação em plenário, sem necessidade de novos debates em comissão. Mas por que isso importa?

Como o projeto muda sua vida

A ideia central é que a autonomia do BC aumenta a credibilidade da política econômica e, como resultado, permite a queda dos juros a longo prazo. Por isso, a autonomia do Banco Central é uma proposta antiga, que precede até mesmo o Plano Real.

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Nas eleições de 2014, a campanha de Dilma Rousseff veiculou propagandas denunciando a autonomia como entrega do Banco Central a banqueiros. Virou assunto popular. Com narração em clima de terror, o texto dizia que Marina pretendia tirar poder de políticos eleitos e entrega-lo aos banqueiros.

Sendo gentil, essa é uma crítica que não faz o menor sentido. Afinal, o governo federal é responsável por definir as metas de inflação, assim como pela nomeação e demissão de toda a diretoria. Ao Senado, cabe demitir o diretor que não cumprir suas funções adequadamente.

Porém, o Banco Central cuida de decisões importantes e frequentemente vulneráveis a conflitos de interesses. Como vimos no mandato de Dilma Rousseff, muitos governantes só se importam com estímulos à economia antes das eleições, sem se importar com o custo inflacionário de tais estímulos. Com frequência, um banqueiro central precisa desagradar o presidente para cumprir sua missão.

É por isso que a maioria dos bancos centrais pelo mundo seguem regimes de autonomia, com mandatos fixos e não-coincidentes com o de Presidente da República. Essa dinâmica permite que Executivo e Legislativo mantenham sua capacidade de dar o norte da política econômica, mas o Banco Central tem liberdade operacional para gerir o trajeto sem medo de demissões eleitoreiras.

Hoje, os juros de curto prazo rondam 4,5% ao ano, com expectativa de voltar a 6,5% no longo prazo. O objetivo de Maia, Campos Neto e Guedes é simples: ao aprovar a autonomia do BC, há um choque de credibilidade que deve gerar uma queda ainda maior nos juros longos. Como resultado, não será necessário subir tanto os juros de curto prazo quando a economia reaquecer. Além, é claro, de representar um estímulo considerável ao investimento privado.

Os opositores do projeto usam imagens aterrorizantes, como a entrega do país aos banqueiros, porque não querem discutir o que o texto efetivamente propõe. Não é fácil argumentar contra o aumento de transparência e credibilidade da política econômica. Por isso, muitos preferem inventar imagens tenebrosas para fugir da realidade. Na prática, o projeto de autonomia do BC não entrega poder aos banqueiros, mas nos protege de novas Dilmas Rousseff.

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.