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O mês de agosto tradicionalmente aglutina discussões sobre a situação fiscal do país, pois, de acordo com a legislação, ao seu final, o poder executivo precisa enviar o Projeto de Lei Orçamentária para o exercício seguinte.
No atual cenário de emergência fiscal, devido à pandemia, a discussão sobre o rumo desejável da política fiscal tende a ser ainda mais acalorada, como evidenciou a semana que passou.
O teto de gastos, instituído pela PEC 95/2016, é hoje o pilar central da política econômica. Ao limitar o crescimento de praticamente todas as despesas primárias da união à inflação do ano anterior, o teto afiança à sociedade e aos agentes econômicos a solvência da União, o que ancora as expectativas de inflação e permite, ao Banco Central, praticar sua política monetária livre do espectro da dominância fiscal.
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Como é amplamente sabido, o orçamento do governo federal é cerca de 95% comprometido com despesas obrigatórias, que não podem ser remanejadas para outros fins, nem pelo Poder Executivo, nem pelo Poder Legislativo.
As duas maiores despesas obrigatórias são as com pessoal (ativo e inativo) da União e as despesas com aposentadorias e benefícios do INSS, que responderam, juntas, em 2019, por dois terços de todas as despesas primárias da União.
Agregadamente, os gastos obrigatórios crescem em ritmo superior ao da inflação, principalmente em função do crescimento real das despesas previdenciárias, que, apesar da reforma implementada, devem seguir crescendo a um ritmo em torno de 2% acima da inflação nos próximos anos.
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Esta dinâmica, se não revertida, fará com que, no máximo em 2023, o cumprimento do teto de gastos não seja mais possível sem que o Estado deixe de executar serviços essenciais.
Em 2020, o Orçamento de Guerra associado à pandemia permitiu uma necessária expansão dos gastos para (muito) além do teto.
Com a perspectiva de retomada das atividades econômicas e o declínio da pandemia intensificando-se no último quadrimestre do ano, não haverá justificativa para prorrogação do estado de emergência (e a consequente possibilidade de rompimento do teto) em 2021, como chegou a ser cogitado por algumas lideranças do Congresso.
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A escolha desse caminho, a partir de um ponto em que a dívida bruta do governo será de 95% do PIB, levaria à rápida desorganização da economia e aprofundamento da recessão. Felizmente, essa opção parece quase integralmente descartada.
Não obstante a desconsideração de opções que levariam à “morte súbita”, existe um grupo de assessores do Presidente da República que defende, de forma praticamente aberta e oposta à posição do Ministério da Economia, algum tipo de flexibilização do teto de gastos.
A intenção seria acomodar, por exemplo, um certo montante de recursos em obras de infraestrutura, ou um programa “Renda Brasil” – que substituiria o atual Bolsa Família – mais generoso do que os cerca de R$ 50-55 bilhões que o teto de gastos permitiria acomodar em 2021, combinando vários programas assistenciais, dada a atual estrutura de gastos obrigatórios.
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Esse também não é o caminho. Diante da atual situação fiscal, aumentar o “pé direito” do teto, apesar de tentador do ponto de vista político, levaria os agentes econômicos a questionarem, justificadamente, o que faria o governo no próximo ciclo orçamentário, quando as restrições impostas pelo teto de gastos serão ainda mais severas.
Esse problema de credibilidade e inconsistência na política fiscal é muito maior do que o representado pelo valor dos recursos que, eventualmente, seriam excluídos do teto em 2021.
Não obstante, a intenção, do ponto de vista tanto da eficiência econômica como de bem estar social, em se expandir os gastos assistenciais e de infraestrutura em detrimento de despesas obrigatórias – especialmente as com pessoal – é evidente.
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A pandemia e a recessão a ela associadas escancararam esta necessidade, que há muito já era premente.
Nos últimos meses, para falar apenas do plano federal, enquanto cerca de seiscentos mil funcionários públicos da ativa gozaram da integralidade de seus salários e da estabilidade de seus empregos, cerca de quatorze milhões de brasileiros perderam seus empregos – isso porque o programa de assistência ao emprego permitiu a preservação de cerca de outros quinze milhões de postos formais de trabalho.
Aqueles que, na informalidade, preservaram suas atividades, sofreram uma redução significativa em seus rendimentos.
Por isso, o melhor (possivelmente o único) caminho, na atual situação, é o que está sendo esboçado pelo Ministério da Economia: combinar as PECs 186 (“Emergencial”) e 188 (“Pacto federativo”), textos já em tramitação no Senado, em uma única proposta que pudesse caracterizar o estado de emergência fiscal e disparar gatilhos para contenção das despesas obrigatórias do orçamento já em 2021.
Felizmente, a receptividade a essa idéia pelos presidentes da Câmara e do Senado parece ter sido boa, pelo que foi divulgado pela imprensa.
Em relação à caracterização do estado de emergência fiscal da União, há algumas alternativas: pode ser mantido o critério previsto nas referidas PECs (operações de crédito superiores à despesas de capital – ou “regra de ouro”) – que estará desenquadrada, nos próximos anos – ou substituí-la por um critério semelhante ao utilizado para os entes subnacionais – no caso destes, a emergência fiscal na PEC 186 é caracterizada quando a despesa corrente atinge 95% da receita corrente.
Já em relação aos gatilhos, vários daqueles previstos nas PECs 186 e 188, em caracterizada a emergência fiscal, já estão na verdade acionados pela LC 173/2020, que vedou, salvo exceções, reajustes salariais, progressões funcionais, concursos públicos, e criação de despesas de caráter continuado em geral, nas três esferas da administração pública, até dezembro de 2021.
O gatilho previsto na PEC 186 que pode de fato liberar espaço adicional para despesas sociais e de infraestrutura é a possibilidade de redução de até 25% das horas trabalhadas dos servidores durante o estado de emergência, com adequação proporcional dos vencimentos à carga horária.
Apenas no plano federal, estimamos que essa medida possa abrir espaço de pelo menos R$ 20 bilhões para despesas discricionárias.
Note-se que, excluídas as compensações de ICMS efetuadas pela União aos estados, é muito provável que a grande maioria desses entes fossem hoje enquadrados no estado de emergência, pelos critérios da PEC 186.
Assim os reajustes de pessoal seguiriam vedados após 2021, provavelmente por mais alguns anos. O mesmo pode-se dizer do enquadramento da União pela regra de ouro ou por outro critério que venha a substituir.
Adicionalmente, a PEC 187/19, que trata de extinção de fundos com recursos empoçados / não utilizados, pode também ser combinada à nova proposta.
A extinção dos fundos, além de gerar a possibilidade de abater mais de R$ 200 bilhões em dívidas (estoque atual dos fundos a serem extintos), abre espaço de mais alguns bilhões de reais anuais no Orçamento, que podem ser redirecionados a outras despesas.
A PEC 95/2016 ficou conhecida como “PEC do Teto”, e se tornou o mais importante instrumento da política econômica dos últimos anos. Está na hora de acelerar a PEC 186 e rebatizá-la de “PEC do Piso”.
Precisamos rebaixar o piso, para que o teto não colapse, se não em 2021, por opções equivocadas de política, nos próximos, por excesso incontornável de despesas obrigatórias.
A hora é agora e não há mais nenhum tempo a perder.